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De novo, os juros

Nunca dei muita atenção para este Kupfer, mas estou começando a gostar dos textos dele. Afinal, bater em bancos é uma coisa que parece só ter pontos positivos, não prejudica ninguém.

Mudar para ficar tudo igual

Por José Paulo Kupfer, no NoMínimo

Ninguém gosta de banco. Nem os bancos discordam disso. Tem um, dos grandes, cuja propaganda jura ser ele um banco que nem parece banco. Como ninguém gosta de banco, bater em banco costuma dar o maior ibope. Se bater em banco dá ibope, bater em banco em época de eleição, presumivelmente, dá voto. Daí porque não é difícil entender o que pode levar governos a gostar de bater em bancos justamente em períodos eleitorais.

O governo Lula e o Banco Central resolveram bater nos bancos a 45 dias das eleições. Mas, como convém a um governo que foi deixando suas origens pelo caminho, não se trata de uma briga de rua. É negócio de gente fina, embrulhado em medidas com perfumes técnicos, a exemplo dos espetáculos com enredo e objetivos semelhantes produzidos em governos anteriores. O mais provável é que, no fim das contas, nada mude naquilo que o governo diz querer mudar e ainda sobre um afago para quem ficou na berlinda.

Lá em Brasília acabam de (re)descobrir que os bancos, no Brasil, não são competitivos. E que esfolam o cidadão indefeso, impossibilitado de dar-lhes uma banana e ir se entender com um concorrente ali na esquina. Estão anunciando um extenso rol de medidas administrativas para eliminar a distorção e dar poder ao cliente para enfrentar a fera. Quanto a dar uma boa paulada nos juros básicos, a única providência realmente eficaz para estimular a competição entre os bancos, disso ninguém fala.

Que o setor não é competitivo até os caixas eletrônicos sabem. Meia dúzia deles concentra cerca de três quartos dos recursos disponíveis. E a tendência é de mais concentração. Não se trata de uma característica exclusiva do sistema brasileiro, mas aqui a concentração é potencializada pela taxa básica de juros. A combinação de juros altos e concentração bancária é para lá de explosiva.

São os juros mais altos do mundo, os praticados no Brasil no embalo de uma política macroeconômica tacanha, que sancionam a falta de competição no setor. Da falta de competição e do desinteresse dos bancos em financiar pessoas e empresas resultam os mais largos spreads mundiais. O spread bancário é a diferença entre o custo de captação de recursos pelos bancos e o que eles conseguem cobrar dos tomadores dos empréstimos. No Brasil, o spread chega a 40%, oito vezes maior do que na média das economias emergentes como a brasileira, inclusive as frágeis sul-americanas.

Um levantamento elaborado pelo consultor financeiro Carlos Coradi, recentemente divulgado no jornal “O Estado de S. Paulo” pelo jornalista Celso Ming, mostra que os bancos brasileiros estão entre os mais eficientes e rentáveis do mundo. São tão rentáveis quanto os bancos suíços, historicamente os mais rentáveis. E seriam muito mais lucrativos do que eles, não fosse o dinheiro reservado para cobrir os calotes dos potenciais inadimplentes. Falar nisso, no item provisões para devedores duvidosos, o Brasil é igualmente campeão mundial. Mais uma vez em razão dos juros estratosféricos que cobram, os bancos acabam reservando quatro vezes mais dinheiro para enfrentar calotes do que a média dos bancos americanos e europeus.

De qualquer ângulo que se observe o problema da competição bancária no Brasil – e de suas conseqüências negativas para clientes e, sim, também para os próprios bancos –, o que aparece na fila da frente é a taxa de juros fora de esquadro. Apesar disso, o atual governo, exatamente como os anteriores, prefere driblar a questão central e trombetear pacotes de medidas administrativas.

Está sendo anunciada para breve uma medida provisória que inclui a instituição do cadastro positivo de clientes. Parece tudo de bom, mas é coisa polêmica, de eficácia duvidosa, que, aliás, rola como projeto de lei no Congresso há mais de ano e, na verdade, já existe e é usado sem o nome pelos bancos. Além disso, o Conselho Monetário Nacional pode definir, na reunião marcada para fins de agosto, a criação do chamado “DOC reverso”, facilitando a transferência de depósitos de contas-salário de um banco para outro, o que também, exceto o nome, não é nenhuma novidade.

Os bancos, publicamente, nem estão esperneando muito. Sob as luzes da mídia, reclamam dos créditos direcionados e dos depósitos compulsórios (45% do depósitos à vista ficam congelados no Banco Central, como instrumento de controle da massa de dinheiro em circulação). Nos bastidores, negociam a liberação, pelo menos em parte, dessas amarras, sob o argumento de que crédito direcionado e compulsório reduzem a oferta de dinheiro à praça, elevando o custo dos empréstimos.

Mas até prova em contrário isso é só teoria. O que a história mostra é que, na prática, com uma política macroeconômica ancorada em taxas de juros nas alturas, os bancos não se sentem estimulados a emprestar ao público, pois podem ganhar sem maiores esforços e riscos, emprestando ao governo. Por isso, os recursos adicionais eventuais liberados “empoçam” e não chegam aos clientes. Servem apenas para que os bancos emprestem mais ao governo e ganhem tanto ou mais do que os famosos bancos suíços.

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2 Comments

  1. Rodrigo
    A culpa não é dos bancos. Claro, eles saem ganhando tanto quanto o verdadeiro culpado, isto é, o Estado. Contudo, a verdade é que poderiam lucrar muito mais se não fossem servos deste. Sim, poderiam lucrar muito melhor se servissem ao setor privado, se este lucrasse junto. Mas para corrigir o problema é preciso combater o tamanho do Estado, e seus gastos, e não o suposto egoísmo dos bancos. Veja abaixo:

    Podem cair os juros?

    por José Nivaldo Cordeiro em 08 de junho de 2003

    A semana foi rica em apelos e bravatas sobre a queda da taxa de juros ao setor privado no Brasil, na esteira dos estridentes pronunciamentos do vice-presidente José Alencar. Até Lula andou determinando que os bancos estatais reduzissem as suas respectivas taxas. É hilário.

    O primeiro ponto da questão da política monetária é que a autoridade escolhe entre os dois instrumentos possíveis para administrar a moeda, dentro de uma economia de mercado: ou controla a taxa de juros ou controla a oferta de moeda. A sugestão aqui é que o governo intervenha simultaneamente em ambas as variáveis. É logicamente impossível. E os compromissos do governo impedem um afrouxamento da oferta de crédito.

    Se os juros estão tão elevados na ponta do tomador é porque algum agente está disposto a adquirir o recurso, mesmo àquele preço. Os que não concordam em pagar, simplesmente não assinam contrato algum. Há também aqueles que, mesmo dispostos a pagar, não encontram maneira de fazê-lo simplesmente porque não passam dentro dos critérios de crédito dos bancos. Estão fora do mercado.

    Olhemos alguns dos agregados. A dívida pública representa algo em torno de 60% do PIB, enquanto que os empréstimos ao setor privado representam menos de 20% desse total. Literalmente vemos aqui a expulsão do setor privado do mercado de crédito, ficando devedores apenas aqueles agentes que, ou por características estruturais (mercado de crédito direto ao consumidor) ou por algum infortúnio de déficit de caixa, é obrigado a tomar recursos, sendo tungados pelos bancos. Ninguém, em sã consciência, endivida-se para financiar a atividade produtiva. É suicídio econômico.

    Como em todos os mercados, o que vale aqui é a lei da oferta e da procura. Há uma clara insuficiência de oferta de crédito ao setor privado, razão pela qual as taxas são o que são, agravadas pela exorbitante tributação que incide sobre a intermediação financeira e as operações de crédito.

    O que significa tabelar juros, termo técnico para designar uma eventual intervenção do Estado no mercado de credito? O mesmo que aconteceria em qualquer mercado. Suponhamos que haja insuficiência de arroz no mercado. O preço subiria. Se o governo interviesse para baratear artificialmente o produto, teríamos a instalação de filas ou cupons de racionamento, sujeito a todo tipo de truque para beneficiar os amigos do rei. Cuba é um exemplo acaba do que quero dizer.

    O mesmo se daria com o crédito. Nos tempos dos juros tabelados para o setor rural e com recursos limitados, o que víamos era que os amigos do rei levantavam facilmente os recursos, enquanto que aqueles outros da planície ficavam a chupar o dedo, mesmo que na mais premente necessidade. O preço mais caro de qualquer produto é alcançado quando a possibilidade de obtê-lo desaparece.

    Quem grita pela redução das taxas deveria perguntar-se porque elas são tão altas: são porque o governo gasta demais, precisando assim elevar demais os impostos e endividar-se a mais não poder. Donde se conclui que o desejo de reduzir as taxas só pode ser atendido quando os gastos do governo forem reduzidos, no mínimo no limite da estabilização da relação dívida/PIB.

    Sem querer, José Alencar e os seus apoiadores querem mesmo é a cubanização do crédito no Brasil. As propostas de criação de mecanismos de crédito “popular”, do tipo cooperativas, são apenas uma variante dessa tentativa de cubanização. Em outras palavras, é o princípio do fim livre mercado.

    Abraço
    Yuri

  2. Vin

    Um absurdo “neste país”, além do relatado por Nivaldo no artigo citado, é a arbitrariedade e submissão do setor privado aos empréstimos para fomento mercantil somente, e tão somente, dos bancos públicos. O financiamento deve ser competitivo e aberto aos bancos privados, sem isso, não há possibilidades dos juros e das taxas cairem, e o único prejudicado, claro, é o idiota que se vê obrigado a tomar empréstimo nos bancos públicos. Pior: há os que se vangloriam disso. E o efeito é bumerangue, volta contra eles mesmos. Taí os números que não nos deixa mentir. Recorde de calote.

    Ps.: Esse assunto foi calorosamente debatido no Seminário do Mídia Sem Máscara em São Paulo.

    Como diz José Simão: Acorda, Brasil! Que eu vou dormir…

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