Zé Eli da Veiga, na Folha de hoje, vê a candidatura de Gustavo Fruet à presidência da Câmera como um sinal auspicioso para a política brasileira:
Flor no pântano
JOSÉ ELI DA VEIGA
A vacilação tucana na eleição do presidente da Câmara foi mais um sinal de que uma “economia política do possível” vai se impondo
NADA DE melhor brotou na Câmara dos Deputados nos últimos anos do que a candidatura do paranaense Gustavo Fruet. Verdadeira flor no pântano. Principalmente porque obrigou os dois candidatos de São Paulo a responderem questões que prefeririam manter sob os imensos carpetes palacianos.
Serão dignos de louvor, portanto, os deputados que efetivamente apoiarem essa alternativa renovadora, a começar por seus companheiros de partido.
Todavia, não dá para esquecer que, dez dias antes de aclamar Fruet, a mesma maioria tucana havia quinalhado. E que todas as interpretações de tão surpreendente episódio evocam o interesse de governadores tucanos em também ter as respectivas Assembléias Legislativas presididas por títeres. Teria sido, então, apenas oportunismo passageiro?
Há razões para duvidar.
Quem governa SP, MG ou RS é o partido da social-democracia que mais padece no mundo da falta de base sindical. Estados que totalizam uma economia política bem superior à metade da nação.
Mas quem está no Palácio do Planalto é um partido conduzido por pragmáticos sindicalistas que foram capazes de converter quase todos os marxistas do país em novos social-democratas. Uma nova social-democracia que venceu duas eleições nacionais consecutivas graças à sua capacidade de diálogo e de atendimento a todos os gêneros de deserdados, massas que são estrondosamente majoritárias em pelo menos 17 Estados.
Foi esse o resultado do segundo turno para presidente da República, com as exceções do RJ, do DF e dos ex-territórios federais.
Os com-sindicato arquivaram todas as resoluções dos conclaves realizados por seu partido nos 22 anos anteriores às eleições de 2002 para poder administrar de forma que não poderia ter sido mais responsável uma economia capitalista que atravessa crise muito séria. Uma crise que, em última instância, resulta das imensas dificuldades de superação de sua fase mais selvagem, baseada essencialmente na exploração da força física do trabalho humano. Será extremamente complexo galgar outro patamar, bem menos rústico, que passa a depender da elevação da produtividade do trabalho ancorada em uso de “neurônio”, também chamado de conhecimento científico-tecnológico, o maior gerador de inovações.
Os com-sindicato também foram capazes de garantir continuidade à administração responsável dessa transição capitalista sem deixar de expandir simultaneamente a chamada “rede de proteção social” aos excluídos, largas maiorias em todas as periferias das aglomerações urbanas e em quase todos os espaços rurais.
Ao conseguirem realizar a proeza de melhorar a vida quotidiana de suas principais bases sociais sem criar dificuldades para os planos dos que cuidam do capital financeiro (nacional e global), os com-sindicato deixaram sem força persuasiva seus opositores liderados pelos sem-sindicato paulistas. Mesmo após dois anos de agitados mares de lama, estes sofreram mais uma fragorosa derrota com a reeleição de galvanizante líder sindical oriundo do agreste nordestino.
Não pode ser descartada, então, a possibilidade de que a social-democracia sem sindicato acabe se entendendo com a social-democracia nascida da reciclagem metalúrgica de ex-marxistas de todos os naipes. O que não significa que esta seja a melhor saída para o Brasil, pois o âmago do projeto social-democrata está na crença de que é possível apostar na economia de mercado e simultaneamente rejeitar a sociedade de mercado, coisa que não parece ter muito futuro nem sequer na Escandinávia.
Por outro lado, já faliram, ou mal começaram a germinar, utopias que se querem mais avançadas, como é o caso do ideário verde personificado pelo deputado federal Fernando Gabeira, não por acaso o principal dos jardineiros que semearam flor em pântano.
Em suma, a vacilação tucana foi mais um sinal de que, acima de perseverantes revolucionários e de fundamentalistas de mercado, vai se impondo uma “economia política do possível”. É ela que conspira pela convergência dos social-democratas brasileiros.
JOSÉ ELI DA VEIGA , 58, é professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da USP.