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Vitor Negrete morre no Everest

Vitor
Morreu ontem no Monte Everest (8.848 m), o montanhista brasileiro Vitor Negrete, 38. Um dos mais preparados escaladores do país, Vitor acabara de entrar para o seleto grupo dos que sobem a montanha mais alta do planeta sem o uso de oxigênio suplementar. Ele faleceu na descida, próximo dos 8.300 metros, provavelmente em função de esgotamente físico e das consequências fisiológicas do mal agudo de montanha.

Esta era sua segunda investida no Everest junto com o companheiro Rodrigo Rainieri. No ano passado, Negrete se tornara o terceiro brasileiro a chegar ao cume da montanha mais alta do planeta, depois de Valdemar Niclevicz e Mozart Catão. Em 2005, entretanto, diante do mal tempo e de sua própria condição física, Negrete se vira obrigado a abandonar o plano da escalada sem oxigênio suplementar. Rodrigo desistiu cerca de 100 metros abaixo do cume. Os dois escaladores foram ainda os primeiros brasileiros a escalarem a temida Face Sul do Aconcágua (6.962 m), montanha mais alta das Américas, na Argentina. A mesma Face Sul que guarda os corpos de outros três brasileiros – Mozart Catão, Othon Leonardos e Alexandre Oliveira – tragados por uma avalanche em janeiro de 1998, mesma temporada em que tentei a Via Normal do outro lado desta mesma montanha.

Fato é que cerca de 75% dos acidentes e mortes em montanhas acontecem durante as descidas. Os motivos são diversos: cansaço, atitude mental de relaxamento após a conquista, o mau tempo que é mais comum nos finais de dia, etc.

Seria impossível e leviano avaliar o que aconteceu com Vitor, como é leviano, para qualquer um que não esteve lá, fazer afirmações públicas sobre causas ou culpas na morte de qualquer montanhista. Diferentemente do ano passado, a temporada pré-monçônica deste ano está excepcionalmente boa no Everest, com clima bastante comportado. Ainda assim, sete montanhistas já morreram nesta temporada. A média no Everest é hoje de 5,6 mortes por ano. A contabilidade até 2004 registra 186 mortes. No pior ano na montanha, 1996, 15 montanhistas faleceram. Esta tragédia está registrada nos célebres livros “No Ar Rarefeito”, de Jon Krakauer, e “A Escalada”, de Anatoli Boukreev.

O Everest já registra mais de 2.000 ascensões, mas destas apenas cerca de 120 sem o uso de oxigênio suplementar, o que coloca Negrete, a despeito de sua morte trágica e precoce, numa seleta galeria de montanhistas.

Vitor deixa esposa e dois filhos, Leon, com dois anos, e Davi, de apenas nove meses.

Nós, que aqui ficamos, prestamos nossa homenagem e respeito, e seguimos nos perguntando o que diabos nos leva a escalar montanhas?

Vá com Deus, Vitor.

Há uma matéria sobre o assunto na Folha Online, um release na Webventure e a notícia no MountEverest.net. Aqui a página da Try On Go Outside Everest Expedition.

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3 Comments

  1. Meu, depois de quase dançar a 5060m no Tungurahua e a 5800m no Cotopaxi, creio que tomei a decisão certa: agora só trekking. Montanha? Vou até o acampamento base. E isto sem sequer ser casado e ter filhos. Eu subi minhas montanhas para superar a mim mesmo. E acho que, nesse aspecto de autocontrole físico e emocional, encontrei meus limites e botei meu dedão para além deles: missão cumprida. Quando vi que continuar seria apenas tentar superar ou igualar a outros malucos, deixei isso de lado. Para quê? A melhor vitória é a vitória sobre si mesmo. Querer e saber, já dizia Francisco de Assis, é poder um vez. Querer, saber, poder e se abster, é ter duas vezes o poder. Enfim, viver aqui embaixo já é muito perigoso. Principalmente quando há mais gente com a gente. Que o diga o Amyr Klink e sua tripulação naquela “nau da porrada” que circulou o pólo. Atravessar o Atlântico sozinho foi fácil. Ficar congelado sozinho na Antártida foi fácil. Difícil é o relacionamento com outros humanos, com esses nossos irmãos que não têm consciência de serem nossos irmãos. É essa “montanha” que a gente deve aprender a escalar. As outras, nevadas ou não, são apenas uma fase inicial a ser guardada na biografia como símbolo e arquétipo duma escalada maior, a escalada da vida no dia a dia, e ainda além. Sim, vá com Deus, Vítor. Neguinho com essa coragem pode ser muito últil no próximo andar…

  2. Dizem que a morte gloriosa para os guerreiros só é aquela que vem durante a luta, no campo de batalha!
    Não é a primeira vez nessa semana que tenho notícias do Everest e seus guerreiros!
    Noutro dia, a tv neozelandesa homenageava efusivamente o kiwi Mark Inglis e sua conquista: ele escalou o Everest, mesmo tendo perdido as duas pernas num acidente no Monte Cook em 1982!
    Entre vivos e mortos, ganhamos nós com gente desse quilate! Muitos aplausos pros dois e meus respeitos à montanha!

  3. Ontem assisti, no Fantástico, aos últimos vídeos-diários do Negrete. Não é por nada não, mas o cara vacilou feeeeeio. No último acampamento antes do ataque ao cume, o cara diz que os únicos probleminhas que está a enfrentar são a gripe e uma sensação incômoda no pulmão. Meu Deus!! Uma gripe e um pequeno incômodo no pulmão, a mais de oito mil metros, e sem cilindros de oxigênio, não são probleminhas. Quando eu estava no Cotopaxi, na primeira tentativa de escalada, e disse ao guia que estava bem, que só estava tossindo um pouco, ele me interrompeu: “Tossir um pouco, a mais de 5800 metros não é só tossir um pouco. Desta vez vc não vai…” Fiquei puto naquele dia, mas a gravação do Negrete mostra a realidade dura, nua e crua: qualquer um pode tornar-se um desses corpos congelados que enfeitam as vias das altas montanhas. É uma pena, mas a falta dum super-ego deixou o cara embarcar numa onda erradíssima. Como diz o velho adágio das montanhas: “elas sempre estarão ali, por que a pressa?” Foi impressionate ver o Negrete com uma estalactite de gelo pendurada no nariz, em pleno cume, dedicar sua conquista a mil e uma pessoas amadas e depois partir pro lado de lá. Ali, ele parecia muito calmo, apesar “do cansaço e do mal estar”, isto é, um eufemismo para muuuuuito doente. Que essas imagens sirvam de lição a outros que, como diria minha avó camponesa, têm mania de “pulá o corguinho”…

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