Rubem Alves, na Folha de hoje, sobre a “praga do segundo casamento”:
A PRAGA
Rubem Alves
Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a Igreja Católica é uma balela…
É BOM atentar para o que o papa diz. Porta-voz de Deus na Terra, ele só pensa pensamentos divinos. Nós, homens tolos, gastamos o tempo pensando sobre coisas sem importância tais como o efeito estufa e a possibilidade do fim do mundo. O papa vai direto ao que é essencial: “O segundo casamento é uma praga!”
Está certo. O casamento não pertence à ordem abençoada do paraíso. No paraíso não havia casamento. Na Bíblia não há indicação de que as relações amorosas entre Adão e Eva tenham sido precedidas pelo cerimonial a que hoje se dá o nome de casamento: o Criador, celebrante, Adão e Eva nus, de pé, diante de uma assembléia de animais, tudo terminando com as palavras sacramentais: “E eu, Jeová, vos declaro marido e mulher. Aquilo que eu ajuntei os homens não podem separar…”
Os casamentos, o primeiro, o segundo, o terceiro, pertencem à ordem maldita, caída, praguejada, pós-paraíso. Nessa ordem não se pode confiar no amor. Por isso se inventou o casamento, esse contrato de prestação de serviços entre marido e mulher, testemunhado por padrinhos, cuja função é, no caso de algum dos cônjuges não cumprir o contrato, obrigá-lo a cumpri-lo.
Foi um padre que me ensinou isso. Ele celebrava o casamento. E foi isso que ele disse aos noivos: “O que vos une não é o amor. O que vos une é o contrato”. Aprendi então que o casamento não é uma celebração do amor. É o estabelecimento de direitos e deveres. Até as relações sexuais são obrigações a ser cumpridas.
Agora imaginem um homem e uma mulher que muito se amam: são ternos, amigos, fazem amor, geram filhos. Mas, segundo a igreja, estão em estado de pecado: falta ao relacionamento o selo eclesiástico legitimador. Ele, divorciado da antiga esposa, não pode se casar de novo porque a igreja proíbe a praga do segundo casamento. Aí os dois, já no fim da vida, são obrigados a se separar para participar da eucaristia: cada um para um lado, adeus aos gestos de ternura… Agora está tudo nos conformes. Porque Deus não enxerga o amor. Ele só vê o selo eclesial.
O papa está certo. O segundo casamento é uma praga. Eu, como já disse, acho que todos são uma praga, por não ser da ordem paradisíaca, mas da maldição. O símbolo dessa maldição está na palavra “conjugal”: do latim, “com”= junto e “jugus”= canga. Canga, aquela peça pesada de madeira que une dois bois. Eles não querem estar juntos. Mas a canga os obriga, sob pena do ferrão…
Por que o segundo casamento é uma praga? Porque, para havê-lo, é preciso que o primeiro seja anulado pelo divórcio. Mas, se a igreja admitir a anulação do primeiro casamento, terá de admitir também que o sacramento que o realizou não é aquilo que ela afirma ser: um ato realizado pelo próprio Deus. Permitir o divórcio equivale a dizer: o sacramento é uma balela. Donde, a igreja é uma balela… Com o divórcio ela seria rebaixada do seu lugar infalível e passaria a ser apenas uma instituição falível entre outras. A igreja não admite o divórcio não é por amor à família. É para manter-se divina…
A igreja, sábia, tratou de livrar seus funcionários da maldição do amor. Proibiu-os de se casarem. Livres da maldição do casamento, os sacerdotes têm a suprema felicidade de noites de solidão, sem conversas, sem abraços e nem beijos. Estão livres da praga…
Christian
Faço minhas as palavras de Pedro Sette Câmara, d’O Indivíduo:
“Já pensou na felicidade da outra pessoa? Já pensou que o matrimônio católico não é uma festa para as pessoas se embebedarem, mas um compromisso assumido diante de Deus e da sociedade? Você rasga um contrato se fica encantado com uma nova possibilidade? Diz a um empreendedor que vá para a praia se ele não estiver a fim de tocar o negócio naquele dia? Acha, do fundo do coração, que o amor não tem nada a ver com o dever, que ele é só uma sensação gostosinha?”
http://www.oindividuo.com/2007/03/15/ainda-doria-constantino/
daniel christino
Humm…suponho que as relações humanas necessitam de um contrato para serem cumpridas, e que o amor, como tudo o mais, nada mais é do que um tipo de imperativo ético em relação ao outro. Em outras palavras: no casamento, minha mulher é meu chefe.
paulo paiva
Pedro,
olha só que interessante. Eu estava hoje cedo dando uma olhada no livro “Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes”, do Stephen Covey (que comprei por recomendação do Monge Tokuda, em uma de suas palestras) e olha só o que encontrei: “Na literatura maior de todas as sociedades desenvolvidas amar é um verbo. As pessoas reativas o tornam um sentimento. Elas são levadas pelos sentimentos. Os filmes de Hollywood nos levam a acreditar que não somos responsáveis, que somos os resultados de nossos sentimentos. Mas os roteiros hollywoodianos não descrevem a realidade. Se nossos sentimentos controlarem nossas ações, estaremos abdicando de nossas responsabilidades, e transferindo aos sentimentos o comando de tudo. As pessoas proativas fazem do amor um verbo. Amar é algo que se realiza: os sacrifícios feitos, o desprendimento equivalente ao de uma mãe que traz ao mundo uma criança. Se você quiser estudar o amor, preste atenção às pessoas que se sacrificam pelos outros, mesmo que os beneficiados as magoem ou não correspondam ao amor.”
Também não me dou bem com essa idéia de que o casamento é “sagrado” em si. Prefiro uma chaga, é claro, ao invés de ter de conviver com alguém de quem não gosto. E daí ter uma chaga a mais nesse mundo chagento? Mas acho que deve haver um esforço, sim, em “cumprir o contrato” como o Pedro Sette Câmara escreveu, e esse indicativo do Papa é no sentido de ressaltar a importância do casamento, nesse mundo atual onde “compromisso” virou palavra feia. Mas, bem, e se um católico se separar? Ele será excomungado por acaso? É claro que não. Continuará sendo somente um pecador, como todos nós, submetido ao misericordioso perdão divino (considerando, é claro, que Ele exista). Mas bem, eu escrevi esse comentário só pra dizer que prefiro o Bento ao Rubens. Só pra isso. Cê sabe que eu gosto de ficar dizendo essas coisas (talvez seja só pra chamar a atenção).
Pedro Novaes
Eu acho que os católicos devem ser mais corroídos por dúvidas e taras secretas do que os demais mortais. Meu casamento para mim não tem nada de obrigação, nem dever. Dever ou obrigação são para mim coisas que a gente faz frequentemente na contramão de nosso desejo, seja por culpa, seja por um cálculo mais ou menos racional de ganhar algo mais adiante. Essa idéia de que a um preço de dor a ser pago por qualquer coisa que se ganha me parece bizarra. Há renúncia em qualquer escolha, mas daí a ter dor e virem me falar, com notas graves na trilha sonora, sobre os deveres e obrigações, sai fora. Recomendo procurar o Rubem Alves que é um excelente psicanalista, além de ex-pastor, pra resolver esses recalques.
E, Paulo, não é “Rubens”, é “Rubem”. E pelo tom da sua afirmação, vc deve estar dizendo isso sem nucna ter lido nada dele além do texto acima.
Aliás, esse blog dá um excelente conjunto de esquizofrênicos. Tem o Yuri, que é o “hippie reacionário” e o Paulo, que é um ateu que admira o Vaticano e o Bento XVI.
Abs,
Pedro.
Pedro Novaes
Ah, e tem eu, claro. Me chamem de “esquerdista liberal”, embora o Alex vá discordar, já que me tem como o mais reacionário pateta deste blog…
yuri vieira
Eu sei que vcs vão morrer de preguiça. Mas leiam ao menos os trechos em negrito, retirados do meu livro de cabeceira:
yuri vieira
Com relação a dever e dor, vou te escrever pessoalmente, Pedro, pois sei que está sendo contraditório. Vc é um cara muito melhor e mais forte do que suas palavras sugerem.
Pedro Miguel
Sr. Rubens Alves, gostaria de começar esta resposta dizendo que o termo praga foi traduzido de maneira errônea onde o termo certo é ferida, chaga, sentido o qual se deu em todas as outras traduções. Pelo que pude escutar e ler na mídia, todos já estavam sabendo desse erro e acho no mínimo covarde usar uma informação desencontrada para pregar a tua verdade, mas convenhamos, estamos num país livre e podemos, independente da verdade, mostrar nosso louco ponto de vista, uma visão mecânica e esquizofrênica da vida. Pois bem, você começa seu texto dizendo que o Papa só pensa no divino. Então porque será que ele intercede nas guerras ou políticas internacionais? São coisas divinas? Com certeza não! Ouso dizer que efeito estufa e possibilidade do fim do mundo são conseqüências do homem ter esquecido de Deus e querer buscar o Seu amor na desenfreada busca do querer sempre mais. Você mesmo busca o amor de Deus de uma maneira mimada querendo mostrar seu débil poderio intelectual induzindo outros ao mesmo erro que você está. Por que é que Deus tem que fazer exatamente o que você quer? Quem disse que Ele é obrigado a fazer o que você quer? Deus nos criou por gratuidade e nos faz as coisas por gratuidade, não porque fazemos ou deixamos de fazer as coisas, muito menos porque o ameaçamos. E nessa gratuidade de nos dar a vida, e as outras coisas que temos ele nos convida a nos comprometer com Ele, e isso exige gratuidade recíproca. Não te condeno, pois é duro imaginar fazer as coisas de graça num mundo tão capitalista e individualista. Repare, nem cheguei na terceira linha do seu texto e já estou fazendo a segunda correção. Não estou fazendo deboche com teu texto nem com você, só estou querendo dizer que devemos escrever com embasamento e não de maneira relativista querendo passar uma grande mentira mascarada numa falsa verdade mimada de tua pessoa. Mas vamos lá, continuemos a ler teu texto…
Você diz que o casamento não existe no paraíso. Como você pode afirmar isso? Você já esteve lá? Eu também não. Então como afirma que não existe? A sua Bíblia se resume na história de Adão e Eva? Porque se a Bíblia não diz que existe casamento no paraíso no caso de Adão e Eva, também não diz que não existe. Não vou entrar no mérito de provar que existem passagens que comprovam a união entre duas pessoas na Bíblia, vamos continuar a nossa análise…
Você diz que o casamento pertence a ordem maldita e não se pode confiar no amor e que por isso se inventou o casamento, pois se algumas das partes não cumprisse o “contrato”, este seria obrigado a cumprir. Afirmo, com toda a clareza que você tem um entendimento por amor um tanto quanto distorcido. O casamento existe quando duas pessoas que se amam e querem, por gratuidade, selar uma aliança com Deus. Ali, naquele momento o casal assume perante Deus que vão garantir o amor, a fidelidade, entre tantos outros sentimentos envolvidos um com o outro em todos os dias da vida do casal. Só que a diferença de nós pra Deus é que Ele não esquece a aliança que foi selada. Ele é fiel e por gratuidade continua a abençoar a união. Nós, todavia, como num passe de mágica esquecemos daquele amor que prometemos para toda a vida, talvez porque o amor era egoísta e agora para manter esse amor o outro conjuge deve estar fora dos planos. O amor não se resume simplesmente em sentir-se bem ou satisfazer-se, esta é a visão distorcida do mundo de hoje, amor é comprometimento, é renuncia, é troca de corações. Deus está sempre pronto a guiar o casal para o seu fim maior, e não pense que esse fim maior é a felicidade, o fim maior é a santidade. Se fizermos uma analogia com uma viagem de aviação a felicidade é somente a rota percorrida, o destino final é a santidade. Mas amar caminhando rumo a santidade não é possível somente com felicidade, mas também com responsabilidade, e outras coisas que já citei. Agora, me diga, se você não reconhece o poder de Deus, nem sua divindade, se o seu fim maior no casamento não é a santidade, porque cogitar a possibilidade de casar na Igreja, e receber um sacramento que você não reconhece? Se não acredita em tudo isso, porque se lamentar de não poder receber a Eucaristia? A resposta é simples, você acredita, mas não é humilde, nobre e corajoso de assumir que está do lado de Deus, apesar de senti-lo e querer estar com Ele. O segundo casamento é sim uma ferida, uma ferida que ficou aberta na aliança esquecida, uma ferida aberta por você e não por Deus. Por que querer que Deus se contradiza para descontradizer a tua contradição? Você que viveu a contradição, você que abriu a ferida, você que semeou a discórdia, por que achar que agora é Deus que tem que se relativizar também? Deus é Uno e Trino, onipotente, onisciente e onipresente, com um senso se justiça sem igual e um coração misericordioso disposto a perdoar todas as nossas falhas, e aqui vale um comentário, perdoar as nossas falhas e não disposto a pecar junto conosco. A igreja não anula o primeiro casamento não por medo de se tornar uma balela, como você diz, mas sim por ter certeza do caminho trilhado e de que está, pelo menos buscando, o caminho de Deus. Casamento de padres? Nem vou entrar no mérito pois teria que escrever mais outras tantas linhas, mas só pra resumir, eles assumiram o voto de castidade, bem como o de pobreza e o de obediência, estes mais por um caráter disciplinar, mas eles assumem estes votos diante de Deus, assim como o casamento. Ao contrário da balbúrdia que vemos nos casamentos de hoje em dia, eles, na sua maioria, vivem de acordo com o que se comprometeram viver.
Paulo Paiva
Ai, Yuri, pelamordedeus.
fiume
Pô, Yuri, só os trechos em negrito dão umas 8 páginas… Abs. R.
daniel christino
Yuri, resume aí o livro de (Y)urantia pra gente.