Antes de mais nada, desculpas pelo sumiço. A vida está uma doideira, mas espera-se, breve, uma diminuição do ritmo após importantes decisões.
Queria brevemente comentar alguns filmes, dois brasileiros e um quase, em diferentes momentos de vida.
Esta semana, tenho a oportunidade de fazer uma espetacular oficina de preparação de atores com o Sérgio Penna, o mais requisitado preparador de elenco do cinema brasileiro, responsável por filmes incríveis como Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodansky, e Contra Todos, de Roberto Moreira.
É justamente de “Contra Todos” que queria começar falando. Quem não viu, deve assistir imediatamente. Trata-se de um marco no cinema nacional recente. É um filme de baixo orçamento, feito com cerca de R$ 800 mil, em vídeo digital e depois transferido para película – a primeira ousadia, já que, por mais que se fale que as mídias digitais chegaram para tomar conta, a verdade é que todo o mundo ainda olha de cima para baixo filmes feitos assim, à exceção de algumas pérolas estrangeiras, como vários dos filmes do Dogma 95 (Festa em Família, Os Idiotas, etc.) e de Lars Von Trier pós-dogma (Dogville, Manderlay, etc.).
A grande ousadia e principal marca de “Contra Todos”, entretanto, reside no trabalho fora do comum de preparação de atores, conduzido por Sérgio Penna.
Leona Cavalli, Aiton Graça, Sílvia Lourenço e Giulio Lopes, entre outros membros do elenco, simplesmente não conheciam o roteiro quando iniciaram o processo de construção dos personagens. Tinham algumas referências sobre eles e novos elementos iam sendo introduzidos ao longo do processo de várias semanas.
Encerrada esta fase e vendo o resultado do trabalho, Roberto Moreira teve a coragem de fornecer aos atores um roteiro sem diálogos, quase apenas uma escaleta, onde as cenas eram meramente descritas em seu essencial.
O resultado, para mim, é um dos melhores conjuntos de interpretações do cinema nacional. Personagens absolutamente naturais que geram um clima tão íntimo e cotidiano que, muitas vezes, se sente estar vendo um documentário. Sem contar que o roteiro por si só, é também excelente.
Outro filme, este ainda em pós-produção e muito aguardado, também com participação de Penna, é Antonia, novo longa da diretora Tata Amaral (Céu de Estrelas, Através da Janela), sobre a vida de quatro mulheres cantoras de rap na periferia de São Paulo. Apesar de ficcional, Tata optou por trabalhar com quatro não-atrizes cantoras de rap da periferia de São Paulo – Negra Li, Cindy, Leila Moreno, Quelyanh – preparadas por Sérgio Penna.
Ainda em pós-produção, o filme já gerou uma mini-série, aparentemente algo no estilo “Cidade dos Homens”, a ser exibida em breve pela Rede Globo.
Finalmente, atenção para uma produção que pode passar meio batida. Trata-se de Sonhos de Peixe, inteiramente ambientado e filmado com não-atores na vila de pescadores de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte. É uma produção americana, idealizada e dirigida pelo russo Kirill Mikhanovsky e com preparação de elenco, mais uma vez, de Sérgio Penna. Kirill é egresso da New York Film School e apaixonou-se pelo Brasil, o que o levou a fazer este filme que deve também estrear em breve.
UPDATE
Acabo de saber que o longa Sonhos de Peixe já foi lançado e figura na seleção da 45a Semana Internacional da Crítica do Festival de Cannes (assim como o curta brasileiro Alguma Coisa Assim, de Esmir Filho).