Imagine a cena: um sedutor Mestre de Cerimônia de ar andrógino e cabotino sobe no palco duma região distante e – protegido por anjos do inferno que se põem à sua volta – berra à assistência formada por milhares e milhares de pessoas, algumas pra lá de Bagdá, outras pra lá de Psychedelic Land, algumas nuas de corpo, outras de cérebro, berra a toda essa gente que ele, o beiçudo e sexy Mestre de Cerimônicas, morre de simpatias pelo demônio. Qual o resultado? Ora, um sacrifício humano, é óbvio, providenciado por um dos anjos do inferno que ocultava uma oportuna adaga em seu casaco de couro. Toda a cena é real. E o pior: foi devidamente registrada no documentário Gimme Shelter, de 1970.
Eu já tinha ouvido falar dessa história, mas, puts, o Mick Jagger foi muito, mas muito mais ingênuo do que jamais sonhara minha vã filosofia. Porque quem disse que há diferença entre encenar um sabá e realizar um? Os caras criaram uma egrégora dos diabos… Deu no que deu: além de Meredith Hunter – que fazia aniversário no mesmo dia que eu (24 de Outubro) – morreram outras três pessoas no evento. Mick Jagger, pois, acabou protagonizando a ironia das ironias, o king kong dos anos 60: no início do documentário, que acompanha toda uma turnê da trupe, declara diante da câmera que aquele show coletivo – o maior até então – iria provar que a nova geração podia sim prescindir do establishment, que eles, os jovens, é que sabiam o que era viver e se divertir em paz e amor, sem necessidade de policiamento e controle… Tomou papudo! (Daí o porquê de os caras andarem com tantos leões-de-chácara hoje em dia.)
Ainda bem que os anjos do inferno, isto é, os Hell’s Angels – que protegiam o palco naquele dia fatídico -, não serão os responsáveis de improviso pela segurança do show dos Rolling Stones hoje, em Copacabana. Pelo menos não no plano material…