Está nos jornais de hoje. Reproduzo trecho da Folha:
Para ouvir por apenas duas horas, ontem, seis testemunhas de acusação num processo do qual é réu na Justiça Federal do Rio, o traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, custou aos cofres públicos mais de R$ 50 mil, segundo cálculos da Fenapef (Federação Nacional de Policiais Federais).
Para o presidente da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso, presos como Beira-Mar ou qualquer outro não devem ser ouvidos por videoconferência, pois têm o direito de serem ouvidos na presença de um juiz.
O fato é que a videoconferência não está prevista em lei. Como nós, brasileiros, precisamos de uma “bíblia” que nos guie — neste caso, o Código de Processo Penal —, abre-se um vácuo estranho. Como não está previsto em lei, não é legal nem ilegal.
Quer outro vácuo estranho nas regras brasileiras? Apenas há uns 20 dias, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que prevê punição para presos flagrados com aparelhos celulares. Ele ainda precisa passar pelo Senado. Isto quer dizer que, quando um detento é pego na cela com um celular, que ele usa para aplicar o golpe do falso seqüestro que tanto tem assustado as pessoas atualmente, nada lhe acontece ainda.
O curioso é que estamos em 2007. Em 2001, houve em São Paulo um episódio de que você certamente se lembrará. Em fevereiro daquele ano, presos de 29 presídios paulistas se amotinaram ao mesmo tempo — chamaram isso de megarrebelião; foi neste episódio que, para o público em geral, surgiu o PCC (Primeiro Comando da Capital), facção que articulou o movimento.
E como os presos conseguiram articular esse grande motim? [Abro o colchete para pedir a você, leitor, desculpas antecipadamente, pois, naturalmente, você sabe a resposta à pergunta. Mas prefiro respondê-la o mais claramente possível. Vá que um deputado qualquer leia este texto…] Resposta: celular.
Bem, passaram-se seis anos. E até hoje um detento não pode ser punido por, do presídio, articular crimes contra os que estão do lado de fora utilizando um aparelhinho que nem deveria estar lá dentro — mas está por conta da corrupção do sistema.
Alguém aí consegue me explicar isso? Por favor, possível leitor deputado, alguma explicação?
O resultado disso é que aquele movimento de 2001 hoje é chamado de a primeira megarrebelião. Sabe por quê? Porque em maio passado houve uma segunda, ainda maior, que sacudiu 74 unidades prisionais e incluiu atentados terroristas que ceifaram vidas e espalharam o terror pela cidade mais rica do país. E o que os presos usaram para planejá-la? [Amigo leitor, me desculpe novamente, ok? Espero que você entenda.] Resposta: celular.
Mas se estamos em março e a segunda megarrebelião foi em maio, por que um preso ainda não pode ser punido se for pego com um telefone na cela? Alguém sabe me explicar? Possível leitor deputado, algo a dizer?
Voltando ao primeiro vácuo estranho, aquele a que me referi lá em cima sobre o Código de Processo Penal, talvez possamos ter, não uma explicação, mas uma leve idéia de por que algo assim acontece no Brasil.
Sabe por que o Código de Processo Penal não prevê a videoconferência como uma forma segura e econômica para se ouvir presos de alta periculosidade? Na verdade, ele não prevê nem o computador. Ele é de 1941 e ao longo desse período poucas alterações sofreu. Naquela época, uma pequena invenção de um húngaro chamado Laszlo Biro começava a encantar as pessoas — e, suponho, os legisladores — mundo afora: a caneta esferográfica.
Como diz o Yuri, somos mesmo um país de catarrentos.
william
Depois daquela primeira rebelião orquestrada pelo PCC, a Secretaria de Administração Penitenciária de SP editou uma resolução que dizia que a posse de celular por preso era falta grave, e por isso ele podia ser transferido para o RDD. Naquele tempo, eram as autoridades do sistema penitenciário que decidiam se o preso devia ou não ir para o RDD (em ato fundamentado do qual o preso teria conhecimento). Neste governo e sob patrocínio do nosso criminalista-mor, foi aprovada uma lei regulando o RDD que exige que a transferência para esse regime seja determinada pelo juiz: após requerimento do diretor do presídio, que deve indicar qual a falta grave do preso, e após ouvir a defesa e o ministério público. E, para piorar, o STJ decidiu que o porte de celular na cadeia não pode ser considerado uma falta grave. Enfim…