Finalmente chegou aqui à província “Menina Santa”, segundo longa da badalada diretora argentina Lucrecia Martel. Almodóvar é dos que se impressionou com o talento demonstrado pela moça em “O Pântano”, seu filme de estréia. Tanto que tornou-se produtor executivo deste outro.
La Niña Santa não é um filme arrebatador. Ao contrário, impressiona e marca o espectador em sua sobriedade e na sutileza quase subliminar com que nos incomoda.
A despreocupação em situar espacialmente a história com precisão me deixou desconfortável e oprimido de início. Onde mora Amália, a protagonista? Que hotel antiquado é este? Quais as relações entre essas pessoas? Que escola ou catecismo frequentam Amália e sua amiga Josefina? Que raio de aulas são essas? A trama nos toma antes que percebamos e, quando esta espacialidade se define um pouco melhor, embora não de todo, já pouco importa.
Depois, incomoda a sexualidade latente em muitas cenas: que proximidade desconfortável é esta entre Helena, a mãe de Amália, e tio Freddy? Que invasões constantes de espaço são essas: camareiras e Freddy entrando nos quartos sem maio aviso? Ninguém parece estar seguro em sua intimidade. Não há privacidade possível. E que desinfetante borrifa esta empregada nos cômodos cena após cena?
Amália e Josefina são duas adolescentes católicas que tentam descobrir sua vocação. Que tarefa lhes teria Deus reservado em Seu plano? Em seus cochichos, condenam a professora de religião, vista em cenas tórridas com o namorado. Josefina, que não deseja perder a virginidade antes do casamento, faz sexo anal com o primo. Finalmente, Amália, assediada por um homem numa aglomeração pública, conclui que sua vocação é salvá-lo. O tarado, entretanto, é um médico participante de uma convenção que se desenrola no hotel de sua família e com quem sua mãe está envolvida sentimentalmente. Tudo conduz para um desenlace explosivo. O final, entretanto, certamente irrita muita gente.
No fim das contas, o melhor paralelo talvez seja mesmo o de um Almódovar de saias. Temas muito semelhantes, trabalhados com maestria técnica e estética, mas através de uma lente feminina e, por isso, suave e contundente ao mesmo tempo.
bruno costa
O argumento é muito interessante, além de atual. O problema, na minha opinião, reside justamente na roteirização dele. A edição do filme também ficou um pouco confusa, não creio que tenha sido proposital. É como se uma brisa pós-qualquer coisa perpassasse e contaminasse o desenvolvimento da história. “Vamos deixar tudo no ar”, parece ter sido o próprio fio condutor. A preparação é muito longa para um final abusivamente simplista, do tipo, “agora é com você, telespectador, imagine o que bem entender”, recurso que nem sempre funciona. O filme insinua o tempo todo uma carga dramática que ele não assume em momento nenhum, e nisto, é bem inferior a qualquer Almodóvar 12 anos. E termina quando está prestes a começar. No “Pântano”, estes eflúvios de mal-estar e dissolução tinham uma razão de ser. Mas aqui? Gostei nesse filme daquilo que ele poderia ter sido, mas não foi. Para completar minha frustração, ganhei o pôster na devolução do DVD. Mas o pôster também, deixa muito a desejar.
P.S.: Pedro, aquilo que a camareira fica borrifando é um desodorizador, para encobrir o cheiro de mofo que os hotéis com carpete bafejam. Uma referência ao terreno pantanoso dessa história?