Já que enveredamos pelo tema da amizade, acho que cabe acrescentar esse texto que escrevi há algum tempo:

“Meus amigos são o que me dá certeza da existência de Deus. Pensem nele como quiserem: como um velho senhor de barba sentado em seu trono, como várias figuras que encarnam várias faces do divino, como o poder da natureza, como uma inteligência que a tudo envolve e de que cada coisa, incluindo nós mesmos, somos manifestações. Pouco importa.

O certo é que, para mim, a prova mais concreta da Sua existência é o exercício da amizade e de seu gostar descompromissado e desinteressado. É essa sólida força que nos une na celebração da vida: em torno da mesa, à frente de uma garrafa de vinho ou conhaque, no flanco de uma montanha, contemplando encantados a vasta paisagem e nossa pequenez (cujo sentimento conseqüente de solidão se abranda exatamente pelo elo que nos conecta ao companheiro de cordada), numa tarde preguiçosa de conversa diante do mar; ou mesmo na tristeza comum diante das injustiças e das desgraças perpetradas pela maldade que nos cerca – mais uma vez, o elo que nos une abranda a solidão e o desespero.

Não há ceticismo que possa resistir diante do eloqüente apelo da amizade. Não há maldade que perdure, não há desespero possível enquanto nos fiarmos em seu poder. A amizade é exercício cotidiano de abertura e entrega ao outro, único caminho possível para nos libertarmos e nos redimirmos.

Amizade é construção compartilhada da liberdade mútua e coletiva, pois só a entrega ao outro me liberta. Seu oposto, seu não-exercício, é desmoronar-se para dentro de si mesmo, para o buraco negro de nosso umbigo. É regressão, em última instância, ao narcisismo do útero materno.

São meus amigos, portanto, que me libertam e me dão prova da existência de Deus. Essa leve e ao mesmo tempo densa força que nos une não é humana. É evidência de nossa conexão com algo muito maior e transcendente.

Deus me tem sido generoso. Meus amigos são do melhor quilate. Alguns próximos fisicamente, outros distantes e sempre saudosos. A maioria viva, alguns já mortos, mas ainda muito presentes. Todos fundamental e integralmente prova de que o bem vale à pena.”