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De volta ao quarto mundo em grande estilo

I’m back, folks. Já devem ter se dado conta pela presença de acentos no texto.
Como todo retorno de viagem um pouco mais dilatada ao estrangeiro, chegar, mais que um mero desembarque, demanda algum processo de readaptação. Ele começa pelo jet lag e termina com um reajuste à própria vida cotidiana, suspensa durante o período em que se esteve fora.
Ontem, de forma um pouco forçada, acho que concluí meu ajuste de regresso tomando um choque de realidade.
Felizes da vida fomos, Juliana e eu, assitir a um espetáculo de dança. Andávamos até mesmo iludidos com uma aparente efervescência cultural na mais provinciana das metrópoles nacionais (aos chegantes ou desatentos, moramos em Goiânia), dada a coincidência de várias programações culturais, incluindo este “Goiânia em Cena”, um festival de artes cênicas promovido pela Prefeitura Municipal com patrocínio da Petrobrás. Consultamos a programação, escolhemos um dos espetáculos programados e saímos de casa.
Compramos nossos igressos e nos postamos diante da porta do teatro à espera. Havia, entretanto, um curioso entra e sai de pessoas afobadas, vestindo rostos de elevada importância e preocupação. Alguns suavam profusamente. Um carregador de escadas, por duas vezes, quase atingiu os pacientes espectadores na fila, tamanha a urgência de sua tarefa. Depois de sucessivas promessas de “mais cinco minutinhos”, vejo que o estáculo na sala ao lado termina e de lá sai, resfolegante, mais um importante membro da produção carregando um amplificador, destinado evidentemente à sala onde ocorreria o espetáculo que aguardávamos. Um mero acessório desimportante num espetáculo cênico que envolve o uso de música, como se sabe.
Ao mesmo tempo, observo com desânimo o burburinho que se forma à entrada da sala,a despeito da imensa fila atrás, pelos espertinhos e amigos de amigos que evidentemente atravessarão 200 pessoas e entrarão na sala primeiro pegando os melhores lugares. Escuto suas conversas sobre “vanguarda na dança contemporânea” com dificuldade paridas em meio a erros de concordância e desprezo por plurais e tenho vontade de chorar. Que vergonha dessa cidade e desse país.
Volto à Tailândia: no sábado passado, eu estava em Bangkok, e, junto com três colegas de diferentes países, fiz um agradável passeio a Ayuthaya, antiga capital do Reino do Sião, Patrimônio Cultural da Humanidade, repleta de impressionantes ruínas e distante apenas 90 km da atual capital daquele país. Fomos de trem, um trem de terceira classe, suburbano, com bancos de madeira e repleto de vendedores ambulantes. Minha passagem dizia: “Departure Time: 10:14 AM”. De forma, para mim, surpreendente, pontualmente às 10:14h, conforme aferido pelo relógio da própria estação, a composição começou a se mover. Duas horas e quinze minutos depois, a despeito de longas paradas que me pareceram estranhas, o trem freou na estação de Ayuthaia, exatamente na hora de chegada também informada no bilhete.
Ora, aí vem minha pergunta: por que a Tailândia, um país com Índice de Desenvolvimento Humano, PIB per capita e taxa de matrículas na escola menores que os do Brasil consegue deslindar a complexa tarefa de fazer os trens saírem na hora, mesmo um trem suburbano de terceira classe, e Goiânia não consegue ter um amplificador no lugar para o início de um espetáculo medíocre de música?
Sim, porque eu até entenderia melhor um trem atrasar. É tarefa muito mais complexa: há centenas de trens que partem todos os dias, numa miríade de combinações de vagões de passageiros e cargas, há que se cuidar do tráfego para que eles não se choquem uns com os outros. Já viram o novelo que são os entroncamentos ferroviários na proximidade de grandes estações? Isso sim deve ser complicado (mais até que controle de tráfego aéreo, que o diga novamente o Brasil). Porque diabos um espetáculo de dança tem que atrasar 50 minutos? E porque é impossível organizar um fila decente nesta cidade e neste país?
Resultado, pegamos nosso dinheiro e fomos embora. E eu entendi que há terceiros mundos e terceiros mundos.

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1 Comment

  1. No Brasil, estragamos as coisas boas com tão pouco, não? Abs. R.

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