Qualquer um que tenha, digamos, a ousadia de – após a publicação de seu primeiro livro – se auto-intitular escritor – eu por exemplo – não pode senão ficar envergonhado diante da informação de que Georges Simenon escreveu, ao todo, “75 romances e 28 contos com seu mais célebre personagem (Maigret), além de 120 romances psicológicos, 200 romances populares, alguns livros de memórias e inúmeros artigos jornal”. E o pior é que o cara recebeu a maior consideração da parte de seus colegas:

“Simenon é um grande romancista, o maior e o mais verdadeiro da literatura francesa contemporânea.” (André Gide)

“Simenon nunca se repete. A força de sua imaginação é prodigiosa. Constrói os romances com segurança magistral.” (Otto Maria Carpeaux)

“Eu não acreditava que alguém pudesse ser, ao mesmo tempo, tão popular e tão bom.” (Henry Miller)

“Mestre da profundidade, Simenon é dono de um estilo simples. É um escritor totalmente à vontade com a realidade e a ficção, com a paixão e a razão. Acima de tudo, ele inspira essa confiança que os leitores dedicam aos romancistas que veneram.” (John Le Carré)

E tudo isso me lembra as broncas que a Hilda Hilst dava em nós, seus amigos, cada vez que tentávamos estimulá-la a voltar a escrever: “Não! Não!! Chega!!! Eu já escrevi quarenta livros!!!! Ouviu?! Quarenta!!!!”
Tudo bem, sempre se poderia dizer que cada um dos livros dela vale, em densidade, cinco dos do Simenon. Mas aí ela teria escrito “apenas” 200 livros… Ei, por favor, não estou tentando resumir a arte literária à quantidade, estou apenas tentando entender a disciplina do cara, sua capacidade de organização e de uso do tempo. Será que o Simenon teve tempo de namorar, de procriar? Será que ele escrevia até no banheiro? Sei, por exemplo, que ele não terminou sequer o secundário. Imagino que, enquanto os outros decoravam o RRACOFAGE (Reino – Ramo – Classe – Ordem – Família – Gênero e Espécie), ele escrevia livros. Tinha 17 anos de idade quando escreveu seu primeiro romance…