Glauber Rocha sempre foi – isso não é novidade nenhuma – a vanguarda da vanguarda. Seus filmes permanecem atuais ainda hoje e alguns, em grande medida, pouco compreendidos.

Em primeiro lugar, na segunda metade de sua carreira, já achava o cinema narrativo pobríssimo, um subaproveitamento total das possibilidades da Sétima Arte que é, em termos sensoriais e de possibilidades de linguagem e estética, a mais abrangente e completa delas – imagem, som, movimento e possibilidade de dobrar o tempo. Contar cinematograficamente uma historinha com começo, meio e fim era coisa medíocre para ele.

O filme Di é um exemplo disso. Nele, Glauber inverte completamente a relação entre imagem e fala que dá o tom normal dos documentários. Nestes, a fala dá o tom da imagem, fechando um significado para o significante exposto. “O povo se despedia de seu ídolo” sobre imagens de pessoas apoiadas no viaduto vendo o caixão de Ayrton Senna passar. Em Di, ao contrário, fala e imagem não se subordinam, correm em planos paralelos e ampliam os significados uma da outra. Mais ainda, há vários planos de narração se sobrepondo – sua ode e declaração de amizade e admiração pelo pintor, suas leituras de textos sobre ele e de notícias de jornal sobre o escândalo da filmagem do enterro, intervenções bruscas e delirantes de Glauber, etc. Além da trilha sonora inusitada, com, por exemplo, o caixão baixando à sepultura ao som de “Homem Gol”, de Jorge Ben.

Sobre Glauber, há uma história muito engraçada que Darcy Ribeiro relata no documentário Glauber, Labirinto do Brasil, de Sílvio Tendler. Conta o velho antropólogo que, anos de ditadura, recebeu o cineasta em Montevidéu. Naqueles dias, Darcy deveria comparecer a uma reunião no palácio presidencial uruguaio, ou coisa que o valha, para conspirar com alguns dos mais importantes líderes, incluindo alguns presidentes, da esquerda latino-americana. Segundo ele, Glauber o aporrinhou até convencer Darcy a levá-lo consigo.

Pompas e circunstâncias nos salões da esquerda, Darcy nota que Glauber sumiu e, súbito, começa a sentir um cheiro estranho. Olhando em volta, encontra-o escorado a uma pilastra, um baseado aceso em pleno palácio, contemplando a cena…