Cansei de receber emails e de abrigar comentários como se este blog fosse o site pessoal do clarividente Jucelino Nóbrega da Luz. Tive até mesmo de esclarecer isso ao final dum post. (Nada contra o cara.) Mas ontem recebi um email engraçado, dizendo que – se eu não sou o Jucelino – ao menos sou “um pouco clarividente”. E a pessoa faz alusão às alucinações do protagonista do meu conto Genus irritabile vatum (2001), que vê a cidade de São Paulo ser atacada e aterrorizada por hordas de bandidos. Ora, eu não sou clarividente, apenas tenho uma imaginação um tanto paranóica. Escreveu Clarice Lispector: “Imaginar é adivinhar a realidade”. Logo, imaginar paranoicamente é adivinhar uma realidade ainda pior que a atual. (O contrário é metanóia, estou trabalhando nisso.) Sempre que estou em São Paulo – onde já fui assaltado três vezes e espancado uma – meu radar fica à plena carga. (E ele funciona!) Também me cansei de andar por várias quebradas da zona sul, tendo até mesmo me deparado com cadáveres. Ainda em criança, presenciei perseguições da ROTA e me espantei diversas vezes com aquele indefectível policial dependurado da janela do passageiro, a metralhadora em punho. Já posso dizer que sou do tempo em que as crianças – jogando queimada ou apostando corridas com carros de rolimã – ficavam nas ruas paulistanas até as dez da noite. Aliás, quando escrevi o conto, nunca ouvira falar do PCC. Mas conhecia os “sinais de alerta” dos Racionais MC e semelhantes, o apoio de boa parte da sociedade ao crime (via consumo de drogas ilícitas), o apoio dos políticos (via corrupção e leis politicamente corretas) e a sensação instintiva e cutânea de que São Paulo é sim um barril de pólvora. Só isso.
Na verdade, o único arremedo de premonição que fiz – à minha maneira esdrúxula -, e que me causa espécie até hoje, é a do assassinato do calouro de medicina num trote, três anos antes do ocorrido. Tem gente que não agüenta mais me ouvir falar sobre isso. Mas espere só até eu lançar meus próximos livros. Haverá muita adivinhação neles.
Cá entre nós, como escritor eu pareço o Lula: prometo, prometo, prometo e não cumpro. Escorpianos são enrolados mesmo, fazem tudo aos poucos, tanto no que se refere à criação (de livros) quanto à destruição (da nação brasileira). E a literatura é a mais filha-da-puta das artes, a mais difícil, solitária, sofrida e potencialmente luminosa. Seja o que Deus quiser.
Quanto à pergunta do amigo missivista, sim, calm down, eu terminarei de escrever o LSDeus. Juro que o escreveria mais rápido, caso essas reclamações (e elogios) fossem convertidos em depósitos no meu Paypal…
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