Cláudio Weber Abramo filosofa sobre a expulsão de Zidane na final da Copa:
Chifrada na lei
A expulsão de campo do futebolista francês Zidane por conta de cabeçada que desferiu no zagueiro italiano Materazzi durante a disputa do título mundial, no último domingo, dá origem a especulações interessantes sobre o primado da lei.
Antes que os eventuais visitantes reclamem que, ao abordar o tema, este que escreve estaria descumprindo com a promessa (ver a nota anterior) de eliminar o futebol deste espaço até 2010, esclareço que o tema extrapola as chamadas quatro linhas.
Conforme sucintamente exposto por Juca Kfouri e José Trajano, a questão é a seguinte: As regras do futebol especificam que só o árbitro pode interferir com o andamento do jogo, podendo, para decidir algo, consultar os bandeirinhas.
Acontece que a marrada de Zidane não foi vista pelo juiz nem por nenhum dos dois bandeirinhas (conforme demonstrou a TV alemã, de acordo com relatos). Especula-se que o quarto árbitro (reserva), ou o quinto (segundo reserva), ou alguém outro, teria avisado o juiz. De forma a dar um ar de legalidade à coisa, este teria fingido fazer consulta ao bandeirinha antes de expulsar Zidane.
Ora, se a cabeçada não foi vista pelo árbitro e nem pelo bandeirinha, mas por alguém externo ao campo de jogo que então avisou o juiz, segue-se que houve uma interferência na decisão do valoroso árbitro, interferência essa praticada ao arrepio das regras do jogo.
Tal interferência só pode ter partido de algum prócer da FIFA, o qual, ipso facto, induziu o árbitro a descumprir com as leis do esporte.
A comentarista Soninha argumentou que, como o jogador francês havia de fato chifrado o peito do italiano, e além disso em rede mundial (na verdade, em rede mundial depois de passado bastante tempo, o que reforça a idéia de que autoridades mais altas se alevantaram), como deixá-lo em campo? A expulsão teria sido merecida, independentemente da forma como a decisão foi gerada.
Já José Trajano perguntou: mas como ficam as inúmeras jogadas que os telespectadores vêem (usualmente beneficiados pela constatação reiterada proporcionada pelo replay por vários ângulos) mas o juiz ou algum bandeirinha não viram, como por exemplo a mão na bola, o pênalti que houve ou não houve, os esgares teatrais do Cristiano Ronaldo que podem tanto configurar uma contusão gravíssima quanto só mais uma bacalhoada, a “paulistinha” sorrateira no adversário, a bola que entrou ou não entrou?
Embora não professe de todo a posição, Soninha abre espaço para a tese de que o que interessa no processo legal é a aplicação do que é justo, em vista dos indícios que se apresentam. Trajano problematiza essa perspectiva ao perguntar, essencialmente: “onde vamos parar?”, e “por quê vale nuns casos e não noutros?” Juca Kfouri vai na mesma linha de Trajano.
Pois bem, digamos que esse episódio seja tomado como paradigma para o funcionamento das instituições de modo geral.
O que deve valer? Aquilo que os indícios apontam gritantemente, ou o chamado “devido processo legal”?
Fica a pergunta.