A vida é amarga, mas não é amarga como um bom café. Ela é chata, pequena, mesquinha. Depois dos dezesseis anos todo sonho já vem com o carimbo de Sonho Impossível. Mas eu sou teimosa: eu sonhei assim mesmo. Eu quis enxergar um charme especial naquele cabelo grisalho, e não apenas o sinal de que ele mentia a idade. Eu quis acreditar na ex-mulher de Petrópolis, nas razões mais do que justas para um divórcio repentino; eu quis ser compreensiva, e imaginar uma megera que só se preocupava com academia e botox. Quis ver um amor paternal na forma como ele falava da cocker spaniel, no carinho e na dedicação que eu pensei que um dia seriam para mim. Naquele hotel em Cabo Frio, eu chupei como uma profissional, eu abri as pernas em cima da mesa, depois ainda fiquei me perguntando se eu tinha sido perfeita. Ah, como eu queria acreditar que eu tinha sido perfeita! Quando as flores começaram a chegar, eu pensei: “Até que não foi tão difícil. A proposta e o anel vêm depois”. Ainda havia nos meus olhos cansados, um resquício de comédia romântica que me fazia pensar em anel, em dança de salão, em palavras de filmes antigos. Naquela manhã constrangedora, ele disse que seu único vício era o café, e eu quis acreditar também nessa bobagem. Os filmes não me ensinaram dos outros vícios, da capacidade para mentir, do desprezo inabalável que um homem pode sentir, mesmo depois de dois anos. Isso eu tive de aprender aos tropeços, entre um riso fingido e uma manhã de ressaca, um orgasmo fingido e um telefone que não toca. Mas eu sou teimosa: eu sonhar vou apesar de tudo. Eu vou acreditar que ele temia me perder para alguém mais jovem, que ele gaguejava quando falava minha idade para os amigos, que ele escondia os famosos comprimidos azuis no bolso interno do paletó. Semana que vem eu já vou olhar aquelas fotos com outros olhos. Vou acreditar no meu próprio riso falso, vou jurar para uma amiga que eu fui feliz. E esse choro irritante de hoje, esse silêncio, que não me deixa perguntar onde eu errei, vai ser só mais uma lembrança, indigesta como a porra que engoli em Cabo Frio. E quando outro homem falar em cocker spaniel, quando eu vir uma
gravata de seda e outro dedo sem aliança, os meus olhos vão estar prontos para mais poesia, e a minha boca, para mais sêmen. Porque, eu sou teimosa, eu vou sonhar de qualquer jeito, até que a realidade me atenda, nem que seja por piedade do meu desespero.