Sigo lendo O Valor do Amanhã, do economista Eduardo Giannetti. Subintitulado “Ensaio sobre a Natureza dos Juros”, o livro está longe de ser uma obra meramente econômica. É filosofia. Como mostra ele, os juros financeiros são apenas uma faceta menor de um fenômeno inscrito na natureza darwiniana da vida e em nosso código genético: as trocas intertemporais – desfrutar agora custa, esperar rende.

Para os animais, a natureza destas trocas intertemporais é definida no processo de evolução e seleção natural – como a árvore que aprende a perder folhas e sofrer uma série de mudanças fisiológicas, de modo a que sua poupança energética seja suficiente para passar os rigores do inverno.

Para nós humanos, estas trocas, moldadas por nossa mortalidade e pelo ciclo da vida – infância, juventude, maturidade e velhice – adquirem o caráter de escolha, pois, em larga medida, não estão dadas de antemão: “colocar mais vida em nossos anos ou mais anos em nossa vida?”, sintetiza o autor.

O resultado é uma reflexão das mais interessantes sobre questões existenciais fundamentais.

Por ora, reproduzo um intrigante “paradoxo darwiniano” mencionado no livro que, de certa maneira, lança luz sobre a futilidade de alguns de nossos esforços.

Segundo Giannetti, experimentos permitem demonstrar que, ao longo do tempo, numa dada população, o código genético de indivíduos que envelhecem e morrem se tornaria preponderante em relação àquele de hipotéticos indivíduos imunes ao envelhecimento e cujas vidas, portanto, se prolongariam indefinidamente.

“Suponha o seguinte estado de natureza: um ambiente não restritivo (ausência de mortes por causas externas) em que vive uma população mortal porém imune à senescência (a probabilidade de morte por causas internas e a fecundidade dos indivíduos se mantêm constantes da maturidade fisiológica até o fim da vida). Eis que uma variação genética introduz uma característica nova em alguns membros dessa população: surge o trade off entre juventude e senescência. Os indivíduos do grupo que sofreu a mutação redobram sua capacidade de sobrevivência e aptidão reprodutiva no curto prazo, ou seja, no princípio da vida madura, mas ao custo de uma perda equivalente de vigor reprodutivo e vitalidade nos anos finais da jornada.

Como evolui uma espécie assim constituída? É possível demonstrar que, mesmo num ambiente não restritivo, a intensificação da fecundidade no início da vida madura levará essa variação genética a prevalecer com o tempo no conjunto da população. Os filhos dos que se reproduzem em maior número mais cedo serão mais numerosos em sua faixa etária e, por sua vez, procriarão mais cedo que os filhos dos pais que preservam a fecundidade uniforme ao longo da vida. Depois de um número variável de gerações (determinado pelos parâmetros usados) ao longo do qual o efeito da antecipação da fecundidade se compõe por retroalimentação positiva, o trade off da senescência dominará o genoma da população.

Supondo agora que o ambiente seja ou por algum motivo se torne restritivo (existe um risco real de morte por acidentes, epidemias, fome, maremotos etc.), o tempo necessário para o novo equilíbrio será ainda menor. A maior probabilidade de morte prematura por causas externas reforçará os benefícios da juventude (“viver agora”) e reduzirá os custos da senescência (“pagar depois”), dado que as debilidades da velhice se tornarão um ônus apenas virtual para todos os que perecerem antes de sua chegada. Antecipar compensa: a relação custo benefício do trade off é amplamente positiva do ponto de vista evolutivo. Se a criança é o pai do adulto, a velhice é filha da juventude.”

Dá o que pensar, não? Afinal, todo o esforço da Engenharia Genética e da Medicina, em grande medida, se vinculam, explicitamente ou não, à utopia da imortalidade.