Neste final de semana assisti ao ótimo “O Cachorro” (“El perro”), filme do argentino Carlos Sorin, diretor do também muito bom
“Histórias Mínimas”. Trata-se da história – quase um filme infantil – de um aposentado solitário, cuja vida muda quando ganha um cachorro de raça que começa a ser premiado em exposições. O Cachorro tem a mesma característica de muitos dos melhores filmes do cinema contemporâneo argentino: a capacidade de extrair profundidade de histórias muito simples e, de forma conectada a isso, a sutil maestria de contar histórias muito humanas sem decair para o lacrimogêneo, para o sentimentalismo barato e para as emoções fáceis. Vejo este traço comum em vários filmes recentes muitos bons como o próprio “Histórias Mínimas”, “O Filho da Noiva”, “Lugares Comuns”, “Cleópatra” e “Kamchatka”, entre outros.

Sorin especificamente tem uma queda e um dom especial para apresentar personagens humildes e comuns. Juan Villegas, personagem humano principal deste “O Cachorro”, interpretado por um não-ator (??), Juan Villegas (!), com seu rosto indígena e sorriso onipresente, apavora em sua bondade, humildade e fragilidade diante da torpeza do mundo. O êxito na aposta em um trabalho com atores não-profissionais tem como resultado um hiperrealismo de arrepiar. É incômoda a força do realismo que o filme passa. A sensação, para mim, foi a mesma que tive em “Contra Todos”, filme brasileiro de Roberto Moreira, cujo excepcional trabalho de preparação de elenco, realizada por Sérgio Penna, faz o espectador se sentir invadindo a sala de estar alheia numa terça-feira qualquer.

Tenho cá a hipótese de que essa capacidade para a sutileza no contar histórias seja algo enraizado em diferenças culturais, tendo em vista o fato de que, aparentemente, essa é uma capacidade que poucos cineastas brasileiros demonstram. Ao contrário, a maioria dos bons filmes brasileiros contemporâneos tem como traço que os une o estilo “porrada na cara do espectador”: realidade nua, crua, pulsante, intestinal e sanguínea. Vide “Cidade de Deus”, o próprio “Contra Todos”, “Abril Despedaçado”, “Madame Satã”, “Lavoura Arcaica (este, entretanto, numa nota um pouco diferente) e “Amarelo Manga”, entre outros. Talvez esta hipótese de fundo cultural explique também um maior talento nosso para a produção de documentários. De nossa produção mais recente, um dos poucos filmes que se encaixa nessa linguagem mais “argentina” é precisamente “Central do Brasil”, com todas as críticas que se façam.

Um caso interessante a se discutir para comprovar ou refutar esta hipótese é o recente “Cinema, Aspririnas e Urubus”, de Marcelo Gomes. Trata-se de uma história simples e de fundo humanista – a viagem de um alemão vendedor de aspirinas e seu assistente sertanejo pela Catinga nordestina durante a 2a Guerra . Ótimo começo, mas o filme deixa a desejar por duas razões. Em primeiro lugar, porque é só isso: um fragmento da vida dos dois, sem começo, meio e fim, o que, desculpem-me os pós-modernos e experimentalistas, continua sendo pré-requisito de qualquer boa história e qualquer bom roteiro cinemtográfico. Segundo, também porque é só isso: não extrai nada de universal ou profundo da história dos dois. Não me emociona um pingo, ao contrário de todos estes filmes argentinos mencionados. Parece que, para nós, sem demérito, melhor mesmo é seguir a trilha do visceral.

Mas, se se sustenta minha hipótese, que características culturais exatamente seriam estas que tornam os argentinos contadores de histórias mais sutis e os brasileiros melhores documentaristas e melhores contadores de dramas shakesperianos e bukowskianos?