blog do escritor yuri vieira e convidados...

Autor: ronaldo brito roque Page 4 of 6

Fedor e Fluoxetina

A fluoxetina começou a fazer efeito. A raiva passou, a ejaculação deixou de ser precoce. E ele quis um poema assim, fácil como a fluoxetina; fácil como mentir para os pais. Algo que ele pudesse ler em voz alta, num almoço de domingo. Ligou o computador, escreveu sobre as flores, o riso das crianças, as curvas deliciosas das mulheres. Mas o diabo lhe apareceu e disse: “Não te precipites, rapaz. Ainda não é a tua vez.” E, súbito, ele lembrou que sua mãe fedia. Bastou pensar na mulher para o poema nascer, fácil como uma ansiolítico, mas agora fétido como uma mãe mesquinha. Obviamente não mostrou os versos aos pais. Mostrou aos amigos, e todos se perguntaram: “Meu Deus, será que ela fede mesmo?” Era verdade, a mulher fedia, e nem toda a fluoxetina do mundo podia esconder aquele fedor.

Valeu, gente!

Já trabalhei em zona eleitoral, quando eu morava em Belo Horizonte. Trabalhava com prazer, primeiro porque ser útil dá prazer, e depois porque eu estava ajudando a viabilizar uma idéia que me agrada muito: a democracia. Já que um país precisa de governantes, é bom que possamos ter alguma influência sobre eles. E a democracia não depende apenas de jornalistas que escrevem artigos falando bem dela. Não depende apenas de professores que nos explicam como ela foi criada, e, por último, não depende apenas dos franceses que a conceberam e a colocaram no papel. Nenhuma idéia subsiste sem que trabalhemos por ela. As idéias nascem no cérebro (ou no coração) mas só se tornam coisas por meio de mãos humanas. Por isso a democracia depende radicalmente daqueles que hoje não estão tomando sorvete, não estão no zoológico com os filhos, não estão fazendo um trabalho da faculdade, não estão almoçando na casa da sogra — estão nas zonas eleitorais, prestando informações, anotando números em cadernos, pedindo nossas assinaturas. É divertido pensar que se todos eles resolvessem faltar ao trabalho hoje, simplesmente não haveria eleição.

Por isso, quando fui votar, fiz um pequeno happening. Apertei a mão do sujeito que me atendeu, e disse: “Obrigado por trabalhar pela democracia”. Ele riu meio sem graça. Talvez ele ainda não tivesse se dado conta de que a democracia precisa do trabalho dele. Talvez ele trabalhe apenas porque não pode mudar uma lei. Mas hoje ele vai pensar sobre isso, e talvez na próxima eleição ele trabalhe com mais prazer, sabendo que ajuda a viabilizar uma idéia fundamental para todos nós. É graças a pessoas como ele que podemos escolher nossos governantes, mesmo que seja para depois nos arrependermos. Por isso, vou pedir licença ao Yuri para fazer no saite dele uma coisa meio ridícula, como se isso aqui fosse o Domingão do Faustão:

Quero agradecer às pessoas que trabalham em zonas eleitorais. Gosto muito do meu direito de escolher meus governantes e legisladores, e, sem elas, isso não seria possível.

Valeu, gente!

E não fiquem reclamando. O almoço da sogra não vai fazer tanta falta assim.

Esboços por Frank Gehry

Do Festival de Cinema do Rio:

Esboços por Frank Gehry — Documentário

Titulo Original: Sketches of Frank Gehry

Tenho certeza de que mais da metade da platéia era de arquitetos. Eu mesmo só ouvi falar de Frank Gehry porque fiz alguns anos da faculdade de arquitetura, antes de passar para letras. Mas o documentário também é interessante para não arquitetos, porque aborda um problema tocante a todos que trabalham ou desejam trabalhar com arte: como sobreviver fazendo uma obra que não corresponde aos anseios do mercado? É claro que Gehry não dá a receita, mas sua vida serve de exemplo. Ele era um arquiteto careta, fazia simplesmente o que o mercado pedia, até que resolveu seguir sua intuição e ser ele mesmo. Daí para frente todo mundo começou a pagar para que ele fosse exatamente ele mesmo; e veio a conseqüência fatal: ele se tornou o arquiteto milionário e famoso que é hoje.

Mas o que eu achei mais interessante é um detalhe que talvez nem tenha interessado aos muitos arquitetos da platéia. Gehry só se tornou Gehry depois que se divorciou. Parece que o freio para a sua ousadia não vinha propriamente das exigências do mercado, mas da caretice da sua mulher. Depois de uma consulta com um analista — que mais tarde se tornaria famoso exatamente por causa disso — Gehry largou a mulher e três filhos, e foi fazer a arquitetura que realmente queria fazer. O mundo ganhou prédios lindos, e Gehry, além de ganhar o privilégio de ser exatamente quem ele queria ser, mais tarde veio a ganhar também um novo amor — esse certamente muito mais verdadeiro que o anterior.

Lutar contra o islamismo é coisa de mulher

Lutar contra o islamismo é coisa de mulher. Eu sou homem. Se eu vivesse num estado islâmico, teria muitas vantagens. Em primeiro lugar, poderia ter quatro mulheres. Talvez eu não quisesse quatro, isso é muita areia para o meu caminhãozinho, mas certamente eu ia querer uma jovem segunda esposa quando minha mulher chegasse aos quarenta. Outra coisa boa é que eu não ia ter de ficar me explicando o tempo todo na minha própria casa. Minha palavra seria lei. Quando eu dissesse que ir à Disney não é bom para as crianças, não precisaria explicar as razões. Minha mulher teria de aceitar e pronto. Quando eu dissesse que minha filha não pode ficar na danceteria até as duas da manhã, também não haveria debate. Filha, esteja em casa às dez! Sim, papai. Isso é o sonho de todo pai de família, e nós o realizaremos graças ao islamismo.

Outra coisa boa dessa religião é não haver mulher na faculdade. Seria uma maravilha. Eu não ouviria professoras idiotas falando bem de Lênin e Che Guevara. Eu não ouviria professoras idiotas dizendo que não existe certo e errado, não existe melhor nem pior, tudo é a mesma coisa, toda moral se equivale. Se toda moral se equivale, então eu apóio os muçulmanos e você vai para casa cozinhar para seu marido. É a lição que elas merecem. Defenderam o relativismo por tanto tempo, agora vão defender a moral cristã em nome de quê? Se todas as morais se equivalem, me dá minhas quatro esposas e vai para o fogão! É disso que elas precisam.

A polêmica vida sexual de Dona Renata


A dura verdade

Já que é para falar de sexo, então vou falar a verdade. Chega de ser boazinha, chega de compactuar com as convenções. Hoje todas falam de sexo, mas quantas não estão falando essas coisas apenas para agradar ao marido, ao patrão ou às amigas? Sim, porque existem revistas que nos dizem como devemos pensar, existem personagens de novela que devemos imitar. Existe todo esse discurso politicamente correto que diz que a gente deve ser gay ou puta para gozar sem culpa. Mas sexo não é nada disso. Se meia dúzia de mulheres resolvessem dizer a verdade, acho que todo esse discurso cairia por terra. Eu já estou velha, não tenho mais marido e filhos para agradar. Meus filhos me visitam no máximo uma vez por mês. Se este texto for realmente publicado é provável que eles nem tomem conhecimento. Também não tenho muitas amigas, e nem quero ter. Não me interesso por baralho, crochê e televisão. Enfim, cheguei a esse raro momento em que não preciso me preocupar com o que pensam de mim, por isso mesmo posso contar tudo. Vocês conhecem as mulheres, sabem que nunca dizemos a verdade, mas apenas aquilo que é mais conveniente para o momento. No entanto, à beira da morte, até uma mulher pode ser sincera.

Meu primeiro orgasmo

Vou começar por meu primeiro orgasmo.

Meu relacionamento com Fabinho não era muito excitante. Eu já tinha tido outros namorados, já tinha transado com eles, mas também não tinha gozado. A primeira vez doeu. Eu achei que não ia doer, estava muito molhada, mas doeu. Depois de um tempo comecei a pensar que orgasmo não existia, e que todo o prazer da mulher consistia em beijar e se esfregar no namorado. Disso eu gostava, mas não por muito tempo, porque enjoava.

O Fabinho era do interior, e seus pais mantinham um apartamento para ele aqui no Rio. Era lá que passávamos as tardes de sábado e domingo. Meus pais pensavam que estávamos no cinema ou coisa assim. Eles sabiam que nós transávamos, mas eu fazia questão de manter as aparências. Você sabe, eu sou mulher, por que eu diria a verdade se não fosse ganhar nada com isso?

A verdade constrangedora sobre Paulo e Sabina

A verdadeira história de Paulo e Sabina é bastante constrangedora. Paulo buscava mulheres mais bonitas e inteligentes que Sabina. Mas elas buscavam homens mais bonitos e ricos que Paulo. Então ele foi ficando com Sabina, que não era assim tão bonita, mas pelo menos beijava bem. Também não era muito inteligente, não gostava de ler, preferia ficar no msn conversando com as amigas. Às vezes esse gosto pela futilidade incomodava Paulo. Ele queria uma mulher culta, que pudesse conversar sobre Dostoievski, Aldous Huxley, sobre as teorias filosóficas que ele tanto apreciava. Sabina não gostava nem de filme de arte. Achava chato, muito parado, e ninguém pedia ninguém em casamento. Filme, para ser bom, tinha que ter pelo menos um pedido de casamento. Paulo tentou, pela internet, conhecer outra mulher. Tinha que haver pelo menos uma que gostasse de ler. E, de fato, havia muitas. Elas liam Clarice Lispector, eram introspectivas, tinham sensibilidade para descrever em detalhes o temperamento de uma pessoa. Paulo ficava encantado, mas quando via as fotos, percebia que não poderia namorar uma garota daquelas — porque eram feias. Acabou se acostumando aos papos chatos de Sabina. Como não tinha nenhuma cultura, ela só sabia conversar sobre o que os amigos e os parentes tinham feito durante a semana. Não falava sobre personagens interessantes de livros. Quando descrevia um filme, dizia apenas que era “muito legal” ou “muito ruim”, era incapaz de se lembrar de detalhes da trama. Se Paulo reclamava, ela respondia “Ai, eu sou burrinha, né? Ha, ha, ha…” Um dia Paulo explodiu, e acabou contando a verdade.

A felicidade da mulher moderna

A felicidade da mulher moderna não depende do homem, mas da empregada.

Você vai ficar deprimido

Você vai ficar deprimido, mas veja o documentário “Vocação do Poder”, de Eduardo Escorel.

A gente aprende na escola que a democracia foi uma conquista. O povo passou a escolher seus governantes e legisladores, e com isso as leis ficaram mais justas, mais favoráveis à igualdade. Há maior controle da população sobre os detentores do poder. O sistema de mandatos faz com que a câmara se renove ou se conserve, segundo o desempenho e a aprovação social dos políticos. Tudo muito lindo na teoria. Mas e na prática, como a coisa funciona? É isso que o filme procura mostrar. A equipe acompanhou seis candidatos a vereador na cidade do Rio. O diretor foi muito feliz na montagem, alternando momentos do dia da eleição, quando a adrenalina dos candidatos era máxima, com cenas das campanhas que vinham ocorrendo meses antes. Aos poucos você vai percebendo — quando não percebe logo de cara — que a maioria, mesmo que quisesse, nada poderia fazer pela população que a elegeu, a não ser pequenos favores como doar cadeiras de rodas e caixões. Os candidatos parecem nem saber a diferença entre executivo e legislativo. Acreditam que o vereador possa exercer funções como controle da polícia ou do sistema de saúde. É até difícil de acreditar, mas nenhum dos candidatos revela sequer uma proposta, nem nas reuniões internas dos partidos. Tudo que sabem fazer é recorrer a termos vagos, como “justiça social”, “debate”, “democracia”, que eles mesmos não saberiam definir. Alias, estou fazendo uma injustiça. Um dos candidatos tem uma proposta concreta. A construção de uma grande danceteria com palco para shows e desfiles. E é justamente o candidato do setor mais pobre da população. É claro que ele não fala em saúde e educação, todo mundo sabe que pobre precisa é de sexo e música ruim. Os candidatos de nível social melhor, que poderiam apresentar propostas mais concretas, sabem apenas abordar as pessoas na rua e dizer “Posso contar com você?”, ou coisa pior. E é isso que é mais deprimente: Justamente os mais instruídos, que têm um curso de Direito ou coisa aparecida, que poderiam expor propostas sérias e viáveis, ficam só naquele papo de “a gente precisa de alguém do Leblon lá em cima”. O filme só não deprime mais porque é bem feito. Pelo menos nossos documentaristas são bons.

Solidão molhada

Se ela entrasse agora, se ela rompesse o silêncio deste quarto e seu riso enchesse a casa com a graça de mil borboletas desgovernadas, não haveria choro esta tarde. O carinho morno, espesso, quase explosivo, que brota do meu peito, encontraria um pouso feliz no frescor dos seus ombros nus. Mas ela mora longe, ela tem de chegar cedo, ela não vai entrar por esta porta e espalhar o brilho das suas mil borboletas. E o meu carinho, já pálido e desamparado, vai escorrer vagaroso, com o suor, e deixar no lençol molhado apenas a marca efêmera de mais uma solidão.

Ele nunca disse a ninguém

Ele ficou chocado quando fez a descoberta. Estava na cama, o corpo nu recebia uma brisa suave de maio. Ela tinha ido ao banheiro, não gostava de ficar com sêmen entre as pernas. Quando voltou, deitou com a cabeça sobre o peito dele, disse as palavras carinhosas que costumava dizer nessa ocasião. Falou sobre casamento, sobre a felicidade de ter encontrado a pessoa certa. Ele se perguntava se devia lhe contar a novidade — a coisa acabava de se revelar, clara e serena como um reflexo de lua. Mas sua namorada era muito bonita, ele temia perdê-la. E o pior é que ela se culparia por tudo. Buscaria o motivo nalgum lugar do seu corpo, na barriga, nas mínimas estrias, na cor do cabelo — talvez no estranho cheiro de rosas queimadas, que ela exalava principalmente depois do sexo. Ela era mulher, não podia evitar o prazer misterioso da culpa. E por isso mesmo ele resolveu se calar. Não queria correr o risco de torná-la infeliz como uma divorciada. Se nunca mais pensasse no assunto, talvez a revelação passasse despercebida. Talvez desistisse de se mostrar, e bateria em outra porta, como essas pessoas que vêm pedir para campanhas de caridade. E, de fato, protegido pela rotina, Paulo conseguiu esquecer o assunto. Sua namorada não percebeu, e ele nunca disse a ela, nem a ninguém, que não gostava de sexo.

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