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Babel e Crash: gêmeos siameses

Babel

Babel, o filme do mexicano Alejandro Iñarritu, vai ganhar o Oscar de melhor filme. Vai ganhar porque é irmão siamês de “Crash”, o filme de Paul Haggis, premiado com o Oscar de melhor filme no ano passado. A única diferença entre os dois é a de que as histórias entrelaçadas de pessoas relativamente comuns de diferentes origens étnicas e sociais, em Crash, têm apenas Los Angeles como locação, enquanto as tramas de Babel se desenrolam em quatro diferentes países: Estados Unidos, México, Marrocos e Japão. No mais, são filmes quase idênticos em conteúdo e que, mais importante para a premiação, fazem uma crítica à sociedade contemporânea e à cultura americana no limite do que Hollywood e a própria cultura americana já estão preparadas para suportar. Nenhum dos dois é um milímetro mais contundente do que aquilo que pode ser digerido.
Os pontos de vista de ambos podem ser qualificados como uma espécie de “niilismo com limites” ou “niilismo com uma ponta de esperança”.
Em síntese, a condição humana é de uma tristeza profunda. Estamos condenados a nos perder nos equívocos ou na quase impossibilidade de comunicação oriunda de nossas diferenças e preconceitos culturais. Como consequência, a interação entre diferentes acaba indelevelmente marcada por um auto-centramento gerador de brutalidade e violência. Mais ainda, qualquer encontro entre diferentes tende a ser visto com desconfiança e escárnio.
Não obstante, e isso é importante, em ambos os filmes, a trama não desanda para um niilismo total, perdido na audência absoluta de referências e valores, e para a idéia do ser humano como um projeto falido. A obra de arte mais niilista que já li é “Partículas Elementares”, do polêmico autor francês Michel Houllebecq: seu descaso e desrespeito para com seus personagens é total – degradados, amorais, tristes e violentos consigo mesmo e com os outros. Não é o caso de Iñarritu, nem de Higgis. Em seus filmes, guarda-se um respeito e grande dose de compaixão pelos personagens. Mas não parece haver saída. Só nos resta sentar a seu lado e chorarmos com eles por nossa condição.
Em Babel, há ainda a sugestão de que a perplexidade diante das diferenças pode levar a um encontro, mas os próprios momentos de perplexiodade tendem a se perder no caos da comunicação. Como quando Richard, o personagem de Brad Pitt, tenta oferecer dinheiro a Anwar, o guia de turismo que ajuda a socorrer sua mulher atingida por um tiro, e o marroquino recusa a oferta. Perplexo e intrigado, no último instante antes de partir no helicóptero, Richard flutua no vazio. Apenas ali, por um instante, através da resposta inesperada, ele se abre ao outro. Mas logo o helicóptero decola e já se perde a oportunidade.
No fim, tristes e destroçados, todos os personagens se encontram, em consolos insuficientes, mas sempre com seus iguais. Richard e Susan (Cate Blanchet), sua mulher, se reconciliam, Yasujiro, a garota japonesa, encontra o pai, Amelia (Adriana Barraza espetacular indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante) reencontra seu filho.
A fraqueza de ambos os filmes, entretanto, é não ir além desse niilismo com cercas. Os caminhos, me parece, seriam dois: um niilismo absoluto, resultando em filmes viscerais e ainda mais brutais, o que não me agrada, ou a tragicomédia, quando se consegue lançar um olhar ao mesmo tempo bem humorado e cheio de compaixão sobre nossas fraquezas e quase incomunicabilidade: Almodóvar, o grande mestre.
Em síntese, Babel é um filme muito bom, três estrelas e meia em cinco, mas limitado. Limitado para que o democrata americano culpado possa gostar dele. Uma barbada na noite de 25 de fevereiro no Teatro Kodak.

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1 Comment

  1. Bom, não sei se o Iñarritu vai ganhar o Oscar deste ano. Mas acho que o Crash foi influenciado pelo diretor mexicano e não o contrário. A primeira coisa que me veio à cabeça ao assistir o Crash foi que tinha muito a ver com o Amores Brutos de Iñarritu. Na verdade a temática dele é muito boa mas a cronologia e a dinâmica das histórias é sempre muito parecida. Não sei se vai ganhar, pode ser que sim. Vamos ver e aguardar!

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