blog do escritor yuri vieira e convidados...

Mês: outubro 2007 Page 1 of 2

Le mot juste

Talvez eu já tenha comentado isso neste blog: durante muitos anos tive ansiedades mil com o tal “mot juste” – a palavra exata – e a conseqüente paranóia de estar sendo demasiado prolixo. Tudo aumentava quando, ao revisar um texto, eu me apercebia de que, em vez de cortar, eu acabava era acrescentando mais palavras e frases, o que apenas intensificava minha culpa estética e a sensação de estar fazendo tudo errado. No entanto, nesses últimos dois anos, enquanto reviso e reinicio loucamente um livro do qual nada ouso comentar, me dei conta do seguinte: ainda na adolescência introjetei tão fortemente esse princípio do Flaubert que, em algum momento que não sei precisar qual foi, passei a escrever apenas esqueletos sem carne. Ou seja, o tal princípio do “mot juste” passou a atuar a priori: meu texto já nasce cortado. Logo, ao iniciar uma revisão, sempre noto que mais falta ajuntar que retirar palavras. Muitas vezes fico chocado com a excessiva concisão que, se mantida, certamente deixaria o leitor perdido. E, por isso, aos poucos vou adicionando a carne, os nervos e a pele. Hoje, sinto-me mais tranqüilo ao ter essa consciência. E todo o problema agora se resume a não deixar o texto gordo demais, a não lhe dar muito de mamar, porque magro ele já nasceu.

Sou um escritor brasileiro com filhos desnutridos. Por enquanto, a maioria tem morrido durante o parto, o que me dá muita pena. Um dia, terei uma família.

Um Deus sem nome

Em frente à universidade havia uma pracinha com playground, e Cátia me perguntou se podia levar o Flavinho. Enquanto eu estivesse no debate, ela brincaria com ele na pracinha, depois poderíamos passar no shopping e comer uma pitsa. Imediatamente concluí duas coisas: ela não queria cozinhar naquela noite, e não queria assistir ao debate. A primeira não me incomodava muito, porque uma pitsa seria de fato melhor que a comida requentada de Cátia. Mas a segunda, confesso que me perturbava um pouco. Era um dos debates mais importantes da minha vida, e ela simplesmente não queria estar presente. Se quisesse, poderia deixar Flavinho com uma amiga, ou até com mamãe, que não gosta de perder a novela, porém não chega ao ponto de nos negar um favor desses. Mas ela não estava nem aí. Tenho certeza que ela achava que passar a tarde num playground, com uma criança de seis anos, era mais importante que assistir à minha exposição sobre qual era a religião verdadeira, a única que poderia nos abrir as portas do céu e salvar nossas almas do inferno. Já havia algum tempo que eu estava percebendo que Cátia não ligava para teologia. Para ela, muito mais importante que discutir a natureza das religiões era ter tempo para ficar com Flavinho e dinheiro para comer fora. Isso me decepcionava brutalmente, porque para mim não podia haver coisa mais importante que descobrir qual religião levaria realmente à salvação da alma, e não a uma aparência de salvação que terminasse por nos deixar na mão de satanás. Mas Cátia parecia pensar que a teologia e a filosofia eram simplesmente uma diversão requintada para homens que não sabiam dançar. Essa conclusão ia me decepcionando à medida em que ficava mais nítida; e eu ia procurando mais e mais debates e conferências nos quais as pessoas pelo menos parecessem valorizar meu trabalho.

Mas não havia por que contrariá-la, e concordei com a história de pracinha e pitsa. Segui cabisbaixo para o auditório, na esperança de que pelo menos ali eu encontrasse alguém mais interessado no que eu tinha a dizer. Às vezes eu lamentava o fato de Jesus não ter se casado, e não ter nos legado instrução nenhuma sobre como lidar com as mulheres. Nessas horas me ocorria uma enorme vontade de dar uma olhada no Corão e ver o que Maomé dizia sobre elas — afinal, ele tivera quatro. Mas eu imediatamente afastava essa curiosidade, interpretando-a como tentação infernal.

Grafite — 9

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Chávez e a opinião pública internacional

Veja como o documentário The Revolution will not be televised distorce os fatos para passar uma imagem equivocada do que realmente está ocorrendo na Venezuela.

7º bate-papo com Olavo de Carvalho – B

Depois de um atraso de quase um ano – que pode se justificar graças a muita enrolação, indisciplina e ao meu trabalho de direção de um curta-metragem de ficção e de dois documentários – finalmente consegui me organizar e publicar o lado B do meu mais recente bate-papo com o filósofo Olavo de Carvalho (Nov/2006), cujo arquivo eu já nem me lembrava onde estava. Teve neguinho que só faltou me jogar pedra por conta dessa demora, mas… enfim: saiu. Ainda preciso anexá-lo a um “vídeo” e colocá-lo no You Tube com os demais, que é onde a demanda é maior. Mas já dá para baixá-lo do Archive.org e ouvi-lo logo abaixo.

Temas abordados: o homem perante o Infinito (e o bobão do “entrevistador” como exemplo da “baixa inteligência do homem moderno”); a divinização do espaço, Fritjof Capra; só Alborghetti poderia comentar as “críticas” da imprensa ao livro The God Delusion, de Richard Dawkins; Bruno Tolentino e o Kung Fu, o gnosticismo adolescente e as contradições do filme Matrix; verossimilhança na ficção (a lista de super-heróis do filho do Olavo, O Exterminador do futuro, o filme Coração Satânico e seu diabo de meia tijela); o desconhecimento sobre temas e conceitos religiosos; a humanidade é mais trouxa do que julga o esforço vão da Matrix de falsificar até mesmo bananas (na verdade, bastam uma ou duas mentiras); Santo Agostinho e o poder do diabo; o diabo não é capaz de fazer a banana; o gnosticismo é uma prova permanente da estupidez humana; todos nós passamos por momentos gnósticos; o movimento revolucionário mundial; o PC do B e a apologia do genocídio; Coronel Ustra; a existência do PC do B equivale à existência de um Partido Nazista; a UNE, Cuba, o crime e a esquerda no Brasil; mais de 50.000 homicídios ao ano; o pobre não é culpado pela violência; o programa True Outspeak no BlogTalkRadio; o verbete da Desciclopédia sobre o Olavo; o governador petista punheteiro; Hilda Hilst também mandava tomar naquele lugar; a sinceridade é um tesão; o Brasil escolheu a tragédia.

Bate-papo com Olavo
[audio:http://www.archive.org/download/Bate_papo_com_Olavo_de_Carvalho/olavo7ladoB_64kb.mp3]

Mirante

Eles chamam esse lugar de mirante, mas eu confesso que nunca vi nada daqui. A cidade e as estrelas estão sempre encobertas por nuvens, ou distantes demais pr’eu distinguir uma coisa da outra. Eu só vejo os carros parados ao meu lado e seus faróis cortando a neblina. Lígia me disse que já viu até estrela cadente, mas isso bem que pode ser coisa da cabeça dela. Mulher sempre tem uma necessidade de fantasiar, de enxergar alguma coisa mística e melosa onde existe apenas a mecânica previsível da vida na sua repetição morosa e cansativa. Ela, por exemplo, não tem mulher mais previsível. Eu sabia que ela só ia me dar depois que eu falasse em casamento, eu sabia que os boquetes e punhetas seriam só no início, para garantir o compromisso. Depois que ela se sentisse segura, a coisa ia virar um feijão-com-arroz tão maçante que eu só não terminaria porque o comodismo quase sempre acaba falando mais alto que a paixão. O comodismo é lento, mecânico, repetitivo, ele não liga de ficar dez anos fazendo a mesma coisa. Ele nos ganha pela paciência. Quando eu reclamo da Lígia, acho que no fundo estou reclamando é dessa mesmice em que ela acabou me trancando. Casa, faculdade, festa, casa da sogra, casa, faculdade. Todo mundo sempre falando as mesmas frases, rindo das mesmas piadas, reclamando das mesmas coisinhas que eles podiam mudar a qualquer momento, e não mudam porque não querem. Eu sinto que tudo isso veio dela. Se não fosse a sua enorme necessidade de fazer tudo sempre igual, sua ambição convicta por casamento, cachorro e casa de praia, talvez eu estivesse em outro mundo, mais brilhante e gostoso, mais excitante, mais ameaçador, talvez; mas um lugar onde eu certamente me sentiria mais vivo. Quando eu quero transar no estacionamento do shopping, quando eu quero gozar na boca ou nos peitos, quando eu insisto para ela me masturbar no banheiro de uma festa qualquer, acho que no fundo eu quero apenas protestar contra essa mesmice. Quero que ela entenda que não suporto essa rotina. Não quero passar a vida trabalhando para esperar as férias e comendo minha mulher para matar o desejo que eu sinto por outra.

Acho que era nisso que eu pensava naquela noite, quando vi o casal no carro ao lado. Eu buscava alguma coisa que nos libertasse, a mim e à Lígia, dessa vidinha rasa, desse feijão com arroz que além de tudo é sem tempero. Eu reparei que ela também estava olhando para eles e isso me excitou de uma forma inesperada e estranha. Eu fiquei me perguntando se Lígia teria vontade de transar com outro cara, de saber como é o sexo com outro corpo, outro cheiro, outro pau. Por um lado isso me excitava, porque, se fosse verdade, ela pelo menos não seria a garota tão certinha e maçante que eu pensava ser. Haveria na alma dela algum gosto pela transgressão, pelo diferente, pelo novo. Por mais estranho que isso possa parecer, acho que eu ia gostar mais dela se descobrisse isso. Mas por outro lado, não deixo de confessar que senti certo medo. E se ela gostasse de trair? E se começasse a fazer isso com freqüência, relegando nosso namoro a segundo ou terceiro plano? Isso me daria liberdade para trair também, mas eu gostava de transar com Lígia, gostava da sua pele lisa, do seu cheiro forte e acanelado de morena. Não queria perdê-la. Fiquei olhando de soslaio para ela, e vi que ela não tirava o olho do casal. Meu medo e minha excitação aumentavam. O cara já estava tirando a roupa da garota, notei que ela também olhava para mim, não dava para saber se era de vergonha, ou se queria mesmo que eu os visse — talvez isso a excitasse. Tirei também a roupa de Lígia. Ela, sem-graça como sempre, ficou reclamando que alguém poderia ver. Procurei fazer algum barulho para que o casal nos visse. Eles a princípio pareceram não notar, depois a garota falou alguma coisa no ouvido do cara, e ele olhou para o nosso lado. Quando viu Lígia semi-nua, seus olhos brilharam. Lígia é alta, bonita, tem os cabelos longos e lisos que essas meninas pagam muito para ter. Seu rosto afinado e seus olhos pequenos contrastam com uma boca carnuda e bem desenhada. Como se não bastasse, é naturalmente magra, não precisa comprar revistas sobre dieta e malhação. Enfim, uma mulher que meu dinheiro podia pagar (não é hora de falar da importadora de papai, mas sei o quanto isso me ajuda com as mulheres). Senti que o sujeito ficou fascinado ao olhar para ela, seus peitos redondos e brancos refletindo a luz alaranjada de vapor de sódio. Senti também a pontada de ciúme. Olhei para a namorada dele, e ela me encarou com um olhar agressivo, desafiador. O cara, por sua vez, fez um sinal com os punhos fechados, como se dissesse “Fode logo, rapaz. Fode essa menina que eu quero ver”. Olhei para Lígia, ela tinha cruzado as mãos sobre os peitos, estava assustada, mas pressenti certa excitação no jeito fixo com que ela olhava o rapaz. Ele também a olhava, e a namorada dele me encarava com aquele olhar desafiador. De repente percebi o que eu tinha que fazer. Eu sabia que Lígia ia me criticar até o fim, mesmo que ela gostasse, nunca iria admitir. Mas eu estava decidido, não dava para voltar atrás. Além disso no fundo eu sentia que Lígia e eu tínhamos de passar por aquilo de qualquer jeito. Se não fosse daquela vez seria outra. Então que viesse logo, que enfrentássemos o desconhecido que não encontramos na casa da sogra e nas festas de natal.

Hitler e o Xbox

E pensar que esta era a seqüência mais patética do filme…

LMAO!!!

Acho que dá para fazer uma sacanagem dessas com aquele vídeo do Fidel brigando com o jornalista cubano

Iceman

Na internet ninguém tem filhos, nem estrias, nem cicatriz de cesariana. Eu também era apenas um nome bonitinho — Iceman —, algo que sugeria vagamente meu desprezo pelo mundo, mas não delatava minha barriguinha, minhas pernas magras e os comprimidos contra calvície. Quando nos encontramos é claro que isso veio à tona, e ela pensou em acabar tudo, pegando meu telefone e prometendo ligar qualquer dia. Mas eu era advogado, tinha um Audi e pagaria sem dificuldade uma pousada em Cabo Frio ou Búzios. Ela costumava sair com jovens bonitos, que esbanjavam cabelo e bíceps, mas eles viviam de pequenas pontas em novelas e eventos, tinham no máximo um Pálio, e não persistiam quando descobriam o garoto. Por isso ela teve uma pequena vertigem quando insisti em pagar a conta. Estava ao mesmo tempo revendo seus conceitos de homem ideal e se perguntando qual seria a melhor hora para falar em Daniel — se antes ou depois da primeira foda. Decidiu que depois era melhor, assim já teria me mostrado aquelas habilidades especiais que ela não aprendera na escola — nem com os pais — e justamente por isso considerava seu poder mais autêntico e confiável. Foi aliás lembrando desse poder que ela encontrou segurança para já falar em como gostava de Cabo Frio e seu mar calmo e esverdeado. Eu, que nunca dei a mínima para praia, afirmei terminantemente que amava Cabo Frio e seu mar calmo e esverdeado. Eu amaria o mar, a areia e até as palmeiras de qualquer lugar se a mulher que me acompanhasse tivesse a delicadeza de me dar, em troca da viagem, o merecido deleite sexual. Ela era jovem e muito bonita — a cicatriz de cesariana era insuspeitável naquele momento — e me parecia que a troca valeira a pena.

De fato valeu. Uma pequena cicatriz não faz diferença nesses momentos, a não ser pela interrogação que suscita. Ela me falou de Daniel, da pertinácia da sua bronquite e do seu desprezo inabalável a tudo que não estivesse diretamente ligado a jogos de computador. Falou das intermináveis horas-extras que ela fez para pagar o cursinho de inglês, enquanto ele matava aula para freqüentar uma lanhouse. Para arrematar, acrescentou que o estado precisava buscar mecanismos mais eficientes de controlar os jovens, antes que eles se tornassem marginais, drogados e pais solteiros. Como toda brasileira, ela achava que qualquer problema devia ser de alguma forma resolvido pelo estado, cabendo aos cidadãos apenas o dever imprescindível de ir à praia e ver televisão.

Não foi difícil perceber que aquele menino era a chave para dominá-la. Se eu me aproximasse do garoto, se o fizesse repetir algumas frases em inglês, se conseguisse convencê-lo da utilidade de ter um maldito diploma, ela se apegaria tanto a mim, desejaria tanto a minha permanência na sua vida, que talvez chegasse até mesmo a sentir algum prazer quando estivesse me chupando. Foi por isso que decidi comprar o playstation no natal; foi por isso que mencionei o fato de os fabricantes de games serem formados numa faculdade chamada “ciência da computação”; e foi ainda por isso que paguei a conta do oculista e os óculos ridículos que davam o contorno definitivo daquela cara de néscio.

E foi assim que eu vivi o delicioso prazer de ter razão. Valéria me amou intensamente, suportou bravamente meus gritos e momentos de cólera, me chupou algumas vezes na sala, quando o rapaz estava trancado no quarto, cantando alguma gordinha pelo msn. Pensei várias vezes em abandoná-la, mas descobri que de vez em quando eu também gostava da sua companhia. Ela era a única namorada de quem eu não precisava esconder as garrafas de Red Label. Ela foi a única que ficou comigo depois que os médicos me explicaram o que era pancreatite aguda.

O menino é que nunca me engoliu. Depois que se formou, arrumou um emprego numa multinacional, e disse que não queria mais nos ver. Explicou que gostava muito da mãe, só que não suportava sua condescendência com meu autoritatismo. Mas de vez em quando ele escreve pedindo algum dinheiro e Valéria se lembra de como ser carinhosa e usar uma lingerie. Acho que somos uma família.

Grafite — 8

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Amigos suicidas

Com este – cujo nome não vem ao caso – já são quatro os amigos que cometeram suicídio nesses últimos dezesseis anos. (Há outros três que tentaram e não obtiveram sucesso.) Dentre os quatro, três tinham excelente senso de humor, o que certamente significa que saber rir de si mesmo e do mundo não é a conquista máxima da existência humana. Ainda bem que descobri isto logo após escrever minha própria carta de despedida em 1996. Deu chabu. Graças a Deus.

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