Quem diria! Num país com, talvez, a produção intelectual feminista mais consistente da história e quase toda de matriz democrata, a primeira mulher a galvanizar a atenção dos EUA numa campanha eleitoral presidencial (a segunda a concorrer como vice) acabou sendo exatamente uma conservadora. O impacto foi tectônico! Eis um trecho do que a escritora Camile Paglia escreveu sobre Palin na Revista Salon!
Conservative though she may be, I felt that Palin represented an explosion of a brand new style of muscular American feminism. At her startling debut on that day, she was combining male and female qualities in ways that I have never seen before. And she was somehow able to seem simultaneously reassuringly traditional and gung-ho futurist. In terms of redefining the persona for female authority and leadership, Palin has made the biggest step forward in feminism since Madonna channeled the dominatrix persona of high-glam Marlene Dietrich and rammed pro-sex, pro-beauty feminism down the throats of the prissy, victim-mongering, philistine feminist establishment.
Daí se vê o impacto do “furacão” Palin.
marina
O que vc quer dizer? Que somente uma democrata tem o direito de ser um “furacão” na política?
Acho que esse lance de teorizar de modo feminista parece que o que quer dizer é que a Palin está do lado errado. Como mulher ela teria de ser democrata, pq conservadora ela fica parecendo homem. A mesma coisa acontece com o Obama. Ele representa os negros, mas a Condoleeza que é mais negra do que ele, é como se fosse branca.
Enfim, não vejo ironia nenhuma.
daniel christino
Você está vendo chifre em cabeça de cavalo, Marina. A ironia aqui é na perspectiva dos democratas, que sempre associaram o papel político das mulheres à onda do progressismo que acreditavam surfar. Mesmo sendo conservadora, Palin causou um impacto político comparável, nos termos de Paglia, a Madonna. O que não é pouco.
Mas parece que o furacão perdeu força com a entrevista concedida à rede ABC. Sem nenhum “coaching” fica difícil manter a pose.
marina
Me desculpa, mas quem tá vendo chifre em cabeça de cavalo é você comparando Palin com Madonna. A musica pop causa impacto político agora poh?
E ela perdeu tanto a força que o MCCAIN passou o Obama e lidera todas as pesquisas? Desculpas de novo, pq Vc não sabe que está falando.
daniel christino
A tese é da Camile Paglia, não minha. Veja a citação no post.
Você viu a entrevista? Viu ela gaguejando quando perguntada sobre o Iraque e sobre a política internacional dos EUA? Consegue ver o medo do GOP em associar o nome de MacCain ao do presidente Bush?
A Palin era a única coisa interessante dessa eleição e agora nem isso é mais. Que pena!
marina
ok, a tese é dela, mas q se vc postou é pq aceitou a ideia como uma coisa muito inteligente.
E eu ví a entrevista, acho que vc é quem não viu. Por isso falei q vc nao sabe do que tá falando.
Ela se saiu muito bem. E levando em conta a ;utima pesquisa, ela ainda é a a coisa mais interessante dessa eleição.
daniel christino
O sentido foi a ironia, Marina. Mas a resenha da Camile Paglia é interessante sim. Você pode discordar das categorias de análise ou da teoria social na qual está baseada. Mas ela, pelo menos, não fica encontrando em tudo apenas o sintoma de uma doença imaginária. Esses hipocondríacos da cultura são os imbecis mais entediantes do mundo.
Se você viu a entrevista, então a viu gaguejar e correr do Bush como o diabo corre da cruz. Viu também as respostas evasivas. E as frontalmente estúpidas como “dá para ver a Rússia do meu quintal”.
Ela vai muito bem quando fala sobre costumes. As posições são firmes e seguras. A gente quase esquece que ela caça livros nas bibliotecas do Alasca e defende o criacionismo. De qualquer modo quando os jornais liberais soltarem os cães em cima dela, ela terá que liberar novamente sua porção pitbull. Sem dúvida.
Sobre as últimas pesquisas, a crise americana já está causando baixas nas bases de MacCain. Não tem nada decidido ainda. Pode ser que MacCain ganhe, pode ser que perca, mas afirmar x ou y é só um exercício de estatística fantasmática.
Palin era a coisa mais interessante da eleição americana e agora não sobrou muita coisa. É um flatus vocis, uma jogada de Marketing. Pena. Parecia algo muito mais interessante.
Fábio
Daniel é óbvio que numa campanha um político deve tentar manter uma relativa distância daqueles que estão com uma avaliação ruim. Mas Palin foi corajosa em defender Bush naquela entrevista assim mesmo, sem contrariar sua biografia. Obama vem se contradizendo há algum tempo, da mesma forma que Biden que morria de amores por McCain e sempre defendeu que Obama era inexperiente, mas agora já não acha mais. É uma coisa que faz diferença para os delegados ainda indecisos e que vão certamente decidir a eleição.
Eu acho que está aí a diferença de Palin. Quando ela toma partido, impõe sua opinião mesmo quando isso talvez não venha a ser bem avaliado pela imprensa que hoje é totalmente pró-Obama. Quando ela foi perguntada sobre Bush, rebateu: em que sentido? Aí, quem gaguejou foi o Gibson porque era uma pegadinha e os jornais já estão soltando os cães em cima dela, desde o início. É unânime a avaliação de que ela se saiu bem sem ter que pixar o governo Bush e cair em contradição. Ela é muito boa e firme nas posições, tanto que deixou claro que prefere a diplomacia na questão russa que se impõe, mas não dispensa uma saída militar caso tenha que honrar o compromisso com a Otan.
Para terminar, você está por fora das pesquisas. McCain ainda tem vantagem de 31 votos dos delegados. O que ainda segura Obama é a California, que detém o maior número de delegados e é a matriz dos colaboradores financeiros da sua campanha.
Obama ainda pode ganhar, tem tempo para muita coisa acontecer. Mas hoje McCain é favorito.
Acesse este link para a sua informação, trata-se do cruzamento de 3 pesquisas distintas: http://www.electoral-vote.com/
Outra coisa, só para a sua informação, a tal caça de livros no Alaska se deu em relação a livros de doutrinas homossexuais para crianças de até 5 anos. A coisa é muito mais embaixo, há um movimento grande conservador contra tais livros.
Cordiais saudações e parabéns pelo seu blog,
Fábio
Diogo
Quanta besteira! Esta estória dos livros banidos da Wasilla Public Library pela Gov. Palin é fake.
O vexame foi a campanha do Obama dar crédito à estória no site oficial e, quando descoberta a sacanagem, ao invés de pedir desculpas por dissipar a mentira, colocaram um patético “ERROR: invalid page requested” no link, como se nada tivesse acontecido ou publicado. A lista dos livros é patética porque há títulos que foram lançados em 1998 e a acusação era que Palin havia banido-os em 1996. Ou seja, ela os baniu antes que fossem publicados.
É assim que os democratas dizem fazer campanha limpa, espalhando mentiras e apresentando certidão de nascimento falsa.
E é assim que o Daniel quer levantar o narizinho e posar de Ser superior: com análises madonescas da eleição americana e argumentando com hoax as a fact.
Holly shit! Era só colocar Palin banned books no Google antes de fazer papel de palhaço.
daniel christino
Ihhh. Dar murro em mesa não assusta ninguém, Dioguito. Dou até o nome do livro – fonte NYT, mas sabe como é, essa mídia liberal é foda, não dá para confiar – “Daddy´s roomate”, sobre homossexualismo para crianças. Já antevejo: “o horror! o horror! Deveria ter sido queimado!!!”. E eu não disse, em momento algum, que ela baniu. Ela pediu a censura do livro. Mas campanha suja por campanha suja, o GOP dá aula.
Não faço cobertura da eleição americana porra nenhuma. Interessei-me apenas pela Sarah Palin. Acho que caí no conto da convenção. Conservadora, mulher, politizada, algo novo na política. Não era nada disso. Só mais uma estratégia de marketing. Boa cobertura, em blogs, quem faz é o Pedro Dória, o Idelber Avelar.
Mas e o resto? O criacionismo. A entrevista. Por certo você vê grande capacidade em alguém cujas análises de política internacional são baseadas em paisagens de fundo de quintal. Ou que acredita na existência de dinossauros há 12.000 anos. O problema não é ser conservador, é ser estúpido.
yuri vieira
Se eu fosse norte-americano, eu ainda estaria disposto a votar no McCain — e não “MacCain”, mister — apenas por causa da Sarah Palin. Os princípios dela são sólidos o bastante para guiá-la através dos caminhos que ainda não experimentou.
No entanto, continuo na minha tensão libertarianismo/conservadorismo e, às vezes, acho que o pessoal do Lew Rockwell tem razão: os EUA tinham mais era que largar a OTAN e deixar os europeus se virar. Talvez a, digamos, “misericórdia” seja algo a ser levado em conta apenas no âmbito pessoal. Mas vai saber… Bom, a Palin só tem de ficar esperta com os Neocons.
{}’s
diogo chiuso
Daniel, me responda com sinceridade: por que você insiste em discutir assuntos que desconhece?
Agora quer o quê? Mandar-me discutir com o Pedro Dória?
Tua fonte do NYT é furada. O livro que citas nada mais é do que um blefe de quem não tem a mínima noção do que está falando. Como sou legal, vou te explicar o Palin’s books affaire a partir da entrevista de quem vivenciou o fato: Mary Ellen Emmons, a diretora da biblioteca municipal de Wasilla.
A história toda começou com uma comissão de 60 “arapongas” democratas enviada ao Alasca para levantar os “podres” de Palin. Descobriram por lá (coisa que já havia sido bastante noticiada pelo Frontiersman) que a então prefeita havia consultado a diretora da Wasilla Public Library, Mary Ellen Emmons. Ela queria saber como procedia se quisesse retirar algum livro das prateleiras. Emmons disse que não haveria como e que era prontamente contrária à idéia, pois seria censura. Ela ainda questionou a prefeita sobre a razão da consulta e qual livro ela pretendia retirar do acervo. Palin disse:
– Não tenho nenhum livro em mente, é apenas uma consulta sobre a política da biblioteca. E terminou peruntando: “Havendo uma manifestação pública contra um livro qualquer, qual seria o procedimento?” Emmons respondeu que neste caso o problema seria da ACLU e não delas (American Civil Liberties Union).
Em outra oportunidade Palin ainda perguntou se a requisição para banir algum livro partisse dela, o que obteria como resposta. Emmons novamente disse que rechaçaria tal requisição.
A história acabou aí, mas curiosamente apareceu uma lista de livros que Palin teria banido da biblioteca. O site da campanha de Obama a publicou e fez algumas acusações indevidas. Então descobriu-se que a lista era falsa e ao invés de desculpas os obamistas somente retiraram a página do ar, como se nada tivesse acontecido.
Agora já que você quer passar a bola para o Pedro Dória, acho que ele faz uma cobertura razoável (embora seja claro que ele tende a Obamar). Um exemplo é a análise das propostas econômicas dos candidatos onde ele omite (prefiro acreditar que seja desconhecimento, embora seja uma mancada absurda a quem se propõe a cobrir seriamente a eleição), é que a campanha de Obama tem como maiores contribuidores (além de grana que vem pela internet e, assim como ele, sem comprovação de origem) os bancos Faniie Mae e Freddie Mac, que já haviam contribuído, aliás, para a campanha dele ao Senado.
É um fato imprescindível a saber quando se analisa a proposta de maior intervenção na economia (que aliás, levando em conta o teu último post, é outro daqueles assuntos que você não domina).
Em tempo: volte a escrever sobre videogames que aí você não passa vergonha.
diogo chiuso
Esqueci do criacionismo. Ela é religiosa, meu deus. Você acha que para ser vice-presidente ela antes precisa negar a própria religião? Faça-me o favor!
O problema dos liberais é esse. Acham que a incerteza deles é mais certa que a incerteza dos outros. No fundo, não acreditam em deus, mas transformam a Ciência em nada mais que uma religião.
Quanto à estupidez, ela é toda tua quando fala de uma entrevista que é evidente que não assistiu.
E se o assunto é entrevista, enquanto Palin se sai bem frente a uma mídia totalmente hostil, Obama pode ser um grande orador quando tem à frente um teleprompter, mas precisando usar os miolos, justifica a relutância em divulgar suas notas em Harvard.
Tudo isso é o que os americanos estão discutindo sobre a eleição americana, e não, como disse a menina lá em cima, se a madona e a musica pop causa algum impacto político. Isso é conversa de jogadores de videogame com tendências homossexuais.
daniel christino
Diogo: minha fonte foi o NYT. Na matéria o jornal afirma exatamente o que você disse, com um complemento:
Mary Emmons disse a verdade, e provavelmente foi ela quem, com alguma firmeza, demoveu Palin de seguir adiante com a idéia. Mas a coordenadora de campanha de Palin à prefeitura em 1996, e fonte do NYT, Laura Chase, claramente testemunha a disposição dela com livros deste tipo. O que me leva ao outro ponto…
Criacionismo: há a versão light e a hard. A hard é mais fácil de visualizar, mas a light é igualmente perniciosa. É a versão pseudo-científica do design inteligente (DI). Boa parte das instituições criacionistas americanas advogam o ensino do design inteligente nas escolas, COMO SE FOSSE CIÊNCIA. O que Palin acha disso? É ingenuidade, para dizer o mínimo, acreditar que o criacionismo seja apenas um modo de caracterizar a fé de alguém.
Os criacionistas, baseados em conceitos físicos como a entropia e o big-bang, argumentam que a ordem não é “natural” (sem nem mesmo imaginar que ela pode ser emergente) e daí INFEREM a necessidade de um ordenador ou legislador meta-físico (separado mesmo).
A principal briga dos criacionistas/DI é com a teoria da evolução – que os mais espertinhos procuram tachar “evolucionismo” ou “darwinismo” tentando igualar em pólos ideológicos uma discussão essencialmente científica. Os criacionistas/DI argumentam que a teoria tem falhas, “gaps” e, portanto, pode ser falsa. Claro que tem! O problema é que teorias falhas não são, por isso, menos científicas. A safadez criacionista é trabalhar com dois sentidos para o termo “ciência”.
O DI prospera porque defende, para a teoria da evolução, a idéia de que a ciência deva ser sempre uma teoria total da natureza (simples, universal e em acordo com a experiência – o conceito newtoniano de ciência) e como a teoria da evolução não é nada disso, procuram construir uma pseudo-teoria a partir dos buracos que econtram. Mas quando defendem o próprio DI, adotam uma idéia de ciência que é mais pedestre, baseada no “tinkering”, no ajuste cotidiano e progressivo da teoria aos experimentos e evidências. Dessa forma o DI aparece como uma teoria arejada e contemporânea, em sintonia com os problemas epistemológicos mais atuais, enquanto a teoria da evolução fica caracterizada por ser um bloco rígido e impenetrável e os cientistas como ideólogos de uma ciência materialista, mecanicista e moribunda.
Só mesmo quem não entende patavina de ciência pode INFERIR, a partir das falhas de uma teoria, a NECESSIDADE de outra. É um clássico apelo à ingnorância e, em certos casos, tenho certeza, pura malícia.
Aí vem você com “a incerteza deles”, como se elas fossem iguais. A falha em discutir a questão do modo como ela pode e deve ser discutida é um resultado direto da influência ideológica. É esta predisposição em colocar todas as coisas e assuntos no mesmo baú ideológico que torna possível acreditar que determinados livros não devam ser publicados (ou “adequados” para usar o eufemismo da Palin) ou possam estar disponíveis em bibliotecas. É esta predisposição que torna plausível ensinar o DI como se ciência fosse, comparando-o com a teoria da evolução.
Por fim, em relação ao texto da Camile Paglia não esperava de você opinião diferente. Você só consegue ler fenômenos de mídia ou culturais como sintomas e, a partir daí, passar receita sobre o que o Brasil precisa ou não. Um protótipo do alienista machadiano. Apenas tome cuidado: homossexual enrustido é assim mesmo, vê homossexualismo em tudo!!!
Diogo
Daniel, falando sério desta vez:
Essa discussão criacionismo x ciência é algo muito sofisticado para ser feita nas escolas, não achas? Se mesmo entre os cientistas mais conceituados essas coisas não são claras (levando em consideração que você gosta de separar Ciência e Religião e esamoteia o fato de haver muitos cientistas renomados que mantém suas fés religiosas), você vai querer que no highschool ou no nosso ensino fundamental seja levado uma discussão dessas para dentro das salas de aula?
Não sou expert em Ciência, acompanho como leigo e, às vezes, palpiteiro. Mas quanto à religião, conheço alguma coisa por estar, em relações familiares, no meio de duas (judaísmo e cristianismo) e é um assunto que me interessa bastante – ou, em verdade, já interessou. Embora tenho essas influências (que a você são nefastas a qualquer ser humano), não sigo nenhuma das duas. Mas graças a Mário Ferreira dos Santos, acabei levando em consideração a importância das idéias judaico-cristãs na formacão do nosso clico cultural, além, claro, do complexo religioso.
Não gosto de citar livros porque sempre sôa pedante. Por outro lado, não posso deixar de citar pelo menos duas obras do Mário, que seriam interessantes para haver um conflito com o que você pensa – afinal sempre é bom expor nossas idéias à prova – e isto não deixa de ser algo científico, pois é mesmo a essência da Ciência, não é mesmo?
So… here it goes: “O Homem perante ao Infinito” e “a Crise do mundo moderno”, Mário Ferreira dos Santos.
Por outro lado, não vejo problemas em haver aulas de religião ou coisas do tipo, pois queira você ou não, é nosso legado cultural. Ainda assim, temos em contrapartida, a imprensa, as indústrias culturais e até os jogos de videogame fazendo apologia da verdade cientifica big-bangueana, que vale lembrar, cientificamente é tão verdade quanto Deus ter criado o mundo em seis dias e descansado no sétimo.
Mas voltando a Palin, ela é tão somente uma governadora de estado, não uma cientista. É religiosa e tem lá suas convicções, QUAL A PORCARIA DO PROBLEMA? Você acredita que um presidente, ou melhor, uma vice-presidente teria o poder de, sei lá, embargar todos os projetos científicos de um país? A divisão Igreja-Estado foi feita e é irreversível. A mim, tal divisão foi melhor até para a Igreja, já que a disputa de poder mundana é alheia aos seus propósitos mais elementares. No entanto, um cristão não deixa de ser um cidadão e lhe é garantidas a isonomia, junto com a liberdade e, mais importante, o direito à vida. Esta é a tríade que sustenta o Estado – na sua forma democratica, bem entendido! Um Estado só se põe de pé com essas três coisas, que você queira ou não, foram conseguidas graças às lutas religiosas judaico-cristãs. São idéias genuinamente judaico-cristãs.
Quanto à “teoria” da Camille Paglia é uma idiotice incomensurável, Daniel. É simplesmente não saber diferenciar idéias (no sentido filosófico) de uma estratégia de marketing. Vá lá, ser uma leitura sem pretenções numa revista feminina ao lado de uma matéria sobre a nova tendência de cores para a primavera-verão. Mas tomar como uma teoria válida essa coisa da Madona como fenômeno cultural ao invés de meramente mercadológico, principalmente a quem se apega tão fortemente aos conceitos lógicos-científicos, é algo inadimissível, Daniel. Você pretende o quê? Comparar um disco dela com um livro da Simone de Beauvoir? Ou admitir que quando gravou seu primeiro disco tinha, ao invés da idéia de vender discos e ficar milionária, o mesmo propósito que Mary Wollstonecraft? Ou então, quem sabe, ela tenha se inspirado nas idéias da Barbara Leigh Smith, da Betty Friedan?
Comunicação de massa não passa de entretenimento.
Diogo
Só para deixar claro o caso dos livros da Palin:
Palin foi eleita prefeita em 1996. A informação que você postou, lá do NY Times
diz que ela teve um diálogo com uma das companheiras de conselho em 1995 – city council é mais ou menos como a nossa câmara de vereadores, só que funciona como se fossem realmente conselheiros do prefeito e não parlamentares propriamente ditos.
Assim, se Palin opinou sobre o livro “Daddy’s Roommate”, não passou disso: uma mera OPINIÃO. Que ela tenha pensado em banir o livro da biblioteca de Wasilla um ano depois, quando eleita prefeita, já é nada mais do que uma especulação e não fato.
Bem, “Sarah said she didn’t need to read that stuff…”.
Você pode me dizer a mesmíssima coisa sobre os livros do Mário Ferreira dos Santos que te indiquei, Daniel. Seguindo a tua lógica, você teria, então, a pretensão de baní-los das bibliotecas públicas?
daniel christino
Olha Diogo, deixa eu propor uma distinção, ok? Você, como leitor do Mário Ferreira dos Santos, sabe diferenciar uma teoria científica de um dogma religioso. Embora seja possível entendê-los como formas simbólicas enraizadas numa mesma tradição cultural, percebe-se claramente que são coisas distintas que obedecem a critérios de verdade (entre outras coisas) bastante diferentes.
Vamos dizer, para marcar a distinção, que teorias científicas podem ser falseadas e dogmas religiosos não. O que é a mais pura verdade.
Deste modo a teoria do big-bang pode ser substituída ou incluída numa outra teoria – como a teoria inflacionária do universo -, caso ela seja mais consistente ou esteja de acordo com as evidências derivadas da experiência. Vamos ver como a teoria se adapta às descorbertas do LHC. Isso jamais vai acontecer com a natureza divina de Cristo, por exemplo. Deixar de acreditar nisso é deixar de ser cristão.
Acredito que esta diferença seja essencial: a certeza científica fundamenta-se no método e no objeto, a certeza religiosa na relação individual com Deus, para a qual não há prova ou demonstração.
Dito isso a teoria do big-bang está sustentada numa infinidade de dados astrofísicos (medições de radiações de fundo, física dos buracos negros, relatividade) e está aberta ao falseamento, desde que as condições de verdade científicas sejam cumpridas. É algo muito diferente dos dogmas fundamentais da religião.
Onde, então, religião e ciência se encontram? Nas proposições de ambas sobre o mundo ou sobre o homem. Encontram-se lá onde a fé torna-se um fenômeno cognitivo e comportamental. Encontram-se nos debates bizantinos acerca do santo sudário ou do sepulcro do Cristo histórico. Aí há colisão frontal.
Diogo eu também não vejo nenhum problema em haver aulas de religião. O problema é quando usam-se argumentos falaciosos para igualar verdades científicas e religiosas, e resolvem ensinar ciência nas aulas de religião e religião nas aulas de ciência. E é isso que o criacionismo pretende com o DI. Se a Palin quiser acreditar que todo o universo foi criado por um Deus bondoso o problema é dela. Isso é religião. Disfarçar este pressuposto com uma fantasia científica e ensiná-lo nas escolas – como ciência – é safadeza. Infelizmente esta é a agenda dos criacionistas.
Sobre mídia Diogo, comunicação de massa é um termo que caiu no uso comum. Mas rigorosamente falando não significa nada. Porque o conceito de massa não significa nada. Ele perdeu sua heurística. Massa, na acepção clássica do Le Bon, da Teoria Hipodérmica e de Frankfurt, implica a idéia de um indivíduo passivo, atomizado e incapaz de filtrar criticamente os conteúdos dos meios de comunicação. Isso não existe mais. E não estou falando simplesmente da teoria dos dois estágios ou do funcionalismo americano.
Se não existe massa ou manipulação, porque a mídia é relevante? Por conta da pulverização dos processos de construção da identidade. Por conta das modificações na mentalidade das pessoas causadas pelo meios e pelos conteúdos da comunicação. Ressalto apenas uma das várias possibilidades: as noções de espaço e tempo. Em épocas pré-modernas tempo e espaço vividos estavam atrelados ao lugar, ao local. As quatro estações e o dia e a noite eram referências para a jornada de trabalho e as atividades sociais. Agora não. Espaço e tempo estão deslocados do lugar, ganharam autonomia. Que horas são na internet? Em que local estamos? O que é este negócio do virtual? Todas estas coisas estão mudando a maneira como referenciamos nossa identidade. Por isso Madona é importante. Porque ela é uma referência para milhões de mulheres se perguntarem quem são. Longe de imaginar Madonna como uma referência intelectual, ela é um objeto de pesquisa e o estudo do seu impacto como fenômeno de mídia é um modo de esclarecer a mentalidade do mundo contemporâneo. Ela não é referência para se colocar na bibliografia do trabalho, Diogo.
Diogo Chiuso
Não sei qual o seu medo, Daniel. O criacionismo está proibido por lei nas escolas americanas. E aqui no Brasil nem sabemos do que se trata.
Dois pontos são importantes – revisitando nossas desavenças anteriores:
1) Um grande número de cientistas expressam suas crenças em Deus. Nem por isso têm QI’s menores; nem por isso seus experimentos são menos importantes. O teu discurso faz parecer que não há cientista crente e, havendo, são bocós criacionistas. Isto é algo totalmente falso – uma safadez, como você diz.
2) O caráter restritivo da Ciência: ela pode tentar – e conseguir – descrever uma coisa, mas nunca determinar o que é tal coisa. Primeiro porque ela se concentra em fragmentos da realidade, tendo que se apoiar em idéias para especular a realidade na sua plenitude. Aliás, um experimento científico deve partir de uma idéia, de uma representação abstrata da realidade. Ou seja: é complemento, não início, tampouco fim.
Essa é a razão daquela decisão do Supremo sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias. Religiosos defendem que o zigodo já é vida e apoiam-se em experimentos científicos (e muitos cientistas defendem que a vida se dá na concepção). Por outro lado, há teorias de que a vida inicia-se quando há atividade cerebral (não me recordo agora qual o tempo em semanas). Por fim, leva-se ao aplicador das leis essas duas teorias e ele deve julgar considerando que o direito à vida representa o princípio do Estado de Direito. A decisão não poderia ser outra: como há dúvida, preserva-se o embrião, porque destruí-lo restaria a usurpação deste direito fundamental. Discutiu-se o direito à vida, não se seria permitido ou não as pesquisas com células-tronco – aliás esta era a essência da Adin proposta pelo Procurador Geral contrariando o disposto no Art. 5 da lei de biosegurança . Por isso, dizia eu em post passado, que era muito mais do que uma briguinha entre Religião e Ciência, mas a manutenção do Estado de Direito. Ou ainda mais: de um Ciclo Cultural.
Porque não se pode esquecer que deste embate ou cruzamento entre Ciência e Religião, há o indivíduo que sofrerá o impacto das decisões dessas entidades abstratas. No entanto, a Igreja deixou de ser Estado – e está bem à vontade quanto à isso – ela não legisla e nem executa, mas não deixa, por conta da tal separação, de exercer a cidadania que é prerrogativa de um estado democrático. O estado é laico e o que a Igreja (ou o religioso) faz é praticar a isonomia que lhe é legítima.
Mas aí resta perguntar se não estariam querendo alguns cientistas tomar o lugar que a Igreja ocupara na antigüidade quando pretendem que as leis sejam regidas pelos conceitos científicos? Para a resposta deve-se levar em conta que a própria Ciência, assim como a Religião, se baseia na auto-tutela. O que lhe dá, claro o direito de também exercer a isonomia, mas considerando que ela própria admite, como pré-requisito dela mesma, a possibilidade de re-analisar, reproduzir e verificar a confiabilidade dos resultados. Ou seja: é complemento, não início, tampouco fim.
Assim, é claro que o debate ideológico entre Ciência e Religião é saudável e serve como uma espécie de controle a excessos que possam ser cometidos. Num ambiente democrático isto é imprescindível. Entretanto, são partes, não o todo. São complementos, não início, tampouco fim. Nem Ciência, nem Religião podem ser fontes de Direito.
Entretanto, também é prudente considerar que a Religião leva vantagem por ter a moralidade judaico-cristã regendo o que conhecemos por Estado de Direito. A idéia de que o direito à vida é o seu princípio fundamental (afinal, sem vida não há estado), a coloca numa posição privilegiada num debate de idéias. O problema é que há uma predisposição científica para negar as religiões – e, por motivos óbvios, ela não está apta para tanto – além de, em alguns casos, tenta negar este direito fundamental que rege o Estado – também por motivos óbvios, ela não está apta para tanto.
Boa parte do Estado baseia-se na Religião. Isso faz com que, às vezes, pareça que ao cientista resta refundar o estado. Grosso modo, é “A crise no mundo moderno” de que trata o livro do Mário. Mas para ocorrer esta refundação, necessita-se antes destruir o Ciclo Cultural judaico-cristão que é a fundamentação do conceito moderno de democracia e de Estado de Direito.
Jether
“Acredito que esta diferença seja essencial: a certeza científica fundamenta-se no método e no objeto, a certeza religiosa na relação individual com Deus, para a qual não há prova ou demonstração.
Não há prova ou demonstração para os dogmas religiosos, mas também não há para os fundamentos de um tratado científico. E há prova ou demonstração em ambos os casos (partindo dos fundamentos, que não são, claro, provados).
Jether
Diogo, e é bom lembrar que banir livros de uma biblioteca é uma coisa, restringir o acesso de alguns livros nessa biblioteca é outra.
Jether
correção: acesso a
anônimo
Diogo,
Making sure kids have acess to age-inappropriate literature
People protecting children are “fanatics”
(Cheguei nessas páginas através de um link na homepage de Olavo de Carvalho.)
Jether
Making sure kids have acess to age-inappropriate literature!
People protecting children are “fanatics”
(Cheguei nessas páginas através de um link na homepage de Olavo de Carvalho.)
filipe
bom,
depois do primeiro debate entre os presidenciáveis dos eua, parece que o ongueiro obama (o “já perdeu”, segundo diogo) ainda vai dá trabalho pro velhinho-playboy mccain. as sondagens feitas logo após o debate indicaram vantagem pro democrata. mas isso nao vale de nada, como eu já havia tentando demonstrar pro diogo anteriormente.
Marina
O clima aqui ficu pesado.
Mas discordo de vc felipe. Acho que tem muita importancia sim, pq a disputa está voto a voto.
Ví o debate e não entendi como as pesquisas mostram vantagem para o Obama, sendo que ele foi praticamente humilhado. Lia na BBC que os dois foram mediocres em relação à economia, mas o resto todo, Obama apanhou pra valer.
Achava que só a imprensa defendia o Obama. Pelo visto, o eleitorado está com dózinho dele tb.
A quem tem um pouco de bom senso, basta para sacar que McCain é muito mais preparado…
filipe
marina,
não me interessei muito pelo debate. vi tão somente alguns momentos e, por isso, não me atrevo a discutir quem se saiu melhor. a maioria dos críticos norte-americanos, no entanto, não arriscaram apontar a vitória de nenhum dos dois candidatos, sugerindo que a melhor avaliação seria um empate técnico. mas quando leva-se em consideração que grande parte do debate rodeava o tema “política internacional”, o resultado mais esperado seria uma tremenda surra do mccain sobre o obama. isso porque, reconhecidamente, o republicano tem como ponto forte seus longos anos na política – e consequentemente, seu maior entrosamento com o tema – enquanto o democrata, como explorado pelo diogo, traz consigo somente o rótulo de ongueiro.
o que observou-se, porém, foi o obama saindo-se razoavelmente bem (dentro das perspectivas mais pessimistas). essa seria uma das justificativas mais plausíveis pra retomada do democrata nas pesquisas.
talvez vc não tenha acompanhado o início da discussão que começara noutro post do diogo sobre a palin. quando afirmo que esse tipo de análise não vale de nada, no meio desse exageiro todo quis dizer que é inaceitável, ou pelo menos um equívoco tremendo, dizer as coisas que andaram dizendo aqui no garganta sobre as eleições norte-americanas. no meio de muita publicidade e jogo de propagandas populistas, tem um pessoal que se deixa levar por ambos os extremos da competição com uma infantilidade que até surpreende…e quando alguém discorda (sem troca de ofensas pessoais) o que se vê é chi-li-que.
daniel christino
Vamos lá. Comentando a resposta do Diogo, com atraso.
1) A existência de cientistas crentes – tanto quanto de cientistas ateus – tem pouco impacto na relação entre ciência e religião porque, novamente, as condições nas quais estes discursos crêem-se verdadeiros são distintas. Newton usou o cálculo para tentar decifrar o “código” secreto escondido nas escrituras e gerou uma “hipótese” delirante, irrelevante tanto para a religião quanto para a ciência (talvez uma abordagem hermético/mística ainda se ocupe dos cálculos e previsões newtonianas para o juízo final e a vinda do messias, mas seria uma excessão). E sempre será assim, como no caso do criacionismo.
Decisivo é o fato de vários dos cientistas crentes não tentarem justificar sua fé com sua ciência. O ser humano é por demais complexo e a filiação de cientistas a diferentes religiões não constitui prova nenhuma em favor da harmonia entre estes discursos. Não se trata de uma opção científica, mas íntima. E isso não torna as descobertas menos verdadeiras. Nem a fé mais sólida.
2)Neste ponto a coisa fica realmente complicada para mim. Porque não conheço os fundamentos do argumento do Mário Ferreira dos Santos. Preciso que você me esclareça alguns pontos, se e quando der:
a) o que seria “determinar” uma coisa? Pelo que você diz, a ciência não seria capaz de fornecer uma visão de totalidade, de completude e, portanto, de sentido. Concordo. É a essência de sua crise no início do século XX. É quando ela abandona a metafísica newtoniana.
Mas o contrário também é verdadeiro, não? Amplas concepções de mundo, como a religião, tampouco conseguem explicar completamente o que nelas está contido. A religião e o mito são bem capazes de fornecer um sentido para o Ser em sua totalidade, mas são incapazes de explicar suas variações e mudanças em nível específico. Dito de outro modo,o mundo e a natureza estão contidos em Deus, ele os determina, mas no mundo e na natureza não encontramos Deus, ele não explica os fenômenos que necessariamente contém. Daí que muitos cientistas considerem a idéia de Deus uma arbitrariedade, porque raciocinam com o método científico, com o “tinkering” contínuo de teorias específicas.
A Igreja Católica sabe disso. Quando eu dava aulas no Seminário Regional aqui em Goiânia a CNBB promoveu uma reformulação nas matrizes curriculares dos cursos menores de filosofia – são cursos de três anos ministrados como preparação para o estudo da teologia. A principal modificação foi o deslocamento do eixo formativo para a disciplina de antropologia filosófica. Para a CNBB o valor da filosofia na formação confessional encontrava-se na reflexão sobre o homem. Era uma opção pelo humanismo cristão como chave interpretativa da história da filosofia. Eu sempre me perguntava: porque o homem e não o Ser? Porque a antropologia e não a ontologia ou a metafísica? Não sei dizer. Sei apenas que eleger o homem como critério significa promover clara diferenciação com o discurso científico. Porque o critério de verdade da ciência, baseado em evidências racionais e empíricas, é claramente externo à consciência dos sujeitos.
Sabemos pela história das religiões que a noção de divindade já foi bem próxima do homem, tendo uma valência cotidiana evidente. A ciência, num movimento que Weber chamou “desencantamento”, destruiu este tipo de religiosidade elementar. Hoje, como disse Heidegger, os deuses (Deus) abandonaram o mundo. O que significou, para a religião, este mergulho para dentro do homem e para fora da natureza? Como resiste o humanismo cristão a uma teoria neurofisiológica dos processos mentais? Como fica o conceito de alma diante da possibilidade de clonagem? É isso que mais me interessa neste debate.
b) não tenho nada o que opor ao que você diz sobre a importância cultural dos valores cristãos. Só comentários pontuais.
Há, entre os biólogos, a teoria do ciclo vital. Resumidamente, ela advoga que a vida de um organismo começa ao mesmo tempo em que seu ciclo vital, ou seja, na concepção. E há os que defendem a necessidade da diferenciação molecular para caracterizar a vida. Você concorda comigo que este debate, feitos nestes termos, é completamente científico? Que muitos religiosos se apóiam em argumentações científicas para defender sua posição? Mas quem garante que o desenvolvimento da ciência não responderá a esta pergunta futuramente, de modo totalmente independente da opinião religiosa? Qual pode ser a contribuição do saber religioso para esta questão? A religião pode apoiar-se num ou noutro argumento científico, mas não pode refutá-los. Ela não está equipada para isso. Se o debate fosse sobre o valor da vida e não sobre seu início, a religião estaria plenamente justificada e seus argumentos teriam validade total. E não foi isso o que se discutiu, acredito sinceramente.
A ciência não ganhou uma licença do Estado para violar o direito à vida. Embora o PG tenha argumentado nestes termos contra o art.05 da Lei de Biossegurança , o Supremo decidiu, na verdade, que não há esta correlação. A decisão do supremo sinalizou que o direito à vida não estava realmente em jogo no contexto das pesquisas com células-tronco. E acho a decisão correta.
Diogo
Daniel, vamos por partes:
1) Quanto aos cientistas crentes:
a princípio, a religião vive em mutação. Ela não pretende negar o inegável. Além disso, ela não tem nada que se expor cientificamente, provar-se a si mesma ou ter provada alguma coisa. Pois ela não se baseia em efeitos científicos ou coisas materiais, mas, sim, no próprio mistério das coisas imateriais. Daí, a fé é algo intrínseco, nada mais. Então, é uma idiotice querer analisá-la sob a luz científica.
Agora citando você: “…Não se trata de uma opção científica, mas íntima. E isso não torna as descobertas menos verdadeiras.”
Eu não poderia ter escrito nada mais apropriado!
2) O caráter restritivo da Ciência:
tanto Ciência quanto Religião não podem ser consideradas fontes de Direito. Acho que, embora não explicite, você concorda com isso. Nem uma nem outra está habilitada para análises recíprocas e fundamentais. Muito menos fundamentar um Estado. No entanto, haja vista a fundamentação filosófica do Estado de Direito estar baseada em conceitos religiosos, aplica-se à Ciência uma espécie de controle ético partindo de idéias fundamentalmente religiosas. E neste ponto é razoável concluir que a Religião tem um caráter democrático, embora na sua opinião seja totalmente autoritário. Afinal, os fundamentos de liberdade e ampla defesa foram introduzidos no mundo pelas idéias judaico-cristãs.
A partir do momento que você especula se com o desenvolvimento da Ciência não teremos as respostas que afundem de vez a Religião, cai naquela bobagem revolucionária, de que é necessário refundar o Estado (mesmo sendo uma mera hipótese futura e totalmente improvável). Como se uma ou duas descobertas pudessem jogar toda a história da civilização no lixo.
Você sabe que esta idéia não é nova e partiu das tais luzes que pretendiam iluminar as trevas que a civilização sempre esteve bisonhamente embrenhada. Claro, até aparecer um ou dois iluminados para nos esfregar na cara que tudo está errado e só a ciência salva.
Pois bem, tirando um ou dois imbecis, ninguém nega o que a Ciência descobre e apresenta em provas incontestes. No entando, resta a ela seguir este caminho de pesquisas, criando novas tecnologias, entendendo as partes funcionais dos experimentos etc. NUNCA, tentar recriar o Estado fundamentado nela mesma.
3) Quanto ao julgamento no Supremo sobre as células-tronco embrionárias:
talvez você não tenha levado em consideração os fundamentos da sentença do Supremo, Daniel. Decidiu-se que não havia correlação porque não era possível definir quando se inicia uma vida, já que a Adin do procurador-geral baseava-se na teoria da concepção. Ainda assim, o direito à vida foi decisivo para que se admitisse as pesquisas desde que não se destruisse os embriões, o que deixou os cientistas contrariados e nada contentes.
Contudo, mais pareceu uma abstenção do Supremo: “na dúvida, vamos deixar como está. Não seremos acusados de barrar o desenvolvimento científico; tampouco de atentar quanto aos princípios fundamentais da Constituição e do Estado.”
daniel christino
Diogo:
1) “A fé é algo intrínseco, nada mais”. Beleza, concordamos na descrição do objeto, por assim dizer. Concordamos também que ela não precisa se expor a qualquer escrutínio científico. São coisas diferentes, como afirma o velho argumento da metabasis. Isso tudo está bem.
Agora, veja se dá para concordar com isso aqui: religião é a articulação exterior de uma fé interior. É o esboço da divindade e a hermenêutica de seu vigor no mundo. Ela fornece à fé seu objeto. Ela consolida em ritos, normas e valores socialmente reconhecíveis os fundamentos transcendentais intuídos pela relação íntima com o infinito. É a religião que funda a cultura. (politeísta, monoteísta, panteísta, qualquer uma).
Mas o que acontece quando os dois discursos elaboram proposições contrárias sobre os mesmos fenômenos? Precisamente neste ponto a “metabasis” se dilui. Quando a religião elabora uma teoria do homem, por exemplo, mesmo que fale em alma num plano metafísico ela afirma a existência desta alma. Quando faz isso, muitas vezes implica uma noção de existir e uma noção de realidade que extrapola o âmbito subjetivo da fé. Discorre sobre coisas que estão aí, no mundo. Neste ponto, precisamente, acontece o choque.
2) Como disse acima, não se trata de “afundar” a religião. O choque é um fenômeno legítimo da históra da cultura e não uma invenção ideológica para surrupiar os fundamentos da civilização ocidental.
Como eu postei anteriormente, o intellectus fidei, por mais respeito que se possa nutrir por este princípio, não é mais o fundamento da nossa civilização. Ele não é, creio, arquetípico, no sentido grego de “arqué”, ou seja, princípio sempre presente, algo que está no início e ainda vigora, ainda impera e governa. Uma evidência em favor desta minha tese: na segunda metade do século XX a Igreja Católica discutiu, em algumas ordens e círculos teológicos – como os jesuítas, por exemplo – a ruptura da tradição cristã, sua validade. Boa parte deste debate está nas entrelinhas da Fides et Ratio do João Paulo II, que é uma opção clara pelo intellectus fidei . Para mim este é O debate para a religião. E ele continua.
Independente disso, concordo plenamente com a idéia de que nem a religião nem a ciência podem refundar o Estado. Mas a pauta da reflexão religiosa é sobre o vigor de seus fundamentos na cultura. Herdados, sem dúvida, mas até que ponto ativos? Já a ciência possui uma lógica interna ferrenha, e suas descobertas apresentam dilemas para a cultura e o Estado a todo momento. Equacionar esta tensão é uma das tarefas mais importantes do pensamento hoje.