Ele se trancou por instinto. Dentro da bancada, a caixa de fósforos esperava, segura e silenciosa. O som da pequena explosão era tão reconfortante quanto o gosto de tabaco. O tantinho de fumaça aquecia o céu da boca, antes de virar uma mancha suave no teto branco. É muita ingenuidade achar que se fuma escondido. O cheiro fica impregnado nas coisas, ansioso, esperando a ocasião de se tornar delator. E era essa a obviedade que agora se revelava, clara e repentina como a chama. Ele viu a forma como ela se lamentava, entrando no banheiro de manhã, pensando que ele não tinha mais jeito. Viu a resignação suave e amarga que ela mesma via quando se olhava no espelho. Talvez ela lembrasse de um amor antigo, um rapaz idealista, que falasse contra o cigarro e seus pretensos comerciais. Talvez se consolasse lembrando que esse garoto tinha se tornado um mero professor universitário, pobre e chato. Seu marido, pelo menos, tinha dinheiro para o apartamento de praia e as viagens de reveillon. Antes de borrifar o maldito esprêi de lavanda, ela certamente pensava no champanhe e no sol que não teria, se tivesse casado com o outro. E essa idéia agora o divertia.
Mês: janeiro 2007 Page 2 of 5
Gostei de Babel, filme dirigido por Alejandro González Iñárritu, com roteiro de Guillermo Arriaga — ambos mexicanos e autores de 21 Gramas e Amores Brutos. É angustiante acompanhar a trama — ou tramas. O filme usa a referência bíblica para resumir a incomunicabilidade pelas diferenças. De idioma, de cultura, de pessoas.
Essas diferenças são bem montadas em histórias de culturas distintas, que, em algum momento, se relacionam — esse encontro usa o conceito de que as coisas estão relacionadas, já abordado em filmes como Antes da Chuva e Corra, Lola. É estranho ver, por exemplo, como, aos olhos do pai marroquino, a falta cometida pela filha que se deixa ver nua é tão grave quanto a do filho que dispara inconseqüentemente contra um ônibus de turistas.
A falta de comunicação aparece em várias formas: entre idiomas, entre pessoas (marido e mulher, pai e filha), entre nações (vizinhas ou distantes) e na metáfora da adolescente surda-muda.
A incomunicabilidade não é bem um tema novo (há Antonioni e seu silêncio, mas me vem à cabeça o divertido Denise Está Chamando, que mostra como as pessoas se falam no mundo tecnológico sem, de fato, se comunicar). É interessante, porém, tratá-lo numa época em que a tecnologia de comunicação está tão em alta, com e-mail, MSN, Skype, teleconferência, celular, TV a cabo, satélite, etc.
Temos hoje contato maior com pessoas e povos diversos, podemos conversar em tempo real (com imagem e som) com pessoas em outros continentes, temos acesso a uma gama incalculável de informações, mas isso não se reflete em conhecimento. E muito menos em compreensão. Teoricamente, está mais fácil se falar, mas, na prática, a incompetência humana nesse campo continua a eternizar um mundo, agora globalizado, de incompreensão.
Com a adoção em escala crescente das tecnologias de vídeo e TV de alta definição, quem anda sofrendo um efeito colateral inesperado é a indústria pornô, noticia o New York Times de hoje. O problema é que a riqueza de detalhes e a perfeição das imagens acaba revelando de forma indesejada as imperfeições físicas dos atores: cicatrizes, rugas, celulite, estrias, etc. Além de intensificar o tempo de academia das estrelas, várias técnicas de filmagem e pós-produção já estão sendo desenvolvidas para contornar o problema.
Eu ainda não tinha assistido a “Crime Delicado”, filme de Beto Brant. Depois de “O Invasor”, um dos melhores filmes brasileiros já feitos, e de “Ação entre Amigos”, que não chega à altura do primeiro, mas também é um ótimo filme, a expectativa era grande. Além disso, me chamou a atenção o fato inusitado de faltar uma perna à personagem central e, mais ainda, de que esta era representada por uma atriz estreante que de fato não tem uma das pernas – Lilian Taublib.
Infelizmente, o resultado é decepcionante.
Curiosamente, entretanto, uma pesquisa no Google me deixa virtualmente sozinho nesta opinião. A crítica adorou o filme. José Geraldo couto afirmou tratar-se de um filme “esplêndido, radical, único”. A Bravo disse que “se já era uma figura ímpar no cenário do cinema nacional por seus filmes anteriores, com Crime Delicado ele [Beto Brant] se firma como o cineasta mais ousado da nova geração”. E, finalmente, para a Revista Contracampo “desde Morte em Veneza, as ligações entre visão de arte e ideal de perfeição física não se friccionavam de forma tão instigante, não curto-circuitavam as relações de desejo e representação de forma tão letal” (???), finalizando com a constatação de que “uma tal entrega, só dá a constatar que estamos diante de um cineasta em plena maturidade.”
O Festival de Sundance, maior referência do cinema independente mundial, está bombando na cidade de Park City, Utah, entre 19 e 29 deste mês.
Para conhecer os filmes em competição e ler críticas sobre aqueles exibidos, a Internet Movie Database mantém um guia e um blog sobre Sundance.
Hoje, em 1982, eu estava na praia em Guarapari, no Espírito Santo, quando minha irmã me disse que a cantora de que meu pai gostava havia morrido. Coisas que guardamos na memória…
“Como manter um nível saudável de insanidade”, novo curta de Mariana Bastos e Rafael Gomes, diretores do aclamado “Tapa na Pantera”.
Na Folha de hoje (para assinantes):
Brasil tem Ipod mais caro do mundo
Aparelho custa US$ 328 no país, US$ 105 a mais do que o do 2º colocado, a Índia
Canadá é onde o iPod nano custa menos, US$ 144, em comparação com 26 países; na China, onde é fabricado, produto sai por US$ 180.