Eu definitivamente não sou um cara de teatro. Meu negócio é cinema e literatura. Conheço pouco a arte dos palcos, nunca li, nunca teorizei sobre o assunto e tenho medo. Acho o teatro – evidentemente um preconceito estúpido – campo de excessivos experimentalismos pobres e baratos, de construtos intelectuais soníferos, de elaborações rebuscadas e incompreensíveis que disfarçam absoluta ausência de conteúdo e emoções verdadeiras.
Arte é emoção e ponto final. A porta de entrada de qualquer trabalho artístico não pode ser o racional. Tem que emocionar. Se não emocionou, já fodeu. A razão tem que vir depois. Após nos emocionarmos, a gente pensa o que quis dizer, relaciona com outras coisas, outras obras, episódios da vida, etc, etc. Mas se tem que pensar de saída, está errado.
Felizmente, mais uma vez esta minha estúpida expectativa negativa não se sustentou. Juliana, Paulo, Andrea e eu fomos assistir ontem a “Adubo ou a Sutil Arte de Escorrer pelo Ralo”, peça encenada pelo Grupo Tucan, de Brasília, com direção do uruguaio radicado no Distrito Federal Hugo Rodas.
A peça já rodou boa parte do país e foi muito aplaudida, recebendo altos elogios de ninguém menos que Fernanda Montenegro. É uma genial colagem de histórias, situações e citações muito bem costuradas sobre a morte, tema melindroso pela sua facilidade para a filosofia barata e poesia de segunda linha.
É realmente impressionante o preparo dos quatro atores, que não deixam o palco durante os 60 minutos do espetáculo, e seu domínio da cena. A peça passa com incrível facilidade, em transições muito bem articuladas, do hilário ao sofrimento e do dramático de volta ao escrachado.
Fazer rir e encher os olhos d’água, ao mesmo tempo, depende de uma sensibilidade muito afinada que, na minha opinião, falta a certos segmentos da arte nacional, especialmente ao cinema. Já escrevi em outro post que nós somos bons de documentário porque não temos sutileza, gostamos de dar porrada na cara e fazemos isso bem. Os argentinos, por seu lado, têm mais sutileza e por isso fazem um cinema de ficção com mais quantidade de obras sensíveis.
Especialmente a última sequência da peça, em que os quatro atores encenam a perspectiva de um cachorro em sua corrida rumo ao atropelamento, é desses momentos realmente sublimes em que se entende o sentido da arte: é impossível não rir e não ficar emocionado ao mesmo tempo. Quatro pessoas se fazendo passar por um cachorro conseguem fazer isso. Demanda imensa sensibilidade e sutileza. É genial.
bruno costa
O Hugo Rodas fez uma ponta no Cidade Baixa. É aquele gringo mala que contrata as prostitutas enquanto seu navio está fundeado na baía.
yuri vieira
Conheço pessoalmente o Hugo Rodas. Eu cruzava com ele todos os dias nos corredores do Instituto de Artes da UnB. Ele é professor de Artes Cênicas lá e meu primo, o Jesus Fernando Vivas, é chefe do departamento. Uma das montagens mais interessantes, na época, era a que ele, Hugo Rodas, fazia de trechos de diversas peças do Nélson Rodrigues. Acredito que, em Brasília, todo mundo sabe do que estou falando. (Três ex-namoradas minhas, hehe, atrizes, já participaram dessa montagem.) O Hugo Rodas, quem estudou com ele sabe, é um sujeito exigente, uma verdadeira porrada em quem não leva a atuação a sério. Agora, o interessante é o seguinte: a UnB tentou defenestrá-lo nos anos 90. E sabe por quê? Porque ele não tem diploma de nível superior de porra nenhuma. Teve de arrastar por sei lá quanto tempo um processo para provar seu “notório saber”. (O mesmo “notório saber” que não se exige de um candidato à presidência da Repúplica.) Ainda bem que ele, Hugo, conseguiu prová-lo. Porque o Jorge Luis Borges, que também não tinha curso superior, também foi impedido de dar aulas na UnB. Como o Borges não estava radicado por aqui, nem se meteu a se esforçar em contra da burrocracia brasileira. Para quê? Se os burocratas já formados não conseguiam “notar” seu “saber” nas dezenas de livros que havia publicado, por que os alunos o notariam? Enquanto isso, em Oxford, o Bruno Tolentino dava aulas de literatura comparada. Ele, Bruno, que também não é formado em porra nenhuma… Ah, chega, esse assunto me dá a maior das preguiças…
[]’s
Relativo Absoluto
Espero q esse comentário seja lido por ti yuri, o mais rápido possível.
Não sei se terá uma quinta conversa com Olavo de Carvalho, mas uma coisa q vi no Fantástico deste domingo (12/11/06).
Chamo a atenção para essas duas notícias: primeira e segunda.
Ouvi com muita atenção todas as entrevistas, e considero particularmente uma revisão de conceitos e visão da atual posição política brasileira.
Gostaria realmente q esses assuntos fossem abordados na próxima conversa.
Percebe-se realmente uma certa “clarevidência” no filósofo, tratando o debate político com “palavrões e arte”.
Agradeço novamente a iniciativa.