O aspecto revolucionário do Second Life está em seu potencial, não naquilo que ele já é. Há três anos, entrei num “mundinho virtual” que imagino tenha sido o próprio. Era apenas um chat com “bonequinhos”, uma chatice de tão lento e tosco. Nada além disso. Mas, conforme avança a tecnologia, conforme aumenta a capacidade de processamento dos computadores servidores e clientes, conforme aumenta a velocidade da transmissão de dados, a coisa vai assumindo proporções espantosas. Hoje, um arquiteto já pode comprar um terreno ali e reconstruir virtualmente todos os seus projetos já realizados em vida, um condomínio, com casas planejadas apenas por ele, que pode ser seu portfolio profissional, seu mostruário. “Ah, você quer conhecer meu trabalho? Visite meu bairro: ‘arquiteto fulano (123, 87, 67)'”. E pronto. Um decorador pode se associar ao arquiteto e botar mãos à obra. Artistas plásticos (olha a chance dos escultores) e fotógrafos expõe seus trabalhos. Salas de cinema virtuais exibem filmes de verdade. (Já imaginou? Um festival de cinema ali dentro? Com entrega de prêmios e tudo mais?) A exposição de trabalhos em 2D pode parecer redundante, afinal, a internet já tem tudo desse campo. Mas o louco do Second Life é que ele reforça a ação do acaso no relacionamento virtual. Na internet, em geral, as pessoas saem pesquisando o perfil uma das outras no Orkut, ou através de blogs, e já entram em contato com o próximo condicionadas por aquilo que acreditam saber dele. No Second Life, não. Você encontra os demais como quem se esbarra na rua com um desconhecido e, sem qualquer razão que não seja a pura cortesia, troca com ele uma idéia. Amizades podem sair daí. Sociedades. Parcerias. “Ei, vai rolar um vernissage agora, vamos?” E vocês saem voando juntos.

Uma das coisas mais interessantes no Second Life é sua semelhança com os sonhos e projeções astrais. Para quem não vê o mundo como eu vejo, isso pode soar como uma grande besteira. Então apenas esqueça tudo o que já ouviu a respeito desses “esoterismos” e entenda: agora você poderá experimentar, em grau menor, o que certos místicos afirmam experimentar, a saber, o relacionamento com pessoas reais num ambiente onde tudo o que é imaginável é também possível. Sim, é virtual, é ilusão, a maya da Maya, mas as pessoas são reais e também as reações delas a suas ações. O sentimento de vergonha existe ali dentro, você se sente embaraçado ao cometer uma gafe em público e há aquela mesma timidez de sempre ao se aproximar duma “mulher bonita” pra puxar conversa. Retorna aqui toda aquela metáfora do mundo da Matrix no tocante a esse mundo real. Tal como num RPG, ou num simulador de vôo, é possível ter experiências ali dentro que nos aprimorem. Não importa se o mundo é feito da mesma matéria dos sonhos ou da mesma matéria dos pixels, os espíritos são os mesmos e não importa o meio que usam para se manifestar. Sem falar que Freud está ali o tempo todo: você pode expressar seus desejos mais recalcados. Daí toda a perversão que também existe no Second Life. Tal como colocou Swedenborg ao falar da vida após a morte, nessa realidade virtual cada qual se encaminha até as regiões com a qual se sente mais afim. Você pode ter ótimos diálogos, aprender outras línguas, ir a saraus de poesia, passar a tarde inteira fazendo compras, procurar um “emprego” ou expor seu trabalho, explorar sozinho ou acompanhado as curiosidades daquele mundo ou simplesmente ficar num inferninho de sexo explícito. Você é quem sabe.

Enfim, há muito o que falar sobre mais esse “fenômeno da internet”. Mas deixarei isso a cargo do meu avatar no sistema, uma mistura daquelas coisas lindas que eu imagino ser com aquelas horríveis que trago em mim, o meu Mister Hyde pessoal.