Foi somente quando meu filho, com justificada dureza, afirmou que cuidaria do cadáver de seu irmão, que compreendi que deixara de ser criança.

“O que a senhora acha? Que vou deixar que o homem do necrotério prepare o corpo, como um taxidermista estufando um pássaro para a vitrine de um museu?”, disse ele entre lágrimas.

O pranto dolorido me subiu o peito de imediato. Duas mortes de dois filhos no mesmo dia me faziam querer morrer também. O primeiro morrera sem deixar de ser criança para mim, o segundo morria deixando de sê-lo.

Confuso entre a raiva que sentia de minha mãe, insistindo em me proteger do mundo, e a dor da morte de meu irmão, adentrei o salão do velho casarão da fazenda, onde, pacífico e nu sobre a mesa de madeira de lei, jazia o cadáver.

As duas irmãs bobas tinham acendido velas à sua volta – seria a onipresença da deficiência mental naquele lugar causada pelos casamentos intrafamiliares ou pelo mercúrio do garimpo de ouro, como mais recentemente insistia em dizer o cientista?

Entre as lágrimas, eu o via adentrando a penumbra do antigo salão de jantar, onde, ainda quente, jazia seu irmão mais velho. Não sei se caminhava altivo e forte ou curvado e triste – quem sabe, as duas coisas ao mesmo tempo. Não sei se era assim ou se assim eu o via.

Ele estava sereno. A barba que, em vida, eu via sempre desgrenhada, combinando com sua transbordante ansiedade, parecia feita e penteada – talvez as bobas o tivessem já preparado? Tudo parecia em ordem – até o pênis do meu irmão defunto estava alinhado com o resto de seu corpo. E os rasgos das facadas, a despeito do sangue coagulado e das marcas roxas das pancadas, pareciam limpos.

De súbito, senti vontade de acender a luz, mas me contive, como se aquilo pudesse perturbá-lo. Das paredes ao redor, austeros, nos olhavam os retratos amarelados de três gerações da família. Entre eles, no centro, o enorme crucifixo e seu Cristo de olhos virados sugeriam a perpendicularidade de planos entre Ele, que se sacrificara por todos nós, e meu irmão, vítima de sua vã vaidade.

Do piso superior, canhestra, começou a soar a gravação chiada de uma antiga big band – os álbuns de meu avô. As bobas idiotas. O corpo inerte de meu irmão e o jazz.

Eu sentia um impulso quase incontrolável de adentrar aquele salão e ampará-lo. Quase tão dolorido quanto a morte violenta de meu filho mais velho, era pensar em meu filho mais novo vestindo-o sozinho para seu enterro na penumbra daquele infinito salão do casarão. Eu queria tomá-lo em meus braços e protegê-lo.

Olhei para os degraus da escada e lembrei que meu tio louco deveria estar trancado em seu quarto, no piso superior, há dezessete anos alheio a tudo o que se passava. Ele, seus pássaros e suas gaiolas, além daquele baú, que me intrigara durante toda a infância.

Passos ecoaram na madeira do piso sobre minha cabeça – duros passos como os de meu avô. Voltava?

Comecei a subir a escada e as risadas esganiçadas das bobas cortaram o ar carregado do casarão. Olhei para trás e vi, uma vez mais, frio, o cadáver do irmão.

Que não subisse, que não subisse! Vi apenas seu vulto passando e escutei os passos duros na escada, que formavam um compasso desconcertado com aqueles que batiam no piso do escritório de meu pai no segundo andar. Uma vela próxima de seu fim bruxuleou com mais força no salão.

As bobas riram outra vez.