Visão de 270 graus: as ilhas, um vão – através do qual o imenso Atlântico se revela para além de um farol – a longa restinga, a vasta Serra do Mar em sucessivas camadas de montanhas – do preto ao cinza embaçado. Contra esse céu largo, o vôo de um biguá solitário, o mar, o mar, o mar e a luz amarela densa desse fim de dia deixando mais existentes as madeiras desse barco que singra as águas dessa baía, cortando esse ar frio e intenso. E essa mulher de sombrancelhas grossas do outro lado do convés me instilando sentimentos e fantasias de me largar no mundo, sem tempo, nem dia.

Por que essas Serras chamam meus pés? Dou um largo passo, cruzo essa Baía e piso a cordilheira de Mata Atlântica. Mergulho nessas águas frias e, sorrateiro, me arrasto languidamente pelas areias quentes das ilhas, deixando meu corpo derreter entre a sílica, as conchas de todos os tempos e o madeirame apodrecido de um barco ancião – seus ossos, seus ossos, seus ossos.Cheirando a maresia, de sal impregnado, caminho pela longa solidão ventosa dessa Barra do Superagüi e seus intemináveis cordões de areia, a um só tempo tristes e suspirantes e eternos. Essas cansadas árvores dobradas e o vento que as envolve – são elas que conformam esse vento que vem do passodo, que é o passado. Essas praias cinzentas são o passado.

E se o tempo se fecha e a gelada chuva do oceano cai, ela cai para sempre. E eu, mais sozinho do que nunca, dou forma a essas ondas que estão congeladas no vão entre a despedida e a dor que dobra todos os cabos do mundo, essas esquinas da desesperança, onde as tempestades assinalam o meio do caminho entre nossa casa e o nada, e onde o vento açoitante me lembra sempre de uma velha fotografia amarelada onde eu e você sorríamos abraçados num tempo em que éramos felizes.

Baía de Guaraqueçaba, Julho de 2005.