Hoje eu sei que aquilo se chamava barriga. Mas na época, mesmo que conhecesse a palavra, talvez eu preferisse não usá-la. Não seria exato falar em “dor de barriga”. A sensação nascia no centro mesmo do meu ser e se irradiava pelo corpo, com tal velocidade, que eu me debatia, esticava as mãos e gritava, mesmo antes de distinguir o que eram mãos, braços, pernas, laringe e cordas vocais. Eu era um corpo vibrátil, quase um fluido. Qualquer ponto estimulado levava instantaneamente à resposta de algum outro ponto distante e insuspeitado. Lembro, por exemplo, que um tipo particular de excitação nas minhas extremidades inferiores causava um som suave e ritmado que eu já quase identificava como riso. Pequenos toques na minha cabeça e na sobrancelha me faziam relaxar e ter vontade de fechar os olhos. Sons agudos na minha direção me deixavam atento e silencioso, com um pouco de medo. Às vezes minha respiração era interrompida e, mesmo que não quisesse, eu era forçado a fechar os olhos, porque minha boca crescia de forma a quase não caber no rosto: era um bocejo. Também acontecia de minhas nádegas vibrarem e eu me livrar de uma pressão incômoda e insistente logo abaixo do peito.
Mas naquele dia, minhas nádegas não vibraram. Alguma coisa atrás do meu umbigo exigia uma atenção urgente e decisiva. Sem saber o que fazer, eu me remexia e emitia os sons que me pareciam melhor traduzir aquela urgência.
Até que alguém soube me compreender. Senti primeiro um certo calor envolvendo minha pele, depois uma voz suave e constante que indicava a presença de uma pessoa humana e caridosa. Meus lábios identificaram alguma coisa quente e pontuda, um objeto nítido, consistente, seguro, que eu mordi com convicção, ou simplesmente pressionei entre os lábios, já que não tinha dentes. O líquido veio quente, abundante e grosso. Eu não tinha dificuldade em engolir, depois que um tantinho fazia volume na minha boca. Aquele ato de alguma forma já estava em mim, e eu apenas o descobria silenciosamente. Eu me entregava confiante, como um peixe se entrega à enormidade plácida e invencível da água. Meu corpo foi aos poucos sossegando e fui compreendendo os conceitos que mais tarde se traduziriam em prazer, satisfação, felicidade. Abri os olhos e vi um rosto humano, arredondado, os olhos nítidos e serenos, brilhando por trás da sombra dos cabelos. Intuí que aquilo era uma espécie de música angelical, a sensação mais sagrada que eu teria nesta vida. Então, sem hesitar um mínimo segundo, eu jurei, prometi silenciosamente, sem tirar os olhos dela, que nunca na minha vida, nem que eu vivesse cem anos, nem que eu voltasse à infância, nem que eu descobrisse uma alma imortal e vivesse eternamente, eu nunca na minha vida tomaria o leite de outra.
No que tange a mulheres, foi de fato o único juramento que nunca quebrei.
bruno costa
Muito interessante, Ronaldo. Principalmente, pelas interpretações (?) que a última frase desse miniconto, (ou deveria dizer, crônica?) descortinam…
A propósito, você enviou algum conto para a Piauí?
abs