Erixímaco
– Observei há tempo isto: tudo o que penetra no homem se comporta logo em seguida como apraz aos destinos. Dir-se-ia que o istmo da garganta é o umbral de necessidades caprichosas e do mistério organizado. Ali, cessa a vontade, e o império certo do conhecimento. Eis porque renunciei, no exercício de minha arte, a todas essas drogas inconstantes que o comum dos médicos impõe à diversidade de seus doentes; e atenho-me estritamente ao uso de remédios evidentes, conjugados um contra o outro segundo sua natureza.
Sócrates
– Que remédios?
Erixímaco
– Há oito: o quente, o frio; a abstinência e seu contrário; o ar e a água; o repouso e o movimento. É tudo.
Sócrates
– Mas para a alma só há dois, Erixímaco.
Fedro
– Quais então?
Sócrates
– A verdade e a mentira.
Fedro
– Como assim?
Sócrates
– Não se comportam entre eles como a vigília e o sono? Não procuras o despertar e a nitidez da luz, quando um mau sonho te atormenta? Não nos ressuscita o sol em pessoa, e não nos fortifica a presença de corpos sólidos? – Mas, em contrapartida, não é o sono e aos sonhos que pedimos que dissolvam as aflições e que suspendam as dores que nos agrilhoam no mundo do dia? E, assim, fugimos de um para o outro, invocando o dia no meio da noite; implorando, ao contrário, as trevas enquanto temos luz; ansiosos de saber, felizes demais por ignorar, procuramos, no que é, um remédio ao que não é; e no que não é, um alívio para o que é. Ora o real, ora a ilusão nos recolhe; e a alma, em definitivo, não tem outros meios exceto o verdadeiro, que é sua arma – e a mentira, sua armadura.
Paul Valéry
aron
e assim nasce a metafísica…