A história da literatura está repleta de casos em que uma jovem se apaixona por um poeta ou por um artista devasso e mais tarde o deixa para se casar com um empresário bem sucedido. Essas histórias revelam um aspecto fundamental da natureza da psique feminina, que muitas vezes escapa às próprias mulheres, mas que nunca deixa de se manifestar na realidade.
Na juventude a mulher precisa se entregar a experiências de transgressão para descobrir, por si mesma, a utilidade e a necessidade da disciplina e das normas sociais. Também é comum que ela queira adotar qualquer comportamento que esteja em franco contraste com as normas e os conceitos de seus pais, para medir a autoridade que eles têm sobre ela. Assim, o poeta marginal, o artista devasso, o hippie doidinho ou, nos casos mais extremos, um criminoso verdadeiro, aparecem como os homens que possibilitarão à mulher viver as experiências que ela precisa viver naquele período; e ela se sentirá atraída por eles. Além disso, é nesse período que a mulher precisa medir a sua própria capacidade de seduzir e é natural que ela queira “testar-se” com algum homem antes de partir para o relacionamento que ela julga que realmente a realizará.
O poeta-artista-inconformado-devasso aparece como o homem que possibilitará as experiências de transgressão, e a jovem se liga a ele. Mas, quando começa a entrar na maturidade, a mulher percebe que sua realização passa pela criação de filhos e por uma vida social mais estável, e passa a desejar outro tipo de vida. Agora que as experiências de transgressão já lhe permitiram perceber a utilidade e a necessidade da disciplina e das normas sociais, ela deseja um ambiente estável para a criação de filhos e para o desenvolvimento de seus talentos latentes. Nesse período, se o poeta-artista-incormado não descobriu um jeito de ganhar algum dinheiro com seu talento, a mulher rompe com esse homem e parte para a busca de um homem mais “maduro” — o que significa basicamente um homem capaz de sustentar um lar e que não foge das diversas obrigações sociais. Pode acontecer de a mulher não ter a coragem necessária para romper com o poeta marginal e continuar presa a ele por laços de gratidão e culpa. Mas esse relacionamento será frustrante, e em muitos momentos a mulher admitirá para si mesma que “já não sabe se o ama”.
Isso é patente. Acontece o tempo todo, mas, se perguntarmos à mulher por que ela não ama mais o poeta devasso, ela não saberá responder. Na verdade, ela sabe perfeitamente que precisa de outro homem porque aquele já não lhe permite viver as experiências que ela espera de um relacionamento, mas acontece que nossa sociedade condena veementemente alguém que admita ter necessidade de estabilidade material e de reconhecimento social. Então a mulher preferirá não revelar — talvez nem para si mesma — os motivos reais de seu rompimento. Mas, se ela própria não vier a compreender esses motivos, pode alimentar uma culpa inconsciente por ter abandonado seu primeiro homem, e isso pode resultar numa neurose.
A mulher tende a trocar de homem — ou pelo menos a desejar tal coisa — sempre que seu parceiro não demonstra aptidão para sustentar o lar. No fundo de seu coração, toda mulher acredita que o sustento do lar é coisa para homem, porque ela sabe, nem que seja inconscientemente, que é muito difícil trabalhar, parir, amamentar e cuidar dos filhos simultaneamente. A sociedade moderna deu um grande golpe contra a mulher quando lhe tirou o direito de ser sustentada. Mas as mulheres estão cada vez mais voltando a reivindicar esse direito, e acredito que ele seja legítimo.
Mas o caso mencionado, da paixão juvenil pelo poeta e do casamento posterior com o empresário, revela ainda outro aspecto importante dos relacionamentos afetivos em geral. Um aspecto geralmente negado, porque nos fere no nosso orgulho mais íntimo. Vimos que a mulher se apaixonou pelo poeta porque ele lhe permitiria experiências que ela queria viver. Mais tarde ela se apaixona por um sólido empresário porque ele também lhe permitiria viver as experiências que ela queria viver. Isso nos mostra que não nos apaixonamos por um indivíduo mas pelas experiências que esse indivíduo poderá nos proporcionar. Isso será veementemente negado porque todos nós queremos alguém que nos ame pelo que somos e não pelo que podemos lhe dar, mas a verdade é que isso é simplesmente o que acontece. Não amamos uma pessoa pelo que ela é, mas pelo que ela pode nos proporcionar. Quem não percebeu isso ainda acredita numa idéia ilusória de amor, que logo cairá por terra. Entre os homens, também é comum que um jovem se interesse primeiro por uma mulher que lhe possibilitará a experiência sexual em si, e só depois pela mulher que lhe possibilitará a experiência do ambiente familiar. Assim, acredito que essa seja uma regra dos relacionamentos em geral: não amamos uma pessoa, amamos as experiências que essa pessoa pode nos proporcionar.
Isso pode ser visto como uma visão extremamente pessimista dos relacionamentos, mas, como toda verdade, é esse conhecimento que nos permite viver nossos relacionamentos de forma mais consciente e satisfatória. Poderemos tanto escolher melhor as pessoas com quem queremos nos relacionar quanto nos tornar objeto de amor de quem amamos. Se amo uma mulher e sei que preciso lhe proporcionar certas experiências para que ela me ame, fica mais fácil conquistá-la. Todos alimentamos o desejo infantil de sermos amados incondicionalmente, mas, se formos sinceros conosco, admitiremos que não amamos ninguém dessa forma. Ora, que direito temos de querer que alguém nos ame de uma forma se não é assim que amamos os outros?
pedro novaes
Ronaldo, com todo o respeito e bom-humor, tudo isso me soa como uma grande ironia. Eu discordo tanto das coisas que você fala que fico me perguntando se você está falando sério!!
Tanto essa sua digressão, quanto a anterior sobre religião, a meu ver, fazem generalizações sobre os humanos e especialmente sobre as mulheres que são difíceis de engolir. Mais ainda, partem de cisões e oposições que são equivocadas e que, portanto, põem todo o raciocínio a perder. Não faz sentido opor um “amor” desinteressado a esse amor “utilitarista” que você explica ser o “real”, como se o que alguém me proporciona numa relação estivesse desconectado do que aquela pessoa é. É impossível dizer se eu amo minha mulher pelo que ela é ou pelo que me proporciona. As duas coisas são indiscerníveis. O mesmo é válido, de certo modo, para seu raciocínio em relação à escolha das religiões. O que uma religião me proporciona é inseparável da sua verdade. Abração. Pedro.
Vinicius
Essa estória me soa parecida com a sinopse do livro “Quase tudo” da Danuza Leão. Não sei ao certo, mas quem dos dois “poeta-doidão” ou “empresario” estaria correto em afirmar uma verdade de vida para sua dama-pretendida?
A mulher com sua carga metade doida e metade digamos, certinha, estaria num impasse daqueles se o maridão resolve-se radicar-se do seu status quo. Fica a pergunta: ela pularia fora outra vez ou aceitaria sua “ilusão” passada?
Tudo isso é um jogo sujo de palpites e achismos. A gente quer sim, homens e mulheres, sermos letrados na loucura e na lucidez social, claro!, com grana que garanta a ressaca depois. Fora isso, tudo não passa de uma fantasia de pequeno burguês.
Ronaldo
Oi, Pedro.
Me pareceu pelo seu comentário (me perdoe se eu estiver errado) que vc pressupõe uma espécie de vínculo indissolúvel entre uma pessoa e suas ações. Mas esse vínculo não existe. Se existisse, um ladrão nunca deixaria de roubar, um fumante nunca deixaria de fumar, uma prostituta nunca deixaria de se prostituir. Mas não é isso que acontece. Ladrões podem deixar de roubar e prostitutas podem deixar de se prostituir. Ou seja: um sujeito pode empreender uma mudança radical no seu conjunto habitual de ações, desde que tenha vontade e persistência. É isso que se chama conversão. E se ele pode mudar seu conjunto habitual de ações, também pode mudar a ação que pratica em relação a mim, mudando conseqüentemente nosso relacionamento. Se ele me gerava um mau fruto, e eu o odiava, ele pode passar a me gerar um bom fruto e eu posso passar a amá-lo. A essência da minha tese é: não amamos um ser, amamos o fruto de nosso relacionamento com esse ser. Porém, estava subentendido (pelo menos em minha cabeça) quando escrevi esse texto, que não há vínculo indissolúvel entre o sujeito e suas ações. Um sujeito qualquer tem liberdade para mudar as ações que pratica em relação a outro sujeito ou em relação às pessoas de uma forma geral. Se ele fizer o mal ele será odiado, se fizer o bem, será amado. A escolha é dele.
Faça uma experiência. Pegue uma pessoa de quem vc não gosta (uma vizinha chata, por exemplo), procure saber o que ela considera um bem, e comece a fazer esse bem para ela. Vc vai ver que o que ela sente em relação a vc vai mudar.
Abraço,
Rbr