Nasci no Rio e me mudei pra Goiânia com oito anos. Com orgulho, sou mezzo carioca, mezzo goianiense. E amo de paixão o Rio de Janeiro, apesar das balas perdidas, do mau cheiro de certos locais e do chiqueiro que vira o Baixo Gávea em dia de agito. (Aliás, o Meirelles nem precisava de cenografia pra fazer o filme do “Ensaio sobre a Cegueira”, se o pessoal da O2 tivesse lembrado do BG nos domingos de madrugada. Era só ligar as câmeras e filmar. O odor também remete ao livro de Saramago).
O Rio é maravilhoso e eu volto pra lá sem qualquer crise de consciência se as circunstâncias profissionais conspirarem para tanto, apesar da merda que é a qualidade do atendimento, consequência, ao menos em parte, me parece, da falta de civilidade generalizada. No Rio, não existe bom dia, boa tarde, nem boa noite. A resposta a qualquer desses cumprimentos é invariavelmente um muxoxo ou um olhar confuso. Na melhor das hipóteses, um “e aí?” ou “beleeeza?”. O ápice – ou fundo do poço – são os garçons. Em lugares chiques, a coisa é um pouquinho melhor, mas nos bares e restaurantes comuns, o serviço é um lixo: garçons mal humorados, demora, desatenção e cara feia. São Paulo, neste quesito, é outro universo.
Falo isso pros meus conterrâneos e quase todos me olham espantados. Minha hipótese é a de que o Rio é tão bonito que as pessoas nem notam ou, pior, já se acostumaram.
Na verdade, tem um jeito de ser melhor atendido no Rio. O negócio é, de saída, você já tirar um sarro da cara do garçom e demonstrar que tem malandragem no sangue. Via de regra (tinha um velho editor que sempre repetia pro me pai que “via de regra é boceta”), o cara dá logo uma risada e aí já se formam aquela intimidade forçada e camaradagem tão típicas de nossa cordialidade tropical. Não se consegue nada pela via da civilidade e pelas regras comuns, só forjando uma relação de cunho privado. Assim o explicava Sérgio Buarque de Holanda. De “Raízes do Brasil” para os botecos e ruas cariocas. Verdadeira sociologia de botequim, nevertheless true.
Diogo
Pedro você descreveu o mesmo que eu sinto no Rio. Além de mal tratado, ainda percebo que estou sendo vítima de algum tipo de golpe em qualquer coisa que compro.
Até no Cristo fui mal atendido, porque o controlador da catrata achou ruim ter que sair de cima dela, onde estava sentado, para me dar passagem.
O caso dos graçons é tão sério que até no Lamas, boteco com quase um século, que leva um título por ter um dos melhores garçons da cidade, me senti como se estivesse comendo de graça, uma vez que tive que adivinhar o que acompanhava um filet à cavalo, pois o garçon praticamente se negou a dizer.
Abraço
yuri vieira
Eu ia dizer que o mau humor talvez role porque, enquanto vc está pedindo algo, o garçom está pensando se passará por algum tiroteio ao voltar pra casa. Mas depois, ao lembrar dos meus tios, que são cariocas de Guadalupe, me toquei que os tiroteios eram apenas um detalhe cotidiano, desses que inclusive já interferem no senso estético deles: “nossa, que casa linda! esses muros grossos e altos cheios de lanças e cacos de vidro!! esse portãozão parece blindado!! ficaria perfeito lá em casa…”
Eu não faço a menor idéia do porquê são assim. Pergunta ao Ronaldo, mesmo que ele não saiba, a resposta será interessante — vcs já notaram como ele conversa com a gente no nosso Google Group como se fosse um garçom carioca?
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