Uma discussão que deve ser urgentemente pautada no campo das idéias brasileiras é até onde se limita o Princípio de Supremacia do Interesse Público sobre o Particular. Tal prerrogativa conferida à Administração Pública, atua sacrificando, sempre que houver necessidade, um interesse individual ante um interesse coletivo. No entanto, além de ser importante definir quais necessidades impõem-se restringindo as garantias individuais, não menos importante é a reflexão sobre a ascensão de uma política autoritária estatal a partir de tal supremacia.
Não é demais solicitar a razão para definir a necessidade de um ato estatal que fira um direito individual. Quando decretado o Estado de Defesa, frente a uma iminente guerra ou perigo institucional, justifica-se claramente os direitos do estado (visando o interesse público ou de defesa da nação) sobrepondo-se aos direitos individuais. Por outro lado, o advento das escutas telefônicas ilegais, ou o abuso na execução de Ordens Legais por parte de agentes do estado (como se deu na Operação Satiagraha em que uma Ordem Judicial deu margem para a escuta de indivíduos alheios ao processo) – põe em xeque a tese do princípio de legalidade, que representa o limite estabelecido para a atuação do estado, visando proteger o cidadão de um possível abuso de poder. É razoável concluir que o estado legitima-se a partir dos direitos fundamentais, que garantem liberdades individuais e a isonomia, que, aliás, é a idéia essencial de justiça. A partir do momento que a obsessão pela supremacia estatal passa a justificar a revogação dos direitos inalienáveis do indivíduo na busca pelo interesse coletivo de importância, às vezes, questionável, flerta-se literalmente com o autoritarismo.
Atualmente, o Princípio de Supremacia do Interesse Público sobre o Particular é o argumento preferido daqueles que pretendem inflar ainda mais o poder estatal. Não notam que o fato do estado ter a incumbência de administrar ou zelar pelos bens e interesses públicos, não o torna proprietário deles. É puro nonsense tal idéia de atestar a sua supremacia sob o pretexto, por exemplo, de objetivar a diminuição da desigualdade ou os direitos da coletividade. Pois corre-se o risco de admitir que a luta pela “justiça social”, provê ao agente público uma superioridade moral que o atesta ao poder de revogar direitos individuais que nada mais são do que os fundamentos do Estado de Direito.