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O Sexo Anal e a Alma Feminina

Sexo Anal

Dá preguiça demais ler na tela do computador, especialmente ficção e jornal, que são leituras que induzem e pressupõem certos estados de espírito. Jornal, em dia de semana, eu leio aos pedaços, entre um comando e outro no computador da ilha de edição, entre uma tarefa e outra. Em fim de semana, leio esparramado no sofá, escutando música e tomando café ou abrindo os trabalhos com a primeira cerveja do sábado. Livro é livro. Tem que ser de papel e pronto, pesar nas mãos, dar culpa de sublinhar, etc e tal.

Isto posto, digo que abro poucas exceções para textos de ficção na tela do computador. Mas devo confessar que, nas poucas vezes em que o fiz, não me arrependi. E, por coincidência, tratam-se de três romances que guardam incríveis e louváveis semelhanças entre si.

A primeira exceção, já há alguns anos, foi para o “Mulher de um Homem Só”, do Alex Castro, que àquela época ainda se chamava Alexandre Cruz Almeida. Como ele anda tramando sua publicação em papel, tirou o livro temporariamente do ar. É romance curto que não se consegue largar depois de poucas páginas centrado em torno da pergunta de se é possível uma verdadeira amizade entre homem e mulher. Uma genial incursão pela mente de uma mulher decidida a manter seu macho. Delicioso e muito engraçado.

A segunda exceção, bem mais recente, foi para o “Romance Barato”, de ninguém menos que nosso camarada de blog, Ronaldo Brito Roque. Outra genial incursão pelas mentes femininas, pelas emoções, ingenuidade e frieza de garotas que optam pela “vida fácil”. Também me prejudicou os afazeres, pois, uma vez iniciado, não pude mais largá-lo. Literatura do país de Nelson Rodrigues. O rapaz tem sensibilidade e verve. Está tentando publicá-lo e, espera-se, em breve, todos terão o privilégio de se divertir e emocionar com sua literatura.

A terceira exceção, recém concluída, foi para o “Sexo Anal – Uma Novela Marrom” do Luiz Biajoni. Puta que o pariu! Que livro! Como já foi dito, quase um filme. Uma novela visual. Que inveja desse cara. Vá escrever assim no inferno. O Biajoni tem uma capacidade absolutamente anormal para, em escassíssimas linhas meramente descritivas, derramar imagens muito poderosas. O cara não elabora, não psicologiza. Explicita as emoções dos personagens com muita parcimônia, pois não precisa. Está tudo ali nas entrelinhas naquela magia que pouco escribas dominam com tanta habilidade.

“Sexo Anal” é sexo anal, sexo oral, hetero e homossexual, fios-terra, hemorróidas, vibradores, repórteres policiais que gostam de travestis, justiça com as próprias mãos, maçons porcos rindo com escárnio, policiais corruptos, imprensa marrom, cocô e sangue. Contínuos de escritório, punhetas, podolatria. Porra, cerveja choca e fumaça de cigarro. E tudo isso com uma leveza incrível. Humor fino e pura ironia. Qualquer acidez fica por conta do leitor.

Como disse Idelber na orelha do ebook (e ebook tem orelha??), Sexo Anal é “pós ou transpornográfico”, pois “ao escancarar já no título paradoxalmente esvazia qualquer bobinha pretensão de excitação e voyeurismo punheteiro com o texto.” É fato. Você vai até ficar de pau duro ou molhada, mas não dá pra largar o livro e ir pro banheiro. Logo você estará rindo desmesuradamente para, em seguida, se incomodar com a crueza de cagadas e sangue na privada, estupros e assassinatos, e pouco depois puto com coroas gosmentos e qualquer sombra de excitação já terá passado.

A sinopse, nas palavras do próprio autor:

Em “Sexo Anal – Uma novela marrom” uma jornalista descobre as delícias do sexo anal ao mesmo tempo em que é escalada para cobrir – junto a um jornalista policial experiente – um crime bárbaro de estupro e morte. Em paralelo, seu namoro vai mal por conta do assédio de um médico bem-sucedido. Seu namorado conhece uma garota virgem de 23 anos que sofreu um abuso sexual na pré-adolescência e se interessa por ela. Uma homossexual, amiga de faculdade da jornalista – e apaixonada por ela -, faz de tudo para afastar os dois.

Não perca tempo! Antes que ele se envaideça com a enxurrada de elogios e declarações de amor e resolva cobrar, vá lá e baixe seu exemplar.

Finalmente, não posso deixar de enfatizar a semelhança de estilo, temática e de atmosfera entre os três romances citados. Sobretudo me parece curiosa a similaridade na enorme sensibilidade destes três autores homens para sondar a alma feminina. São três obras que têm mulheres como personagens centrais. E tenho certeza que as meninas teriam que ser muito hipócritas, invejosas ou se sentirem amedrontadas demais para negar que os três descrevem com argúcia e sutileza o que se passa no coração e na cabeça delas. Muito bacana.

Sem despedida

A vida é amarga, mas não é amarga como um bom café. Ela é chata, pequena, mesquinha. Depois dos dezesseis anos todo sonho já vem com o carimbo de Sonho Impossível. Mas eu sou teimosa: eu sonhei assim mesmo. Eu quis enxergar um charme especial naquele cabelo grisalho, e não apenas o sinal de que ele mentia a idade. Eu quis acreditar na ex-mulher de Petrópolis, nas razões mais do que justas para um divórcio repentino; eu quis ser compreensiva, e imaginar uma megera que só se preocupava com academia e botox. Quis ver um amor paternal na forma como ele falava da cocker spaniel, no carinho e na dedicação que eu pensei que um dia seriam para mim. Naquele hotel em Cabo Frio, eu chupei como uma profissional, eu abri as pernas em cima da mesa, depois ainda fiquei me perguntando se eu tinha sido perfeita. Ah, como eu queria acreditar que eu tinha sido perfeita! Quando as flores começaram a chegar, eu pensei: “Até que não foi tão difícil. A proposta e o anel vêm depois”. Ainda havia nos meus olhos cansados, um resquício de comédia romântica que me fazia pensar em anel, em dança de salão, em palavras de filmes antigos. Naquela manhã constrangedora, ele disse que seu único vício era o café, e eu quis acreditar também nessa bobagem. Os filmes não me ensinaram dos outros vícios, da capacidade para mentir, do desprezo inabalável que um homem pode sentir, mesmo depois de dois anos. Isso eu tive de aprender aos tropeços, entre um riso fingido e uma manhã de ressaca, um orgasmo fingido e um telefone que não toca. Mas eu sou teimosa: eu sonhar vou apesar de tudo. Eu vou acreditar que ele temia me perder para alguém mais jovem, que ele gaguejava quando falava minha idade para os amigos, que ele escondia os famosos comprimidos azuis no bolso interno do paletó. Semana que vem eu já vou olhar aquelas fotos com outros olhos. Vou acreditar no meu próprio riso falso, vou jurar para uma amiga que eu fui feliz. E esse choro irritante de hoje, esse silêncio, que não me deixa perguntar onde eu errei, vai ser só mais uma lembrança, indigesta como a porra que engoli em Cabo Frio. E quando outro homem falar em cocker spaniel, quando eu vir uma
gravata de seda e outro dedo sem aliança, os meus olhos vão estar prontos para mais poesia, e a minha boca, para mais sêmen. Porque, eu sou teimosa, eu vou sonhar de qualquer jeito, até que a realidade me atenda, nem que seja por piedade do meu desespero.

Mais vegeto que vivo?

“Como é que ousaram dizer que eu mais vegeto que vivo? Só porque levo uma vida um pouco retirada das luzes do palco. Logo eu, que vivo a vida no seu elemento puro. Tão em contato estou com o inefável. Respiro profundamente Deus. E vivo muitas vidas. Não quero enumerar quantas vidas dos outros eu vivo. Mas sinto-as todas, todas respirando. E tenho a vida de meus mortos. A eles dedico muita meditação. Estou em pleno coração do mistério.”

Clarice Lispector, em A Descoberta do Mundo

As verdades de Bernardo Carvalho

Nove Noites

Há gente que não gosta de Bernardo Carvalho. Acham-no pedante, artificial e forçadamente intelectual em seus romances e contos.
Eu acho “Nove Noites” um romance espetacular. “Mongólia” também é muito bom, embora não se compare ao anterior. E seus contos são, em geral, excelentes.
“Nove Noites”, que acabo de reler como referência para um roteiro que estou escrevendo, é a história da história de Buell Quain e, principalmente, da obsessão do próprio Carvalho em entender o mistério em torno desta figura perdida na história da antropologia e do indigenismo brasileiros.
Quain foi um antropólogo americano, discípulo de Ruth Benedict e Franz Boas, que se suicidou entre os índios Krahô, no Maranhão, em 1939. Sua morte nunca foi plenamente explicada.
Instigado pela menção recorrente deste nome em sua vida, Bernardo Carvalho tenta encontrar o fio da meada da verdade sobre Quain em meio às poucas pistas restantes sobre sua vida e suas duas viagens ao Brasil: uma primeira expedição à região do Xingu, para pesquisa junto aos índios Trumai, e sua ida ao Maranhão, que culminaria no desfecho trágico de sua existência.
E como desencavar a verdade “numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui”, adverte logo à abertura do livro Manoel Perna, o outro narrador do livro, além do próprio Carvalho, um suposto amigo de Quain em Carolina, no Maranhão?
E continua: “Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E depois de amanhã, mais uma vez. Sempre a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente. A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates. Quando vier à procura do que o passado enterrou, é preciso saber que estará às portas de uma terra em que a memória não pode ser exumada, pois o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para acabar morrendo de curiosidade.”
O resultado é um romance das possíveis verdades sobre a morte de Quain, não excluindo a hipótese mais banal de um suicídio sem histórias mirabolantes por trás – um surto de uma personalidade frágil exposta pela experiência radical de isolamento em meio a uma sociedade absolutamente estranha.
O melhor de tudo é que a estrutura do romance reforça a idéia das “verdades possíveis” ou de verdades parciais que se entrecruzam, situando-se na fronteira entre a ficção e um esforço de jornalismo investigativo. No texto, sobrepõem-se às palavras de Bernardo Carvalho, além das parcas fotos disponíveis de Buell Quain, supostas cartas deste Manoel Perna, um engenheiro de Carolina, último amigo de Quain e derradeiro não-índio a vê-lo vivo.
São pouco os escritores que conseguem abraçar com resultados elogiáveis este tipo de estrutura meio pós-moderna. Na maior parte dos casos, gera-se muito barulho por nada e os livros se esvaziam à medida em que se aproximam do final pela própria falta de sentido. Tramas rocambolescas que prendem o leitor de início, mas que não tardam a denunciar a própria fraude que são.
Não é o caso de Bernardo de Carvalho.

Señoritos satisfechos

“Ortega y Gasset já dizia que os principais inimigos da cultura são os “señoritos satisfechos” que desfrutam do legado da civilização sem ter a menor idéia de como foi conquistado e, por ignorância das condições que o geraram, acabam por destruí-lo.”

O puxão de orelha que o Olavo de Carvalho está dando no Rodrigo Constantino deveria ser lido por todo aquele que insiste em dizer que a “crença religiosa dogmática” é inimiga da liberdade, que a Inquisição foi o pior flagelo criado pela e contra a humanidade, que os cristãos são fundamentalistas que não aceitam discutir sua fé, etc., etc. Novamente, Olavo with lasers…

Eduardo Giannetti no Sempre um papo

Eduardo Giannetti fala sobre o livro O Valor do Amanhã.

D. Harlan Wilson no Second Life

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Hoje, às 19 horas (horário de Brasília), estarei na leitura pública do escritor norte-americano D. Harlan Wilson, que apresentará seu livro “Dr. Identity”, a ocorrer na StarFleet Academy SLQ Library. Quem quiser aparecer por lá, por favor, não faça como nosso amigo Vinicius, isto é, não fique falando comigo em português no chat aberto enquanto todos estão quietos assistindo ao evento. Até lá.
🙂

MOJO Books

A idéia é boa, mas ainda não tive oportunidade de ler. Mais para o meio de fevereiro sai uma história de uma ex-aluna minha da Alfa sobre Josh Rouse (quem?) e fiquei interessado; quem sabe baixo algumas músicas antes de ler o texto. A arte pop se reinventa.

Cachorro e Fumaça

Ele se trancou por instinto. Dentro da bancada, a caixa de fósforos esperava, segura e silenciosa. O som da pequena explosão era tão reconfortante quanto o gosto de tabaco. O tantinho de fumaça aquecia o céu da boca, antes de virar uma mancha suave no teto branco. É muita ingenuidade achar que se fuma escondido. O cheiro fica impregnado nas coisas, ansioso, esperando a ocasião de se tornar delator. E era essa a obviedade que agora se revelava, clara e repentina como a chama. Ele viu a forma como ela se lamentava, entrando no banheiro de manhã, pensando que ele não tinha mais jeito. Viu a resignação suave e amarga que ela mesma via quando se olhava no espelho. Talvez ela lembrasse de um amor antigo, um rapaz idealista, que falasse contra o cigarro e seus pretensos comerciais. Talvez se consolasse lembrando que esse garoto tinha se tornado um mero professor universitário, pobre e chato. Seu marido, pelo menos, tinha dinheiro para o apartamento de praia e as viagens de reveillon. Antes de borrifar o maldito esprêi de lavanda, ela certamente pensava no champanhe e no sol que não teria, se tivesse casado com o outro. E essa idéia agora o divertia.

Sobre o podcast com o Olavo

Tenho recebido muitos emails indagando a respeito da continuação do podcast com o Olavo de Carvalho. A alguns respondi, à maioria deixei em espera, mas vejo que será melhor esclarecer aqui o problema. Conforme disse num post anterior, tenho sim um bate-papo já gravado, que ainda não pude editar apenas porque a atualização do meu Windows, que é original (droga!), está entrando em conflito com meus programas de edição de áudio e de som. Tentei reinstalá-los algumas vezes, mas o defeito sempre retorna e os programas travam. Não estou nem um pouquinho afim de reformatar o HD ou de soluções drásticas do gênero, das quais corro como o diabo da cruz. O pior é que essa última gravação ficou com um chiado horrível durante as minhas falas, uma vez que o Windows também prejudicou o Voice Changer, o software de gravação que utilizo. Enfim, embananou tudo, o que, somado a outras questões de ordem pessoal e/ou profissional, me fez adiar o prosseguimento deste projeto sem uma noção exata de prazos. Isto não me abalou muito porque tal situação coincidiu com o lançamento da rádio online do Olavo, o que significa que o objetivo básico foi alcançado: ter sido um estímulo a mais para que ele se decidisse por soltar o verbo, de viva voz, através da internet. Claro, ainda pretendo retomar nossas conversas, mas sem correrias. Eu e o Olavo estamos concordes em que essas gravações foram apenas uma amostra do que ainda poderá vir.

Meus agradecimentos a todos os interessados e me desculpe se não pude responder a todos pessoalmente.

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