Olha, você vai achar que é arrogância, mas o fato é que eu sei tudo sobre você. Sei que você sempre conversa sobre os livros e filmes da moda para não revelar que gosta mesmo é de carnaval e futebol. Sei o quanto você se esforça para parecer culto na companhia de pseudo-intelectuais, enquanto sua leitura favorita continua sendo Carlos Zéfiro. Sei que você é apenas mais um socialista de piscina, que nunca leu Karl Marx, mas faz questão de repetir chavões como “burguesia” e “justiça social” para agradar aos revoltadinhos de plantão. Aliás, você é burguês e é isso que você quer ser por toda a vida, mas você sempre encontra um vizinho mais rico e mais gordo para achar que o burguês é ele, assim como os mais pobres acham que o burguês é você. Vamos admitir, você não é original, há muitos como você. Há milhões de outros jovens que também adoram viajar só para fazer exatamente o mesmo que fariam em seu país natal. Há milhões de outros jovens que dizem que adoram coisas novas, mas passam a vida inteira fazendo exatamente as mesmas coisas, sem nunca se darem conta de que elas são mais velhas que o papa. Há milhões de outros jovens que dizem que não existe bem e mal, mas ficam putos quando alguém rouba o som do carro deles. Sim, você é relativista, você não acredita em bem e mal, mas, por Deus!, como é mau aquele sujeito que te chamou de burro, como são maus os católicos que não querem que você use camisinha, e como são más todas as pessoas que não compreendem o quanto você é sensível, talentoso e genial. Estou sendo arrogante? Oh, deve ser porque eu também sou muito mau, enquanto você, obviamente, é um poço de bondade. Você daria tudo para que todos tivessem acesso a todos os bens, desde que você não precise trabalhar uma hora a mais para isso. Você daria tudo pela preservação da natureza, desde que não fosse preciso sair nenhum centavo do seu bolso. Você gostaria de curar os leprosos e cuidar dos desamparados, desde que todos te aplaudissem e você pudesse conquistar todas as mulheres por causa da sua benevolência. Tenho de admitir, você é um poço de boas intenções. Você distribui sorrisos e tapinhas nas costas, você é o mais querido da turma, você acata imediatamente a opinião da maioria e a defende com eloqüência, para que todos vejam que você faz parte do grupo. Você é mais do que inteligente, você é legal e gente boa, e é por isso que você é amado. No fundo você morre de medo de discordar da turma e ser isolado, mas graças a Deus, não existe lei que nos obrigue a admitir nossos medos em público.

Mas, para falar a verdade, o que eu mais gosto em você, é a sua elevação espiritual. Você é budista sem saber um mantra de cor, você é católico mas defende o casamento gay, você reza todas as vezes que está doente, mas não faz caridade porque, afinal, você já paga impostos para que o Estado cuide dessa gente inútil. E o melhor de tudo é que você é liberal. Você simpatiza com o casamento aberto, mas não gosta quando sua namorada dá mole para aquele cara malhado que tem um carro mais caro que o seu. Você é completamente adepto do lema “sexo, drogas e rock and roll”, desde que não seja no seu apartamento, porque o síndico já andou reclamando do barulho com seus pais. Você, como um bom leitor de Nietzche, está acima do bem e do mal, mas seria incapaz de roubar um carro, seria incapaz de fazer qualquer coisa que te trouxesse problemas com os pais ou o patrão. Você, no fundo, é um mero cumpridor de normas, e você sabe disso. É por isso que você odeia os verdadeiros transgressores, é por isso que você prega a liberdade, enquanto persegue tacitamente aqueles que não seguem as mesmas regras que você. No fundo você odeia a liberdade, porque todas as vezes que pôde fazer o que queria, você fez merda. Mas é claro que você a defende em público e torce para que as pessoas que a aceitem acabem por fazer as mesmas merdas que você.

Enfim, seu maior prazer é defender justamente as idéias que você nunca vai pôr em prática. Você é apenas mais um tagarela querendo chamar a atenção e ser amado. Você faz jus àquele verso do Renato Russo: “quem fala demais não tem nada a dizer”. Quando Kierkegard disse que foi um demônio que deu aos homens o dom da fala, simplesmente porque queria se divertir, era certamente em pessoas como você que ele estava pensando. E, cá entre nós, acho que esse demônio tem rido muito da sua cara.