Aqui onde é a sala, era o meu quarto. As bonecas disputavam espaço com os ursos, e sempre ganhavam. Mas perdiam para mim quando eu queria dançar. Mamãe reclamava da música alta, mas não da bagunça, porque eu já era organizada. Diferente da Táti, que não sabia guardar nem o seu riso destrambelhado. Mas as outras meninas moravam longe, e eu brincava com a Táti mesmo. Eu era sempre a princesa, porque era mais bonita. Em troca, ela puxava meu cabelo, e eu chorava, chorava, chorava até a hora de a gente brincar de novo. O rancor não cabia no meu coração de seis anos.

Aos domingos mamãe me levava ao culto. Eu ainda não sabia cantar os salmos, mas adorava dar a “paz de Cristo”. Não gostava era dos meninos, que vinham me mostrar besouros e percevejos. Mas mamãe me protegia, e me dava pipoca doce pr’eu não chorar. Mais tarde meu corpo se arredondou, e os meninos continuaram a me incomodar, mas agora queriam me mostrar carros e músculos. Dei meu primeiro beijo, rasguei minha primeira foto, e fiquei muito triste, porque a vida não estava parecendo as estórias bonitas que minha mãe me contara. Mas minhas amigas também rasgavam algumas fotos, e isso me dava certo alívio. Juntas nós ríamos das lágrimas que chorávamos sozinhas.

Depois veio a faculdade, e nós nos separamos. Conheci as chopadas, beijei muitas bocas, e aprendi a não esperar um telefonema no dia seguinte. Mas também conheci a insônia e a gastrite. Do lado da foto do Tom Cruise, tive de colar um quadro de prazos. Quando dei por mim, já estava procurando estágio, sob os olhares vigilantes dos meus pais, que tacitamente me cobravam o dinheiro investido. Um dia encontrei uma boneca num canto do armário. Ela estava pálida e descabelada, tinha os lábios murchos, os olhos imóveis e esbugalhados, como se tivesse congelado no momento de pedir socorro. Eu quis chorar, mas as lágrimas não vieram. O que eu mais temia tinha acontecido: eu cresci.

Os dias ficaram mais curtos, o mundo ficou mais duro e desbotado. Às vezes eu tentava fugir para um desenho animado, mas algo dentro de mim teimava em me dizer que aquilo era apenas a televisão. A fantasia estava distante como os anjos, e a vida parecia a trama tediosa de um filme europeu.

Foi então que ele chegou. A princípio seu jeito despojado não me inspirava confiança. Mas o calor do seu abraço renovou certo mistério dentro de mim. Seu riso me deu uma esperança forte e serena, e encontrei nos seus olhos o brilho que o mundo tinha perdido. Quando ele me beijou, compreendi o que era o sublime. A vida finalmente ficou parecida com as estórias bonitas que mamãe contava, e pude aceitar meu destino definitivo de princesa.

Quando ele toca meus cabelos, quando ele me abriga nos seus braços, e sua voz ecoa suave nos meus ouvidos, eu encontro o êxtase de uma nova infância. Descobri que minha vida pode mesmo ser um conto de fadas, desde que nós dois tenhamos a coragem de escrever a cada dia um eterno final feliz.