Jogos do Poder

Assisti ontem a “Jogos do Poder”, intitulado originalmente “Charlie Wilson’s War”. O filme de Mike Nichols conta a história real do deputado democrata Charles Wilson e seu papel fundamental no apoio à guerrilha mujaheedin no Afeganistão em sua luta contra a brutal invasão soviética. De forma inédita, Wilson, que era membro do subcomitê no Congresso responsável pelo orçamento da CIA e de outros órgãos de inteligência, conseguiu mobilizar cerca de 300 milhões de dólares convertidos secretamente em armas para os afegãos por meio de uma impensável parceria entre Israel, Egito, Paquistão e Arábia Saudita.

O que torna ainda mais irônico o episódio são os hábitos de Wilson, um admitido farrista e mulherengo, consumidor de cocaína e uísque aos litros. Por suas aventuras, à época de suas articulações pela ajuda ao Afeganistão, ele sofreu um processo de investigação comandado por um promotor chamado Rudolph Giuliani, que acabou não dando em nada porque a única testemunha que afirmava tê-lo visto cheirando, disse que o fato de dera nas Ilhas Caimã, fora da jurisdição da promotoria.

O filme começa com Gust Avrakotos, o agente da CIA – magistralmente interpretado por Philip Seymour Hoffman – responsável pelas operações no Afeganistão tentando contar a Wilson uma história sobre um mestre zen que reflete o ponto de vista do filme e a grande lição sobre a ação americana em outros países, algo fundamental quando um dos temas mais quentes do debate eleitoral americano gira justamente em torno da retirada ou não das tropas do Iraque. Só ao final da história, entretanto, ele a consegue completar. Num pequeno vilarejo, um garoto ganha um cavalo e se rejubila: “que lindo cavalo! Que ótimo!”. Ao que o mestre responde: “Veremos”. Logo, o menino sofre um acidente com o cavalo e machuca severamente a perna, lamentado-se pela desgraça. O mestre zen mais uma vez diz: “veremos.” Uma guerra se instala na região e todas as crianças são recrutadas, menos o menino, pelo problema na perna. O menino fica feliz e o mestre retruca: “veremos”.

Derrotados os soviéticos, enquanto todos comemoravam, Avrakotos era quem dizia: “veremos”. Era hora de apoiar a reconstrução de um Afeganistão arrasado, mas todos os esforços do próprio Wilson foram em vão. Era bem mais fácil conseguir dinheiro para armas. O resultado foi a ascensão dos talibãs ao poder e o resto da história todos conhecemos.

O filme aborda com ironia e visão satírica o enredo verdadeiro de realpolitik. Foi bom apoiar a guerrilha e expulsar os soviéticos? Veremos. Sabe-se lá o que teria acontecido, tivessem eles consolidado seu domínio no Afeganistão? Dali poder-se-ia seguir uma aventura no Iraque, no Irã e sabe-se lá para onde mais. Expulsos os comunistas, pelo outro lado, o caminho nos leva diretamente ao talibã, à Al Qaeda, a Osama Bin Laden e ao 11 de setembro.

Gostei bastante do filme, embora não seja nenhuma obra prima. As interpretações são geniais e os diálogos impagáveis. O melhor, sobretudo, é o final interrogativo: foi bom?