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O fundo buraco da violência

Desnecessárias, em minha opinião, quaisquer teorias conspiratórias para a explicação da tragédia paulistana. Não consigo não ler psicanaliticamente essa necessidade infantil de achar um culpado, discernir o bem e o mal, numa complexa situação em que há muitos responsáveis (quase todos nós e nossos antepassados aqui nesses trópicos) – uns mais e outros menos, diga-se de passagem. Não adianta apontar o dedo, chorar e ranger os dentes. O buraco é muito fundo. É a falência de um projeto de sociedade. Eu não vejo luz no fim do túnel brasileiro. E isso não é só culpa do PT. É também. Mas também é minha e sua.

Aqui está uma visão equilibrada sobre o assunto: o comunicado público emitido pela Justiça Global. Para outras opiniões inteligentes, vale clicar também no sempre sábio Cláudio Weber Abramo.

A Justiça Global, organização não-governamental de direitos humanos, expressa sua mais veemente condenação aos atos de violência que tiveram lugar no estado de São Paulo nos últimos dias, e também à resposta das autoridades estaduais a esses atos.

Entendemos e nos solidarizamos com a dor dos familiares dos agentes públicos e de todas as vitimas dos ataques do PCC e com a fragilidade experimentada por cidadãos que se viram expostos a ônibus em chamas, explosões, ameaças, falhas em serviços públicos e a exploração sensacionalista de alguns órgãos de imprensa.

No entanto, diante de muitas reações despropositadas, precipitadas e irresponsáveis, por parte de autoridades públicas, órgãos de imprensa e “especialistas em segurança pública” que apontam para políticas ainda mais repressivas e violentas, entendemos necessário um posicionamento público que redirecione o debate para soluções de longo prazo, dentro da lei, e que tenham como norte o respeito aos direitos humanos.

Os ataques ocorridos em São Paulo representam uma confluência entre a incompetência das autoridades do estado, do poder judiciário e da própria polícia, conjugada com a ação de um grupo criminoso organizado, que há muitos anos vem se articulando e se fortalecendo dentro e fora dos presídios.

Apesar da tentativa de autoridades de São Paulo em desviar o cerne da questão, atribuindo as causas desses ataques à fragilidade da legislação penal ou a boatos e até a Internet pelo medo generalizado, o que não se pode compreender ou aceitar é o fato de o governo deste Estado saber do plano para tais ataques com 20 dias de antecedência e, mesmo assim, não avisarem a polícia, não tomarem medidas de precaução ou prevenção para os ataques. Por quê? Se sabiam das ameaças de ataques vindouros contra a polícia e de rebeliões em série, por que o estado de São Paulo não tomou providências?

As autoridades de São Paulo foram incompetentes, ineficientes e, pior, negligentes. Para além da violência inaceitável do PCC. A omissão resultou em mais de cem mortes. E como resposta para a opinião pública, a polícia mais uma vez abre mão da investigação dos ataques criminosos e parte para a matança, com um forte componente de vingança pelas mortes de seus colegas.

A resposta que todos vimos, e testemunhamos, foi tardia (mesmo a transferência estabanada de membros do PCC na quinta-feira), desorganizada e retórica. No auge da crise, no domingo 14/05, para espanto de qualquer pessoa lúcida, o governador Cláudio Lembo chegou a declarar: “a situação está totalmente sob controle”.

Os ataques em São Paulo foram extremamente violentos, disso não há dúvidas. No entanto, a utilização do termo terrorismo é oportunista. Em primeiro lugar porque não existe uma definição internacionalmente aceita sobre o que é “terrorismo”; em segundo lugar porque este é um termo que traz consigo uma conotação pejorativa e de reações violentas, que buscam legitimar ações cada vez mais “duras”, cerceando e restringindo direitos constitucionais.

Este é exatamente o comportamento que não podemos apoiar, a reação sem controle da polícia, causando ainda mais mortes e medo na população. A sociedade não se sentirá mais segura com a polícia matando 38 pessoas num mesmo dia, como fez ontem.

Apesar do difícil momento que atravessa a sociedade brasileira, a Justiça Global chama a atenção das autoridades estaduais e federais sobre a necessidade de respostas à altura do problema, que não são em absoluto a caça desenfreada de “bandidos” a e execução sumária de mais pessoas.

Não nos iludamos que esses conflitos serão resolvidos sem que haja uma mudança estrutural, que priorize a geração de emprego e o desenvolvimento de políticas sociais que apontem perspectivas reais para a juventude e para os trabalhadores. Essas mudanças devem estar associadas a uma outra concepção de política de segurança pública, baseada em investimentos urgentes e contínuos em inteligência policial; em investigações sérias e coordenadas entre as polícias, o ministério público e o poder judiciário; em medidas concretas para por fim à corrupção que atinge os poderes públicos.

Exigimos do Estado um comportamento diferente da violência cruel do PCC. O Estado não deve e não pode ter a mesma postura criminosa e violenta, e atuar movido pelo sentimento de vingança, com dois pesos e duas medidas. Muito pelo contrário, o Estado tem a obrigação de agir com total respeito às leis, aos cidadãos e às instituições democráticas.

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7 Comments

  1. cyro sabino

    Isso é a falencia do Estado, que não cunpre o seu papel a anos, que vem recebendo ordens do FMI e pagando essa divida que não tem fim.Com o dinheira da divida poderianos estar gerando emprego e bens a comunidade como escolas de qualidade para todos e não para uma minoria como é feito hoje.Um filho de um pobre, vai se espelhar no pai que trabalha o dia todo para ganhar 450 reais e não tem nem comida para sua propria familhia ou no traficante que é o seu vizinho e tem tudo do bom e do melhor.

  2. Tudo muito inteligentinho e ponderado, Pedro. Só que meu Mister Hyde deu muita risada. Ah, essa gente só se toca de fato quando é tarde demais. 🙂
    Se os fatos apontam para uma conspiração real, então não são fatos, porque o termo “conspiração” virou sinônimo de “imaginação paranóica”. Ok, ok. E a Petrobrás não foi expropriada, e o Hugo Chávez não anunciou que irá vender armas pro Irã, e o MST não assinou acordos no Foro de São Paulo com o PT, Lula, Farc, Fidel Castro, etc., e as Farc não compram armas do PCC e do CV e não lhes vende cocaína. São fatos muito parecidos com uma conspiração e por isso devem estar saindo da imaginação paranóica de alguém, logo, não são fatos. Ok, ok. É só um problema de educação, de políticas sociais e palavreado lindo do gênero.

    Bom, eu vou continuar sendo o paranóico do site, que é para onde aponta a minha percepção das coisas e a minha inteligência.
    Abração!

  3. Paulo Paiva

    Pedro,

    “Psicanaliticamente” falando a análise desta tal de Justiça Global ainda está num nível muito superficial de simples construção de discursos bonitinhos (acho que vc sabe do que eu estou falando). Há algo muito anterior à este construção simplista, que remete à engenharia cultural a que estamos sendo submetidos. Um exemplo desta engenharia é que a simples busca das causas é confundida por vc como a “busca de culpados”, com uma conotação claramente pejorativa, sem relevância e desnecessária. Ah! E fato que que não existe bem ou mau no nível inconsciente não nos impede de escolher nossa posição! abs.

  4. Max Sander

    Caro Pedro Novaes
    O que ha de mais interresante no seu texto é que voce alega apresentar uam “visão equilibrada sobre o assunto”. Então as que colocam o Foro de Sao paulo como causa primordial de tudo isso deve ser segundo vossa ótica “visões desequilibradas”. Eu li o que o Yuri escreveu e acompanho também o Olavo de Carvalho desde a primeira menção que o Yuri fez sobre ele. Talvez o Yuri nao tenha sido claro por ter deixado a impressao de que PT, PCC, MST e etc. ficam a telefonar o tempo inteiro uns para os outros e urdindo intrigas. Mas eu entendi o que ele quiz dizer. Conspiração nao é só isso. O fato real é que eles assinaram acordos no Foro de Sao Paulo que garantem que um nao irá atrapalhar ou perseguir o outro em suas açoes pois todos almejam o mesmo objetivo: a Uniao das Republicas Socialistas da America Latina, a URSAL, sonho do Fidel Castro e do Chávez. Por isso o Lula nao reclama quando o Evo Morales roubou as instalaçoes da Petrobras. Por isso ninguém fala nada quando o MST treina o PCC. Com o ataque do PCC quem saiu perdendo foi o PSDB que detém o governo do estado e a candidatura do Alckmin. Eles, do Foro, sabem que esse emaranhado de açoes apenas irah confundir a opiniao publica e por isso mesmo ajudar na revoluçao continental porque todos correm do seu jeito na mesma direçao. Nao é sendo “equilibrado”, “café-com-leite”, “morno” que iremos nos livrar dessa ameaça. Os revolucionarios nao sao assim. sao muito quentes, compraram todo o congresso com mesnaloes e nao duvido nada se deram autorizaçao pro que aconteceu em sp. Uma vez alguem aqui disse que eu era do Mossad nem sei mais por que. Sim, sou judeu com muito orgulho. Meu povo demorou aprender que o perigo sempre pode voltar, nao importa em que epoca avançada vivamos. Serah que e´ possivel transmitir essa percepção para vcs?
    Um abraço do
    Max

  5. daniel christino

    Toda vez que o Mister Hyde do Yuri fica rindo eu me assusto. Sempre acho que é desta vez que ele vai dar o passo decisivo em direção ao país dos espelhos. Calma cara, aquilo que você tomou não era a pílula vermelha, era um Halls de morango.

    Minha “percepção das coisas e minha inteligência” (já que o debate se dá nestes termos) apontam no sentido do texto. A opinião dos caras é equilibradíssima. Chato é ficar exigindo “ações”, como se intervir neste pandemônio fosse uma coisa simples. É o caos. Mas o melhor é quando o Paulo diz que estamos sendo redesenhados culturalmente. São os nanorobôs comunistas na minha cabeça, provavelmente.

    Ah, Paulo, pelo menos a polícia agiu certo: são 38 causas a menos. E tome barraco.

  6. Paulo Paiva

    Iiirrííííí!!! E dá-lhe barraco! (eu deveria estar trabalhando, mas… fazer o que?).

    O Daniel falou de nanorobôs, mas na verdade o termo correto é “meme”, que o Richard Dawnkins divulgou em seus livros. Um meme é um conceito ou idéia que se propaga de forma semelhante aos genes e acho que é o caso do Daniel (e de todos nós). Mas parece que ele acredita que somos independentes de nosso meio cultural. Acho que é por isso que eu sou um japonês de olhos amendoados que ri baixinho…

  7. daniel christino

    Talvez nem mesmo “meme”, Paulo. O Steven Pinker chega a afirmar que há predisposição genética (uma estrutura a priori) para coisas como a linguagem – e, consequentemente, a lógica e a matemática. Mas aí eu te pergunto: esta reprogramação cultural obedece a algum tipo de princípio ou lei? Está ligada ao fenômeno da consciência? E o inconsciente? Pode ser determinada, digamos, “ideologicamente” na direção de algum interesse? Espero que seu japonês de olhos amendoados nos ajude.

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