“A diferença entre calhistas e calhordas é que as primeiras estão meio fora de moda”
    (Lavra pessoal)

Difícil coexistir num mundo tão repleto de mediocridades exacerbadas, não? Pensando nisso e temendo ver meu trabalho adernar nas mãos de uma plêiade parasitária que se arroga ao fazer contemporâneo, ameaço-lhes com digressões e hidrofobias inócuas.

Portanto, o dia em que chamarem minha obra de “produto”, fecharei o estabelecimento e me mudarei para as ilhas Fiji. Sim, colaborarei com o Nada da História oferecendo-lhes o que sempre me pediram de mãos juntas e pé nas costas, ou seja: Rien…

E entre o vazio daqui e a pujante Suva daquele arquipélago, acreditem, nem hesitarei, apanharei meus livros, uísques e toneladas de charutos e lá me refugiarei, prometendo — é claro — me corresponder com o gentil leitor através de histórias meramente transmissíveis via Internet, assim como desejou fazer o teólogo erudito Raymond Lulli e só não o fez pelo simples ocaso tecnológico imposto-lhe por sua própria e lapidar história de vida que, aliás, levou-o à morte por lapidação.

Falando nisso, recordo-me o que uma miríade de teses já provaram: a História é um fato que não ocorreu e, pior, foi sempre contado por tolos que não estavam lá. Eu sei, a coisa parece hiperbólica, porém, como tudo que me acontece na vida é assim, meio tombada para o exagero das ferocidades inofensivas, concordo, mas sempre com um olho no garçom e outro no “asnômetro”, o delicado aparelho que inventei para detectar o grau de parvoíces praticadas no sistema.

Então, de posse de dados exatos sobre o que acontece nos desvãos da Pátria, penso em nossa Constituição escrita a lápis e, entre dois ou três desmaios de assombro constitucional, inteiro-me da obra de Maimônides, o mais importante dos filósofos judeus da Idade Média e de seu Guia dos Indecisos, excelente tratado onde orientava aqueles que se achassem em dúvidas entre lavar as mãos ou calçar as luvas.

E ali, diante da catedralesca erudição daquele homem sério que não adquiria livros em sebos devido à sua alta taxa de colesterol, recordei-me do dia em que encontrei o ex-vice, Marco Maciel no aeroporto. Foi fantástico! Ele, todo de branco, alto, magro, careca e com uma gravata vermelha. Lindo! Parecia um termômetro. Eu, muito mais discreto e com minha roupinha de bucaneiro do século XVII, chamei-o a um canto e lhe sussurrei a pergunta que todo brasileiro gostaria de fazer a tucanos mas que, impedidos pela ornitológica inibição, como sempre, coube a mim perguntar:

— O que, afinal, pretendem eles? E Lula, acabará como Lulli?

Visivelmente embaraçado e tergiversando, o político olhou-me com a desconfiança dos párvulos que não acreditam mais em cegonhas e, desarvorado, saiu em disparada, deixando para trás seu ostentoso séquito, o que me deu idéias de ir ventando para casa reescrever o Romance de Costumes Parlamentares e evocar a figura de João Sem Terra, o rei inglês sob o qual se inscreveu a Magna Carta que, segundo me diz o ponto, não está mais na Torre de Londres.

Portanto, agora era sério e iria requerer de mim a gravidade que o tema merece. Sim, não é sempre que se tem a oportunidade de colocar fantasias patrióticas a serviço da Constituição, a lei fundamental e suprema do Estado, sob a qual os grandes estremecem e os pequenos se borram. Sobretudo, evocando-se a mais antiga, que levou o soberano a perder tudo, só ganhando a alcunha, agora lembrada por algumas agitações intestinas (no sentido escatológico, é claro) e com um Stedili às portas do nosso estábulo.

Por conseguinte e sob a languidez desses prazeres noturnos e pensamentos deleitosos, resolvi não perguntar nada mais a políticos, nem a ex-vices nem a ninguém. Não! Eu mesmo descobriria a verdade sobre aquele maldito enigma.

Entretanto, nesse glorioso momento, a bola do mouse teve uma irreparável crise de orquite e, para completar, desarvorada, a faxineira me apareceu reclamando que atrasou na menstruação e seu nome acabou no Serasa. Droga! Que fazer acerca de tais questões, hein?

Assim, diante dos fatalismos e dissabores insanos da ocasião, pus de lado o capital assunto das Cartas Magnas e, magnânimo, resolvi interromper o malte e tomar magnésia maltada que, como se sabe, é petisco muito mais digestivo que toda essa conversa de rei João Sem Terra, súditos sem-teto ou desta terra sem lei com muitos tucanos e poucos tutanos, mas vendo diariamente incríveis nulidades lambuzando-se em petisteiras à guisa de petisqueiras.

Bom dia.

(Publicado no Correio Popular.)