Nesse final de semana, conversei por um bom tempo com a Andréa Leão e o Paulo Paiva sobre Auster, DeLillo, Pynchon e seus romances noiados. Depois, em casa, reli o ótimo ensaio do Martim Vasques da Cunha, O Triunfo da paranóia. Foi a cereja daquela conversa. Em meio à sua análise sobre Pynchon, ele cita este trecho duma palestra de Eric Voegelin:

“A alienação e a paranóia não são apenas problemas individuais, mas eles dominam a cena contemporânea na forma de várias ideologias, que sempre tentam perseguir alguém, ou sentem-se perseguidas por alguém, ou ambos os casos. E foi nesta ocasião que eu me deparei com o problema da paranóia no sentido teorético, o que não havia ficado claro para mim antes, porque a paranóia é geralmente tratada pelos psicopatologistas. Mas isto não é um problema, uma vez que se você tem várias pessoas em um estado paranóico (em termos práticos), isto é mais do que o caso de um paciente com uma psicopatalogista. Há alguma estrutura fundamental da consciência envolvida nesta situação.

E a estrutura fundamental envolvida – eu fui guiado por Thomas Pynchon nisso – está associada ao problema geral das ideologias como concepções de ordem na história, nas quais você deve inserir uma determinada natureza. Agora, de onde vêm estas idéias como uma ordem da história – com um rumo determinado, indo para um fim preciso -, senão de certos contextos filosóficos e cristãos, em que um criador que faz um mundo e está a par do que este mundo está fazendo? Ele tem Providência, ele tem a pronoia. (Geralmente eu lido este problema chamado-o de pronoia, logo o seu contrário é a paranoia). E se você tem a concepção da pronoia e esta concepção é pervertida no sentido em que é imaginada como um conhecimento humano das coisas, e não como um conhecimento divino (como foi analisado por Boécio no último livro de “As Consolações da Filosofia”), você tem a alienação de um estado imanente. Você ainda acredita na pronoia, na providência, apenas para admitir que a providência é suprida pelos seres humanos; e, se for necessário, para defender-se contra a pronoia dos seres humanos, você tem de criar um contra-ataque, e criar a sua própria pronoia em oposição à das pessoas que estão, aparentemente, te perseguindo.

Então eu diria que há um íntima conexão entre as experiências da providência pervertida e as concepções de ser perseguido por alguém, seja lá quem for: os burgueses para um Marxista; os comunistas para um burguês; ou a CIA ou as companhias de petróleo para um esquerdista; e por aí vai – todas essas concepções de perseguição são perversões do conceito de pronoia, produzindo então uma reação paranóica. E estas reações paranóicas são, em “Gravity´s Rainbow”, de Pynchon, narradas de forma detalhada. Pode-se dizer que não se deixou nada de fora em suas descrições.

E é um insight. Não é apenas uma interpretação de um romance de Pynchon, mas ele sabe disso: ele fala daquelas pessoas que estão num estado de paranóia como se fossem “vítimas de um vácuo” – sendo este vácuo o vazio espiritual e intelectual, a perda de tensão em direção ao Além. E esta perda de tensão nos leva ao seguinte problema: como ninguém pode viver em um vácuo, ele deve ser preenchido com alguma espécie de realidade; e se não é a verdadeira realidade, você tem as segundas realidades. O termo “Segunda Realidade” não é uma invenção minha, mas foi desenvolvido pelos grandes romancistas do século XX como Heimito von Doderer em seu “Os Demônios” e Robert Musil em “O Homem Sem Qualidades”. Assim, a Segunda Realidade é a realidade substituída pela qual você imagina se a verdadeira realidade está em um estado de alienação. Agora, o que está por trás de todo este estado de alienação? O que está por trás, é claro, é um ser extirpado de um contexto em que a vida tem um sentido” (Eric Voegelin, “Structures of Consciousness”).