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Jean-Nõel Jeanneney e o Google Books

Concordo com Jean-Nõel Jeanneney, diretor da Biblioteca Nacional da França, quando afirma que a difusão de livros pela Internet será uma revolução tão grande quanto a da invenção da imprensa. Mas esse papo de que o Estado precisa controlar o processo não me dá nem raiva mais, me dá é preguiça. Diz ele:

“O livro [Quando o Google Desafia a Europa: Em Defesa de uma Reação] foi conseqüência de um artigo que escrevi no Le Monde no início de 2005, logo após o anúncio do Google [Google Books]. É claro que é bom ter acesso à informação, mas é preciso que seu controle não fique só com uma empresa, que seu financiamento não se dê só pela publicidade e que essa grande quantidade de informação seja ordenada. Não se pode deixar a cultura e a difusão da língua só nas mãos do mercado. Quem é a favor dessa liberdade absoluta acha que tudo se resolverá se não houver controle, mas posso afirmar, como historiador, que não é isso que acontece.”


Sim, não é bom que fique nas mãos de uma única empresa. Mas ninguém disse que outra companhia, a Microsoft, por exemplo, não pode tentar lançar um mecanismo concorrente. O Google Books (lançado como Google Print) foi o pioneiro com seu mecanismo de busca de livros digitalizados, e ser o pioneiro em algo, a princípio, não é monopólio. E, sim, só o mercado poderá decidir qual forma de difusão digital de livros é a mais eficiente, simplesmente porque quem manda no mercado é o consumidor. Dizer que o mercado privilegia bobagens, no caso, bestsellers, não é senão dizer que há mais gente interessada em bobagens que nos livros do Mário Ferreira dos Santos, o que é a pura e inegável realidade. Ora, isto é da natureza humana, a base da pirâmide é sempre mais larga mesmo, ninguém deve obrigar ninguém a ler algo apenas porque um demiurgo qualquer afirmou que tal leitura é superior. Sem falar que a elite cultural é, sempre foi e sempre será uma minoria. Mário Ferreira dos Santos não é pra qualquer bico. E isto tampouco significa, por ser um autor para poucos, que ficará de fora. Todo dono de editora sabe que só se consegue imprimir um exemplar de Machado de Assis caso venda antes uma bacia de livros de auto-ajuda. Não adianta tentar mudar o ser humano de fora pra dentro.

E mais, recursos não brotam em árvores: se não é por publicidade, como monsieur Jeanneney pretende que esses livros fiquem disponíveis livremente? Somente para quem puder pagar uma assinatura? Não, ele jamais diria isso. Porque deve acreditar que tudo deveria ser bancado com dinheiro público, o que, em outras palavras, não significa senão ineficiência, desvio de recursos e, obviamente, controle arbitrário do conteúdo. Afinal, o que ele quer dizer com esse “ordenamento da informação”? Censura, provavelmente. Porque qual ordenamento seria melhor que o presente, através do qual qualquer um encontra, por meio de palavras-chave, todos os livros catalogados que a elas correspondam? Jeanneney é apenas mais um estatista inimigo da liberdade individual, um figura que não confia na capacidade que cada um tem de encontrar exatamente aquele livro que quer ler. Se o querer da pessoa volta-se para Paulo Coelho e não para Guimarães Rosa, e daí? Que cada qual decida por si mesmo o que fazer com seu tempo.

E esse papo de que as línguas e culturas minoritárias estão ameaçadas diante dessa tecnologia, cuja base é a língua inglesa, não passa duma frescura de quem não tem peito pra encarar as coisas tais quais são: culturas e línguas são seres vivos e, no mundo dos seres vivos, os mais fortes engolem mesmo os mais fracos. Sempre foi assim, a tecnologia apenas pode acelerar o processo. Aliás, o Google Books permite que qualquer um contribua com seus próprios livros. Logo, se você é um nativo dos confins da amazônia cuja língua só é falada por cinco pessoas, escreva uma gramática e a distribua no Google, você pode fazer isso. Infelizmente o poder de significação duma língua não é garantia suficiente para que ela sobreviva às demais. É preciso que seja falada por uma grande quantidade de pessoas. Considera-se que o chinês será, juntamente com o espanhol e o árabe, uma das línguas do futuro. Isto, claro, se um asteróide não cair sobre a China antes. Se não cair, talvez até não precisemos aprender o mandarim, mas teremos de saber ler ideogramas, que, felizmente, podem ser lidos em qualquer língua.

Quanto aos direitos autorais, concordo, é preciso que haja proteção, muito embora seja esse um campo problemático na internet. Nenhum governo, nenhuma empresa jamais conseguirá monitorar toda a atividade pirata nesse meio. Mas já está provado que a veiculação de livros digitais alavanca a venda de livros impressos, sendo estes muito mais fáceis de se fiscalizar. Na web, por enquanto, um mínimo de proteção – isto é, a garantia da atribuição da obra a um autor – já está passando de bom. Eu, por exemplo, não sairia arrancando os cabelos se descobrisse que andam imprimindo meu ebook em algum xerox de universidade, mas aprontaria um escarcéu dos diabos se descobrisse que cada cópia traz o nome dum outro autor.

No demais, concordo com monsieur Jeanneney:

“Livros novos têm um odor particular, que faz parte do prazer da leitura. Hoje em dia leio tanto na tela do computador quanto o livro físico. Quando quero uma informação técnica, rápida, vou para a tela, mas se é por prazer, nada se compara ao livro de papel.”

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3 Comments

  1. daniel christino

    O Google não é pioneiro nisso não Yuri. Muito antes dele a Amazon colocou em teste um “search engine” para textos completos ou trechos do seu acervo de livros. Chamava-se A9, mas era necessário cadastrar-se na loja para poder usar. Não sei o que foi feito dele.

  2. Sim, antes do Google Print, eu me cadastrei e usei o A9. E realmente os resultados só apontavam trechos de livros à venda no site. Qualquer conteúdo com barreiras e bloqueios é rejeitado pela grande maioria dos internautas. É como querer fazer trekking num Parque Nacional e ficar ouvindo o guia pentelho “aí vc não pode ir, isso não pode fazer, nem isso”. Um saco. Por isso digo: a Google é pioneira sim ao ter a grande idéia de digitalizar bibliotecas inteiras e não apenas os livros duma livraria online. Acompanho essa onda de eBooks e livros digitalizados desde 1998, quando editei meu próprio livro e também outro da Hilda Hilst, distribuindo-os na falecida eBooksBrasil.com. Vi montes e montes de sites, softwares e aparelhos surgirem e sumirem. Meu livro foi editado em vários formatos, tais como RocketBook, Microsoft Reader, Pdf, EbookEditPro, etc. Contudo, um site com ebooks para download era literalmente uma caixinha de surpresas. Como os livros eram organizados por tipo de programa leitor, ficava muito difícil saber do que tratavam apenas pelo título. Um mecanismo como o A9 até poderia ajudar dentro dum site assim. Mas ninguém, fora a Google, foi capaz de pensar grande o suficiente a ponto de imaginar a digitalização de bibliotecas inteiras. Pioneirismo não é apenas ser o primeiro a tentar, mas ser o primeiro a fazer acontecer.
    {}’s

  3. daniel christino

    Os projetos de digitalização de bibliotecas também são antigos. Acho que a inteligência do Google é típica do mundo dos negócios: entender a necessidade das pessoas e convergir serviços inicialmente espalhados. A enciclopéida católica, por exemplo, já disponibiliza, há tempos, textos completos dos pensadores da Igreja. O Google apenas centralizou e, em certa medida, ampliou a oferta, fazendo suas próprias digitalizações. Mesmo assim, eu não leria um texto de Santo Agostinho traduzido por qualquer um. Há também a questão da fidedignidade das traduções. Mas concordo com o princípio que anima o post: conhecimento deve circular livre de tutela, seja ela privada ou estatal.

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