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Censura ou Direito Privado?

Vale reproduzir o artigo do Paulo Coelho, esta semana na Folha, a respeito do acordo entre o Rei, a Editora Planeta e o jornalista Paulo César Araújo, do qual resultou a retirada de circulação do livro “Roberto Carlos em Detalhes”.

Não li o livro, fã do Rei que sou, andei folheando o exemplar de uma amiga, e não vi nada de mais que pudesse suscitar mais esta esquisitice de Roberto Carlos. Ao contrário, o trabalho parece resultado de uma investigação aprofundada e cuidadosa, muito longe de um livro sobre as intimidades ou exclusivamente sobre a vida privada do músico. Ao contrário, contém fatos e análises que realmente iluminam de forma interessante muitas de suas composições e a história da MPB. É claro que também fala de coisas privadas, mas isso não é o seu foco.

Como Paulo Coelho, continuarei a comprar e a ouvir seus discos, mas acho despropositada a ação judicial movida. Não questiono a vontade do Rei de preservar sua imagem ou não se expor, mas o método e seu resultado. Que os processasse por calúnia ou danos morais, mas aparentemente a ação não teve nada a ver com isso.

E vocês, o que acham? Que o Paulo Coelho está errado pois se trata de um acordo privado e que, neste sentido, se todas as partes estão felizes, ninguém tem que falar nada? Ou que se trata de uma atitude perigosa por carregar algo de censura e ataque à liberdade de expressão?

Abaixo, para quem não leu, a opinião do nosso mago:

O que é “contexto desfavorável”?

PAULO COELHO

TENHO UMA grande admiração por Roberto Carlos -recentemente, um dos mais importantes programas da BBC Radio me perguntou a lista de cinco discos que eu levaria para uma ilha deserta, e incluí um dos seus. E, apesar dos problemas normais decorrentes de uma relação profissional, tenho um grande respeito pela editora Planeta, que publica minhas obras no Brasil e em vários países de língua espanhola.
Dito isso, é com grande tristeza que leio nos jornais que, na 20ª Vara Criminal da Barra Funda, em São Paulo, os advogados do cantor Roberto Carlos e da editora Planeta fizeram um acordo que prevê a interrupção definitiva da produção e comercialização da biografia não-autorizada “Roberto Carlos em Detalhes”, do jornalista e historiador Paulo Cesar Araújo. O editor diz um disparate para salvar a honra, o cantor não diz nada e o autor fica proibido de dar declarações a respeito. E estamos conversados.
Estamos conversados? Não, não estamos, e tenho autoridade para dizer isso. Tenho autoridade porque, desde que publiquei meu primeiro livro, tenho sido sistematicamente atacado.
Creio que qualquer pessoa em seu juízo normal sabe que, a partir do momento em que sua carreira se torna pública, está exposta a ter sua vida esquadrinhada, suas fotos publicadas, seu trabalho louvado ou enxovalhado pelos críticos. Isso faz parte do jogo e vale para escritores, políticos, músicos, esportistas. Nem sempre essas críticas são justas e, muitas vezes, descambam para ataques pessoais.
Recentemente, um jornalista da mais importante revista brasileira disse que “Paulo Coelho não é apenas mais um mau escritor: seu obscurantismo é nocivo. Não se deve perdoá-lo pelo sucesso”. Não sei o que estava propondo com essa frase, e não me interessa. Poderia alegar que minha honra está sendo atacada, que me acusa de ser um perigo para meu país, que deseja que eu seja preso. Mas vejo essas diatribes com outra ótica: elas fazem parte do jogo. A única coisa que não faz parte do jogo é a calúnia, e, pelo que me consta, isso não foi tema da ação judicial que levou à proibição de “Roberto Carlos em Detalhes”.
Até hoje, desde que publiquei “O Diário de um Mago”, há 20 anos, vi milhares de críticas negativas, mas apenas duas ou três calúnias a meu respeito, graças a Deus. Não me dei ao trabalho de contra-atacar porque não achei que valia a pena, embora me reserve esse direito se algo muito sério acontecer. Recentemente, em um jornal espanhol de primeiríssima linha, simplesmente inventaram uma resposta a uma pergunta a que havia me recusado responder. Claro, enviei uma carta ao diretor, e o jornalista teve que arcar com as conseqüências.
Estou pronto para defender minha honra, mas não vou perder um minuto do meu dia telefonando para um advogado e procurando saber o que faço para defender minha vida privada, já que ela não mais me pertence.
Diz o velho ditado: “Quem está no fogo é para se queimar”. Eu acrescento: Quem está no fogo é para ajudar a fogueira a brilhar mais ainda. Não adianta o meu editor declarar que fez o acordo “porque o contexto era desfavorável”. Ele precisa vir a público explicar qual é esse contexto -ou seja, se estamos falando de calúnia. Neste caso, tem meu apoio integral, pois calúnia é sinônimo de infâmia. Mas, caso contrário, está colaborando para que comece a se criar um sério precedente -a volta da censura.
Roberto Carlos tem muito mais anos na mídia do que eu; já devia ter se acostumado. Continuarei comprando seus discos, mas estou extremamente chocado com sua atitude infantil, como se grande parte das coisas que li na imprensa justificando a razão da “invasão de privacidade” já não fosse mais do que conhecida por todos os seus fãs.
Também continuarei sendo editado pela Planeta, pois temos contratos assinados. Mas insisto: gostaria que minha editora, dinâmica, corajosa, se instalando agora no Brasil, explicasse a todos nós, brasileiros, o que significa esse tal de “contexto desfavorável”.
Desfavorável é fazer acordo a portas fechadas, colocando em risco uma liberdade reconquistada com muito sacrifício depois de ter sido seqüestrada por anos a fio pela ditadura militar.
E não entendo por que você, Paulo Cesar Araújo, “se comprometeu a não fazer, em entrevistas, comentários sobre o conteúdo do livro no que diz respeito à vida pessoal do cantor” (Ilustrada, 28/4). Não é apenas o seu livro, cujo destino foi negociado entre quatro paredes, que está em jogo. É o destino de todos os escritores brasileiros neste momento.
Não sei se vou ter as explicações que pedi. Mas não podia ficar calado, porque isso que aconteceu na 20ª Vara Criminal da Barra Funda me diz respeito, já que desrespeita minha profissão de escritor.
PAULO COELHO , 59, escritor e compositor, é membro da Academia Brasileira de Letras. É autor de, entre outros livros, “O Alquimista” e “A Bruxa de Portobello”.

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9 Comments

  1. Vou começar a ler o artigo agora, mas imagino que o Daniel Christino já o tenha lido, porquanto, segundo nos confessou por email, prefere o Paulo Coelho ao Olavo de Carvalho.
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  2. daniel christino

    E estou vendendo minha edição (intocada) de “O Jardim das Aflições” ou trocando por dois do Paulo Coelho (podem ser repetidos).

  3. O Paulo Coelho está certo num ponto, entrou na roda tem de jogar a capoeira. Mas não sei se devemos chamar o caso de censura, pelo amor de Deus. Censura é uma das manifestações da força arbitrária do Estado contra os indivíduos. O Roberto Carlos não é o Estado, não tem todo esse poder. Ele é, no máximo, o protagonista do tal livro, o personagem central. O Paulo Coelho parece estar tão rico que a questão “dinheiro” lhe foge completamente. Esse Paulo César deve ter tirado uma fortuna dessa história. Se ele maculou sua consciência ao tornar-se um autor venal, o problema é dele. E o tal “contexto desfavorável” se resume a um fato ululante: Roberto Carlos, o biografado, ainda está vivo. Só isso.

    Acho, porém, muito saudável a forma com que o Paulo Coelho encara sua própria situação de eventual alvo da crítica e da mídia. (Embora, claro, isso tenha mudado muuuuito nos últimos anos. Revistas inteiras, como a Época, já tem lhe dado páginas e páginas, numa mesma edição, “apenas” para falar de sua vida, de seu novo livro e, além de incluir um que outro artigo dele no pacote, ainda publicam trechos do tal livro. Isso não me parece uma oposição.) A única saída, conforme ele coloca, é mesmo adquirir uma visão de cima, sem deixar de estar atento a exageros, como este a que se refere, ao do jornalista que, do nada, criou uma resposta a uma pergunta que ele se negou a responder. Só que não sabemos que detalhes foram considerados “exagerados” pelo Roberto Carlos. Vai lá saber onde pesa a consciência do figura. É por essas e outras que sempre acharei mil vezes mais profícuo escrever ficção.

    Outro dado digno de nota é o poder adquirido pelo Paulo Coelho. Poder no sentido de… o cara tá podendo. Imagine, ter uma editora que me publica em vários países e, ainda assim, poder criticá-la na imprensa. Incrível! Eu adoraria essa situação. Embora, por minha natureza diplomática, prefira tratar de certas questões diretamente com os envolvidos e não por intermediários, seja a mídia ou… quem quer que seja. O mercado é a fonte de poder do Coelho e só isso já seria razão bastante para ele parar de elogiar, conforme já vi, políticos e políticas públicas estatistas, grande parte claramente anti-capitalista e anti-mercado, e passar a defender com mais vigor a livre iniciativa, que é quem o mantém. Aliás, é possível que ele nem tenha reparado nessa situação inusitada de ser um escritor brasileiro a criticar abertamente sua editora sem o menor temor de perder este canal. A Hilda Hilst, por exemplo, conforme me contou, uma vez abriu a boca para criticar na imprensa o editor do Caio Fernando Abreu, que também iria publicá-la, e que ela acreditava ter o dever de bancar o Caio na Europa, e acabou ficando com o filme queimado por anos e anos. Por que ela não telefonou ao editor e conversou diretamente com ele? “Ah, não é o meu estilo”, disse-me ela. Preferiu sair falando por aí que o tal editor estava deixando o Caio passando fome em Londres. A Hilda tinha dessas coisas: a amiga bicha escrevia uma carta exagerando suas agruras no estrangeiro, a mulher surtava e botava a boca no trombone. Claro, nenhum editor quis publicá-la por conta deste caso e isso lhe era claramente transmitido: não quero me meter com uma escritora que possa falar mal de mim pelas costas. Dançou, baby. Já o Paulo Coelho… o cara tá podendo!

    Em suma, o problema não é o Roberto Carlos fazer um acordo – um ACORDO, gente! ou vocês acham que ele ameaçou, fechado numa sala, o tal escritor com uma pistola? o cara foi torturado? – problema sim seria um ditadorzinho, isto é, um representante do Estado querer tomar as dores do músico e, se antecipando a ele, mandar proibir o livro. Sim, o Roberto Carlos poderia ter processado o autor da biografia, mas eu, no lugar deste, saberia que um processo certamente me levaria a nocaute – se não pelo lado da consciência ao menos financeiramente. E, sinceramente, é uma situação muito complicada querer ser o dono da verdade diante do personagem principal do livro. Eu diria que o caso se aproxima muito mais da metalinguagem que da censura… (Por isso prefiro escrever ficção: os personagens não processam a gente. Se bem que a idéia é boa…)

    E, para terminar, agradeço a Deus pelo Paulo Coelho pensar como pensa. E imagino que também tenha senso de humor. Caso contrário, teria ele me proposto um acordo ou me processado pela minha singela homenagem?
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  4. Eu troco! Eu troco, Daniel!! Porque não tenho o livro, que li emprestado do Bruno Tolentino lá na casa da Hilda Hilst. (Aliás, emprestado não. Empurrado. O Bruno, com aquele jeitão irônico de ex-professor de Oxford lá dele, chegou com o livro lá na biblioteca e me disse: “durante todo o período que fiquei longe do Brasil, dificilmente se publicou um livro tão importante quanto este”. Como eu não iria estender a mão para reter o dito cujo? Besta é que eu não sou. E tampouco sacana, já que, após a leitura, devolvi o livro.)

    Ah, Daniel, não foi o livro do Bruno que você curtiu pra caramba? “O mundo como idéia”? Pois é, eu sempre leio os livros que meus autores favoritos indicam. Assim, a gente consegue mapear melhor o interior deles. E o nosso, porquanto semelhante atrai semelhante. Bom, você é um acadêmico, né, deve ler só o que o orientador do seu doutorado manda…
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  5. daniel christino

    Eu curti os dois do Bruno. Ainda não li as “Horas de Catarina” mas está na lista.
    Pois é, eu sou um acadêmico. Atualmente, estou lendo só para o doutorado e para o Bruno Costa, porque preciso terminar o que comecei lá atrás, ou seja, minha carreira profissional. Decidi-me pela filosofia na mesma época em que você, se bem me lembro, embasbacado por uma leitura transversal de Nietzsche e Wittgenstein, entoava loas ao irracionalismo. Enquanto você estava – como é mesmo a expressão? – na sua “infância” mental eu já havia decidido o que fazer profissionalmente. Procurei manter-me firme no caminho desde então, o que nem sempre é fácil, como você sabe.

    As pessoas costumam dizer que a academia está podre. Bem, eu não acho. Há sempre uma pitadinha de ressentimento (como esse povo, tãããooo pior do que eu recebe dinheiro do Estado?!?! Absurdo!) neste tipo de discurso. Além do mais, todo mundo dentro da academia já fez esta crítica de que as coisas precisam mudar. A mesma preguiça me dá quando vejo gente criticando a Igreja Católica, dizendo que ela está podre e coisa e tal. Eu chamo isto de “pathos intelectual do desprezo”. Não tenho tempo pra essa gente que despreza como profissão de fé intelectual. Em resumo, não gosto de quem pensa vulgarmente.

    Como vê, confio no meu timming para ler certos tipos de textos e não vou perder meu tempo com o Olavo agora, talvez nunca. Problema meu. Entenda, eu não sou amigo do Olavo, o único motivo que teria para ler seus livros é sua indicação. Ótimo, mas meus próprios planos de leitura – e o doutorado – forçam-me a reduzir ou priorizar meu tempo. Entre minha formação como filósofo e acadêmico e a sua indicação de leitura eu priorizo meu plano de estudos. E isto implica escolhas. Eu escolhi nunca ler Sartre a sério, porque não me interessa. Do mesmo modo, não lerei Olavo de Carvalho, porque ele é irrelevante para minha formação intelectual. É o risco implícito nas minhas escolhas. Você, por outro lado, não lerá Heidegger, porque já tentou e não deu muito certo (tomou o termo presença em sentido literal) e, afinal, ele não tem muito a te dizer.

    Por fim, eu não sou amigo do Bruno Tolentino, não sou amigo do Olavo de Carvalho e também não fui amigo da Hilda Hilst, mas eu sou amigo do Yuri V. Santos e, talvez, não tenha te dado a importância que merece, afinal, você é amigo do Bruno Tolentino, do Olavo de Carvalho e foi muito amigo da Hilda Hilst, logo, deve ser um cara interessante, já que tem tantos amigos importantes. Eu, por outro lado, sou amigo do Paulo Paiva, do Pedro Novaes, do Salvio Juliano, gente comum. Baseado em nossas afiliações, devo ser um cara bastante comum, a não ser pelo fato de conhecer você, que conhece o Bruno Tolentino, o Olavo de Carvalho e conheceu a Hilda Hilst. Por isso, vamos deixar as coisas assim: eu, um cara comum, vou ler coisas comuns, como o Paulo Coelho, Kant, Heidegger e Habermas e você leia as coisas extraordinárias que, certamente, os amigos do Bruno Tolentino, do Olavo de Carvalho e da Hilda Hilst, tem a possibiliade de ler, sendo eles o que são, isto é, amigos do Bruno Tolentino, do Olavo de Carvalho e da Hilda Hilst.

  6. Sabe o que eu acho, Daniel? Que a gente deveria voltar a explorar cavernas juntos, era muito mais interessante naquela época. A gente até salvava a vida um do outro, lembra? (Ou pelo menos pedíamos socorro um ao outro.)

    Ei, este não era um post surreal que misturava Roberto Carlos e Paulo Coelho? Aposto que fui eu quem começou esse desvio. Ah, esse ferrãozinho…
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  7. Paulo Paiva

    Pô Daniel, já que vc e o Yuri estão de pirraça um com o outro, vende o livro pra mim!

  8. Relendo o que eu disse, vejo que o Daniel, ao perder a paciência, deixou de lado uma boa oportunidade de me dar uma ótima resposta, qual seria: “Yuri, você lê o livro que seu orientador informal lhe ‘empurra’ e eu leio os livros que meu orientador formal me ‘empurra’. E estamos quites.”
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  9. daniel christino

    Este é o Yuri que eu conheço!! Não só responde às minhas provocações como responde por mim (e avalia a qualidade da resposta) às suas próprias provocações. Dizem que o escorpião tem mesmo esse hábito de ferrar-se a si mesmo. Ah, esse ferrãozinho…

    Aliás, tempos atrás eu postei um texto do Graciliano bem a propósito de orientadores e orientações. Eis aí: http://blog.karaloka.net/2007/03/04/linhas-tortas/

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