Um dos efeitos colaterais de se dar aulas nas Universidades Federais são as conferências. Na Europa e nos EUA, conferências são oportunidades para o debate de idéias elaboradas pelos próprios conferencistas, o que proporciona momentos ímpares de disputa intelectual. No Brasil conferências são parecidas com aquelas convenções de fãs (do tipo Star Trek). “Lá vai o grupo que é fã do Weber”. “Olha lá o grupo fã do Marx, eles não constumam ter muito senso de humor”. Hegelianos para lá, heideggerianos para cá; e as tão esperadas e seminais discussões acabam se tornando debates maçantes sobre picuínhas hermenêuticas. Mas pode ficar pior.

Geralmente o pior se dá quando aparece alguém fazendo a crítica “de tudo o que está aí” e, como resposta à pasmaceira reinante, procura alçar à condição de pensamento algum delírio megalômano adquirido lá nos confins da infância. É pura magia: “até aqui, só comentário. Depois de mim, abracadabra, Pensamento”. Estes, geralmente, tem menos senso de humor do que os marxistas e, pior, substituem o tom ranzinza pelo apocalíptico, por um sentido de urgência que é só uma máscara para a mais medonha vaidade intelectual. Reconheçam sua genialidade e ele abandonará todas as suas idéias.

Há cada dia menos gente capaz de se anular em função do talento, incapaz de perceber que o reconhecimento é apenas uma das glórias da vida intelectual (e nem de longe a mais importante). O esquecido e essencial ethos do artesão humilde, disposto a glorificar Deus em cada mínimo ato, uma devoção ao fazer capaz de operar a transmutação fundamental do talento em dom, desapareceu. A difusão em larga escala deste espírito mesquinho e marketeiro da vaidade intelectual – por mais polêmico que possa parecer – eu coloco na conta do raciocínio mercadológico: venda a idéia e o produto vai junto. Encontre seu público e module-se em relação a ele. “Só que no mercado um produto sem qualidade não permanece”. Sei… diz isso para o Chiclete com Banana. Oferta e demanda, neném, aqui como em qualquer lugar.

Agora a questão: vamos jogar fora a criança, juntamente com a água da bacia? Por outras palavras, esta realidade assustadora implica uma falência do modelo acadêmico? Eu – acusem-me de coerência!!! – não acredito nisso. Por isso continuo participando de workshops e, quando me chamam, faço minhas pequenas conferências. Já fiz uma este ano (média boa, para quem está começando e mal saiu do estágio probatório) e agora farei outra, em conjunto com um monte de gente boa e apoio da Fundação Nacional de Ciência da Suíça. Mas não acho que minhas idéias sejam genais, nem que o meio acadêmico detenha a palavra final sobre o pensamento. Em alguns casos, mais numerosos do que gostaríamos, não estamos nem mesmo equipados para lidar com as questões mais urgentes. Em todo caso, sabendo dos problemas e limitações expostos acima, procuro fazer diferente. É o que posso fazer dentro dos meus limites.