Coluna de Cláudio Weber Abramo hoje no Diário do Comércio de São Paulo:

O episódio envolvendo as declarações do caseiro Francenildo Costa sobre a freqüência do ministro Antonio Palocci a uma casa mantida por integrantes da chamada “república de Ribeirão Preto” está servindo para lançar um pouco de luz sobre duas esferas interdependentes: o processo político brasileiro e a forma como o Estado é gerido.

Preliminarmente, é preciso deixar claro que essa tal de “república de Ribeirão” fede à distância. Um grupo de auxiliares e ex-auxiliares do ministro Palocci, todos eles egressos da administração do ministro quando prefeito da cidade paulista de Ribeirão Preto, operava influências no governo. Suspeitas de falcatruas sistemáticas cometidas na administração da cidade, envolvendo a notória empreiteira Leão & Leão, estão sob investigação da polícia e do Ministério Público.

A acusação de Francenildo Costa, a de que o ministro Palocci freqüentaria a casa, teria relevância política caso as suas visitas coincidissem com a presença de outros membros da tal “república”. Contudo, o próprio caseiro informa que, quando o ministro comparecia (se de fato comparecia), os demais “republicanos” se escafediam.

A saber, a casa seria usada pelo ministro apenas para encontros de alcova, circunstância que justificaria suas negativas em admitir que jamais a freqüentou.

Se é assim, então desse episódio pode-se, no máximo, inculpar o ministro por indiscrição. Não se trata de suspeita de delito de natureza político-administrativa. Portanto, agiu certo o senador Tião Viana (PT-AC) ao solicitar a interrupção do depoimento que o caseiro prestava na CPI dos Bingos, e agiu certo o ministro César Pelluzzo, do STF, ao atender à solicitação.

Sob esse ângulo, decerto a exploração das indiscrições ministeriais pela oposição ao governo foi e é indevida. Talvez não fosse indevida num país puritano como os Estados Unidos. Mas não estamos nos EUA, estamos no Brasil. No Brasil, esse tipo de coisa, embora decerto não elogiável, passa como deslize e não é da conta de ninguém mais senão das pessoas diretamente envolvidas ou afetadas.

O desenrolar da “crise dos lençóis” deu lugar, agora sim, a um ato da máxima gravidade, que – ao que se noticia – foi gerado nos altos escalões brasilienses. Trata-se da violação da conta bancária mantida pelo sr. Francenildo Costa na Caixa Econômica Federal e divulgação de dados dessa conta, na tentativa de desautorizar suas declarações.

Se a conta de um correntista é violada dessa forma por funcionários responsáveis por sua guarda, levanta-se a suspeita perfeitamente fundamentada de que outras violações foram cometidas.

Quem viola uma conta, viola mil. Quais achaques foram aplicados contra quais indivíduos e empresas a partir de informações colhidas criminosamente de suas respectivas contas-correntes?

Por falar nisso, dado que o envolvimento de altos dirigentes da Caixa Econômica Federal é no mínimo alvo de fortes suspeitas, senão certeza, e dada a função regulatória do Banco Central sobre matéria bancária, quais são as providências que o BC para punir a instituição e seus dirigentes? Isso não seria motivo de intervenção?

Ao que tudo indica, diretores da Caixa Econômica cometeram crime para satisfazer a interesses políticos de seus superiores, não importando se tais interesses foram explicitados ou apenas intuídos por aqueles que dirigem esse banco oficial.

Se o fato tivesse ocorrido num banco privado, quais seriam as punições aplicáveis, tanto ao banco quanto a cada um dos dirigentes implicados? Um diretor de banco que viola o sigilo de um seu cliente e divulga as informações resultantes pode continuar a operar no mercado financeiro? Quem confiaria num gerente ou diretor que faz isso?

O que se receia é que o clima de escamoteamento da realidade que impera em Brasília impeça que tais perguntas sejam formuladas com a devida agudeza e respondidas com algum semblante de razoabilidade. Se a crise político-administrativa do mensalão e escândalos associados mostra alguma coisa, é que não está havendo aprendizado, e que há muito pouca gente de fato interessada em mudar seja o que for – de forma que os meliantes da CEF que fizeram o que fizeram provavelmente serão condecorados.