Recebi o texto abaixo – de Mário Cesar Carvalho – da amiga Anna Christina de Oliveira. Trata daquele assunto bastante conspícuo: nossa elite é jeca, daí o Brasil ser o que é. Concordo com esse ponto. Mas não vejo nada de errado numa torre e, por outro lado, vejo tudo de em hospedar alguém como Marighela. {}`s

A morte do Masp

O Masp (Museu de Arte de São Paulo) não recebeu nem um centavo de doadores privados neste ano. Talvez por isso sejam reveladoras as fotos em que Julio Neves, o presidente do museu, aparece sorrindo na inauguração da Daslu, cujo prédio foi projetado pelo arquiteto. As fotos são reveladoras porque expõem cruamente o muro que separa os novos ricos do universo da arte: os que pagam R$ 4 mil por uma saia ou R$ 8 mil por um terno acham que não vale a pena dar um centavo para o Masp ou para qualquer outro museu. A ascensão meteórica da Daslu e a morte lenta do Masp parecem fazer parte de um mesmo fenômeno: aquele em que a elite paulistana abandona completamente a esfera pública, o espaço de convívio com os diferentes, para se isolar em bunkers como o que abriga a Daslu.

Museus são um dos melhores indicadores da predisposição da elite para dividir um de seus bens mais valiosos: a arte. É por isso que o Brasil dos anos 70 assustava os artistas estrangeiros. Como pode um país tão pobre oferecer obras primas de Van Gogh, Cézane e Modigliani num prédio que é, ele próprio, um assombro modernista? Esse país parece ter acabado. Desde outubro de 1994, quando derrotou José Mindlin por um voto (22 a 21), Neves promove um processo de desmonte do Masp. Trocou o piso, aposentou os cavaletes de vidro e concreto, levantou paredes e criou uma sala VIP. Por incrível que pareça, ninguém fez nada – o Patrimônio Histórico, o Ministério Público, os artistas, os colecionadores, os críticos. Neves extrai suas forças desse vácuo: há dez anos ele está na presidência do Masp.

Neves trata o prédio de Lina Bo Bardi (1914-1992) como se fosse mais uma obra dele. Não é por capricho que se quer manter os cavaletes de vidro e o piso básico do Masp. Eles narram as opções de Lina por um modernismo seco, sem adereços. Refletem as escolhas políticas da arquiteta. Lina era comunista e, no período mais negro da ditadura militar, em 1968, emprestava o canteiro de obras do Masp para Carlos Marighela, um dos guerrilheiros mais procurados, fazer reuniões da Aliança Libertadora Nacional. Neves, amigo de infância de Paulo Maluf, não se contenta em desfigurar o museu. Quer colocá-lo à sombra de uma torre de 125 metros de altura projetada por ele. O próprio arquiteto apelidou o projeto com o inacreditável nome de ‘pirocão’. A justificativa jeca para a altura é que do topo da torre daria para ver o mar em dias claros. A torre, na visão de Neves, ajudaria a levantar recursos para o Masp. O arquiteto não consegue mostrar decentemente o melhor acervo da América Latina e quer mostrar o mar?

Na escala Neves, uma torre parece valer mais do que um Rafael ou um Ticiano. Parece inacreditável, mas há tucanos lotados na administração do prefeito José Serra (PSDB) que apóiam a construção da torre. Não percebem, talvez, que o museu corre o risco de virar uma extensão dos negócios imobiliários de Neves. Essa história melancólica parece sinalizar o nascimento de uma nova era, na qual a elite privatiza bens públicos, como os museus, ou transforma-os em acessório de seus negócios. É o custo da ignorância, não dos pobres, mas dos que estão no topo da pirâmide econômica. Como não há mecenato no país, os
museus viraram a casa da sogra.
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Mario Cesar Carvalho é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é
publicado o artigo de João Sayad, que escreve às segundas-feiras nesta
coluna.