blog do escritor yuri vieira e convidados...

Mês: abril 2004 Page 1 of 6

Intercâmbio estudantil

Conheci recentemente – via Internet – outra pessoa que, como eu, teve o privilégio de morar em Latacunga (Ecuador), também através de intercâmbio estudantil: Ariana Faccini. Aliás, pretendo postar o mais breve possível um texto sobre essa experiência, que é, na minha opinião, uma das mais profundas e necessárias ao desenvolvimento do adolescente: a descoberta, através da experiência direta, da fraternidade que une diferentes povos e culturas. Fotos de 1989: eu (sentado) junto a colegas de colégio, em Latacunga; com os Naranjo, minha família de intercâmbio, em La Mitad del Mundo, onde cientistas franceses fizeram os cálculos que demarcaram a Linha do Equador; e escalando os Illinizas (5300 metros).

Muy amigo

“Sim, há que endurecer-se. Temos de fuzilar essa gente que acabamos de fuzilar em Cuba, porque não merecem viver. São pessoas que tiveram oportunidade, trabalho, e escolheram o mau caminho, matar gente inocente, sabotar o turismo.”
Palavras do Señor Alberto Granado, amigo de infância de Che Guevara e autor do livro no qual Walter Salles se inspirou para realizar seu filme, “Diários de Motocicleta”. Quanta ternura, não?

Papo de índio

Este texto é da Primeira Leitura: “PAPO DE ÍNDIO: a matança foi só um “aviso”, disse o cacique Pio Cinta-Larga, numa ameaça velada de que novas mortes podem acontecer na reserva Roosevelt, em Rondônia. Ele é um dos líderes dos cintas-largas, que promoveram a chacina de 29 garimpeiros, no último dia 7. Deve ser um dos primeiros a depor no inquérito da PF. O chefão já responde a quatro processos por formação de quadrilha e ligações com o tráfico de diamantes. O cacique posa para a foto de arco e flecha, mas é pouco pio em se tratando de hábitos indígenas: sua “oca” é uma amplíssima casa em Cipoal. O presidente da Funai, Mércio Pereira, ao falar sobre as mortes, disse que os índios estavam se defendendo. E como o (ím)Pio se defende bem: tem televisão, DVD, forno de microondas, sala de áudio, piscina, dirige uma caminhonete Mitsubishi L-200 cabine dupla e dispõe de um séquito de seguranças. Ah, é também um dos comandantes do garimpo ilegal na reserva que tem a proteção legal da Funai. Imaginem só: o homem é dono de um dos maiores latifúndios improdutivos do Brasil, explora uma reserva de diamantes, deixa matar, se for preciso, para tocar em paz o seu negócio e ainda tem em seu favor o governo, as ONGs e os contrabandistas. E sabe que o MST jamais vai baixar por lá. Pio, o imperador do Brasil!”

Novela é futebol

Observando “noveleiros” da minha família e amigos — a própria Hilda Hilst adorava uma novela — percebi que, no fim das contas, para eles novela não é senão um jogo de futebol mais longo e complexo. Mesmo quando a novela vai mal das pernas, quando as reviravoltas e peripécias são inverossímeis, continuam lá, firmes, assistindo e torcendo para uma melhora do enredo. Reclamar reclamam, mas não arredam pé da frente da TV. (Hilda, por exemplo, fazia críticas e comentários impagáveis. Por conta disso cheguei não exatamente a assistir com ela uma novela, mas a assisti-la assistindo uma novela.) Enfim, reclamam, criticam, mas continuam cheios de esperança. Não é este exatamente o comportamento dos torcedores de futebol?

Arthur Schnitzler

Sempre que revejo “De olhos bem fechados”, do Kubrick, me lembro da primeira vez que, em Brasília, li Arthur Schnitzler. Seus contos são excelentes, sempre indicando a decadência moral através de uma narrativa que mistura realidade e sonho, lucidez e embriaguês, sanidade e loucura. (“De olhos bem fechados” é a adaptação de um de seus livros, TRAUMNOVELLE ou “Romance de Sonho”.) Freud foi amigo e fã desse médico e escritor austríaco, Schnitzler. Quem ainda não o conhece não sabe o que está perdendo.

O mal

Segundo o psicólogo Otto Rank, a dinâmica do mal é a tentativa de fazer o mundo ser diferente do que é, de fazer dele o que ele não pode ser, um lugar livre de acidentes, um lugar livre de impurezas, um lugar livre da morte.

Algo

“Alguma coisa grave aconteceu ou está para acontecer. Os falsos padres são tão numerosos quantos os falsos escritores.” Vintila Horia

Desejo de acreditar

“Há, então, casos onde um fato não pode vir de todo a não ser que exista uma fé preliminar em sua vinda. E onde a fé em um fato pudesse ajudar a criar o fato, seria um lógico insano quem dissesse que a fé correndo adiante da evidência científica é ‘a mais baixa espécie de imoralidade’ na qual um ser pensante pode cair.” (William James, Desejo de acreditar.)
“É melhor arriscar a perda da verdade do que a possibilidade de erro: essa é a posição exata de quem veta a fé.” (idem.)

O poeta

Rimbaud, numa carta de 1871:

Digo que se deve ser um visionário – que é preciso tornar-se um VISIONÁRIO. (…) O poeta se torna um visionário através de uma longa, imensa e refletida desordenação de todos os sentidos. Ele busca todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura…

Eu diria que os poetas conseguem essa “desordenação de todos os sentidos” exatamente por tentar ordená-los. É alguém que busca e, no caminho dessa busca, esbarra em amores, sofrimentos e loucuras. O poeta é alguém que teve o azar — acredite, neste nosso mundo é um azar — de ter uma percepção privilegiada.

O Anticristo

“O Anticristo é o fantasma de toda a humanidade, gerado durante toda a sua evolução histórica. Ele é o ‘super-homem’ que domina a consciência de todos os que procuram elevar-se apenas pelo esforço próprio, sem a graça.” (Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô, autor anônimo.)
Taí uma descrição que se encaixa bem na personagem Grace (Graça!), do filme Dogville. Ela é o Anticristo.

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