Estou de volta. Na pressa, nem avisei aonde ia. Peço desculpas. Mas fui e voltei. Fui conhecer outro espaço-tempo. Como seria de se esperar, foi experiência radical. Não se olha o mundo com os mesmos olhos depois de usar, ainda que canhestramente, as lentes de um índio, como alertava Darcy Ribeiro.
Fui ao Xingu, Alto e Baixo, trajeto de um mês, passando por seis etnias diferentes com nomes de sonoridades distintas: Waurá, Kalapalo, Yawalapiti, Kuikuro, Metuktire e Panará.
Eu não fui ao passado, porque não acredito na idéia de “sociedades primitivas”. Ao contrário, considero-as muito avançadas em diversos aspectos. Mas também não fui ao futuro, porque não acredito que nossa trajetória nos possa levar a algo semelhante. Leva a lugares diferentes, que podem ser melhores ou piores.
Acredito que as sociedades indígenas brasileiras se aproximam em muitos aspectos de certas utopias humanas: igualitárias, constituídas por pessoas absolutamente livres e autônomas, que não dão, nem recebem ordens. Lá não há asilos, presídios, favelas, nem hospícios,
Ao mesmo tempo, não desejo, nem posso ser índio. Sei que não seria capaz, e me oprimem a falta de individualidade (ainda que paradoxalmente haja a mais profunda autonomia), de privacidade e de solidão.
Mas depois de 30 dias observando a experiência de viver sem depender de nossas tecnologias e de nossas complexos mercados, de não se depender de nada que não as próprias habilidade individuais – de pescar, caçar, plantar, construir a casa, etc. -, fica-se meio perplexo, abestalhado, perdido, deslocado, olhando a complexidade do que criamos para supostamente ganhar liberdade, mas ao mesmo tempo depender de tanta coisa: do supermercado, da indústria, da empresa de sanemanento, da de energia, da prefeitura, etc. etc, etc, numa lista infindável, se a fossêmos detalhar e ramificar. Além disso, mais que dependentes, infelizes.
Eles ainda são o avesso disso, apesar de usarem e também dependerem cada vez mais das tecnologias que nós produzimos e do dinheiro. Questões complexas, tema para muitas linhas.
São seres radicalmente diferentes de nós e, como tal, em larga medida, inacessíveis. A comunicação é possível, a confraternização é possível, a amizade é possível, mas entender o universo e sobretudo a visão de mundo de um índio, nos é algo absolutamente impossível.
Foi uma experiência ao mesmo tempo gratificante e dura. Gratificante por nunca ter sido tão bem recebido, hospedado e cuidado em toda a minha vida. Dura pela falta de chão, por encarar durante 30 dias, por 24 horas, o mistério. O mistério da alteridade e da diferença levado a seu extremo. Como pode um ser humano como eu constituir uma teia de relações com a natureza e com outros homens tão absurdamente contrárias às minhas, em bases tão diversas e tão surpreendentes?
Ao longo dos próximos dias, espero conseguir passar um pouco dessa experiência tão incrível.
Se quer saber o que fui fazer lá, dê uma olhada em www.xingudoc.com.br.
Vin
Cada civilização arrasta sua limitação. Por mais primitivo que possa aparecer, viver ou reviver costumes e modos indígenas, ali, nada me atrai. Prefiro ter a fria análise pela literatura. “Contra o Brasil”, de Diogo Mainardi, demonstra muito bem uns dos motivos, entre outros (a maneira como fomos colonizados), de continuarmos estúpidos como civilização. Está lá: “em quinhetos anos de História, os índios sempre foram facilmente ludibriados no comércio com os brancos. Essa capacidade neolítica de reconhecer o real valor das mercadorias se arraigou em nossa cultura e acabou distorcendo de maneira irreparável a economia do país, que se fundou a partir de um mercado artificial de otários”.
yuri vieira
Bom saber que vc tá na área, bróder. Depois vamos tomar umas brejas pra atualizar os assuntos. Também estou chocado com um outro tipo de “sociedade”, hehe…
Abração!
bruno costa
Fala, Pedro! Depois nos conte mais detalhes dessa “expedição”. E nos avise quando passar na Cultura. abs
Paulo Paiva
Bom retorno à esta outra selva, amigo. Por aqui temos que matar um leão por dia! (quem dera houvesse leões e fôssemos caçadores de verdade…).
rodrigo fiume
Caro, nos conte, sim, sobre esta grande aventura. E seja bem-vindo ao “velho mundo”. Abs. R.
Xico Pedro
Caro Pedro
Como entendo o que passou e o invejo por não ter partilhado a sua experiência ‘in loco’. Sou e serei um eterno apaixonado pela cultura indígena. Já tive uma pequena compensação. Passei algum tempo em Roraima e contactei de perto com algumas tribos e parece que ficamos sem jeito, tal é a diferença. Por muito que vamos preparados.
Um grande abraço.
Xico Pedro (Portugal)