Eu ainda não me meti na tal polêmica dos escritores bancados para se inspirar mundo afora – Projeto Amores Expressos – porque acho que seria melhor fazê-lo através duma ficção. Se calhar, escreverei um conto. Por enquanto, para quem não sabe do que se trata, vale a leitura do artigo do Janer Cristaldo – Corrupção no mundo das letras – e a resposta do Joca Reiners Terron, futuro turista literário no Cairo: Queridos Filhos-da-Puta. Aliás, cá entre nós, eu tenho um canal para viajar até outro planeta de carona com o Karran, ministro de Klermer, o planeta Semente. Será que serve? Ele não cobraria nada.
Pedro Novaes
Pois é, essa parada tá dando a maior polêmica. Eu tô mais pra opinião do Alex Castro, que acha que é tudo dor de cotovelo dos que estão de fora.
Porque uma coisa é vc criticar as leis de incentivo à cultura, e elas são criticáveis. Eu que sou um beneficiário delas, atualmente por elas sustentado, acho que merecem ser muito aperfeiçoadas, que elas deformam tudo como são, que financiam muitas coisas questionáveis, e que nossa meta tem que ser um dia vivermos sem elas ou com elas, talvez um pouco mais realisticamente, representando uma parcela ínfima do dinheiro que move as artes. Nós e os empresários que nos patrocinam precisamos aprender a fazer negócios, a pensar em mercado, a assumir riscos.
Agora, se a crítica é às leis de incentivo, então temos que criticar muito mais coisas. Qual a diferença do Walter Salles ou do Fernando Meirelles fazerem filme com lei de incentivo e esse projeto aí do “Amores Expressos”, não é verdade? São caras (o Salles e o Meirelles) que têm, mais que grana própria, um esquema de mercado por trás de suas (em geral ótimas) produções que pode perfeitamente sustentá-las sem o meu e o seu dinheiro. Neste sentido, estes escritores dos “Amores Expressos” merecem mais a grana da viúva do que eles, não? A maioria tem o seu sustento fazendo seus bicos e publicando suas coisas, mas ninguém está podre de rico ou tem um esquemão de mercado por trás, não é verdade?
Agora, com as leis ou todo o mundo tem direito a fazer uso ou ninguém tem, porque se não evidentemente o resultado seria um comitê burocrático e ideológico dentro do MINC dizendo quem pode e quem não pode faze arte com dinheiro público, com base em seus critérios artísticos e ideológicos, o que é inaceitável.
Evidentemente, por outro lado, não seria difícil, e seria um belo aperfeiçoamento da lei, fazer com que a vendagem e bilheteria dos projetos se revertesse para o Fundo Nacional de Cultura até o montante financiado com renúncia fiscal. Porque de saída tudo o que se gastou já foi pago pelo Poder Público, não é? Logo, não há risco. O que vender, se for um ingresso de filme ou um exemplar de livro, já é lucro. E aí, depois de pagar a viúva, se ainda sobra algo, ótimo, começa a reverter pros realizadores.
Eu sinceramente só consigo entender essa pinimba como dor de cotovelo. Ou critica um monte de outras coisas,ou não há outra explicação. Por que só agora gritam?
yuri vieira
Pois é, bróder, a gente já teve essa discussão aqui e pessoalmente diversas vezes. O problema de se acabar com as leis de incentivo cultural é que isso em nada alteraria a sanha de arrecadação do Estado. Os impostos continuariam tão altos quanto hoje e, com a manutenção continuada do dinheiro nas mãos do governo, a produção cultural deixaria de existir. Sim, porque a sociedade continuaria sem condições de bancar seus elementos criativos. As pessoas precisam entender que a nota, a grana, a bufunfa, enfim, o dinheiro não é algo infinito. Não é. Existe um número finito de cédulas circulando que, graças aos altos tributos, encontram-se acumuladas nos bolsos do Estado. De que adianta um Estado sair por aí alardeando ser rico se assim o é por empobrecer a sociedade?
Enfim, na minha visão, ainda acho que devemos continuar protestando contra essas taxas absurdas de impostos, que incidem sobre tudo e sobre todos, e então – quando alguns políticos inteligentes e honestos (ahahahaha) cairem na real e perceberem que é o Estado quem trava a economia, o crescimento e a prosperidade geral-, então finalmente veremos a carga tributária baixar, o que irá minguar os incentivos natural e paulatinamente até deixarem de existir, afinal, a arte tem a ver com os “belos sentimentos” e, segundo o Millôr Fernandes (naquela fábula fabulosa do cara que começa a chorar depois de comer o próprio cachorrinho), “o despertar dos belos sentimentos [só podem surgir] uma vez satisfeitas as necessidades básicas”. E a grana do governo só dará conta disso, das necessidades básicas, o que é mais do que correto: saúde, segurança e infraestrutura. Como posso pensar em sair para o cinema se o pneu do meu carro pode estourar num buraco de rua, se posso ser assaltado e baleado logo após trocá-lo e, no final das contas, morrer num pronto socorro sem condições de me atender?
Mas e a arte?, perguntarão os atuais bezerros criativos do Estado. Ora, a arte será bancada por quem quer que tenha visão empresarial, artística e dinheiro sobrando – o que é impossível num país como o nosso, com impostos que inviabilizam qualquer poupança, qualquer investimento. Nosso erro é achar que são os empresários do ramo de roupas, sapatos, remédios, queijos, temperos, carros, cadeiras, petróleo, etc. que devem bancar um filme. Um filme deveria ser realizado por homens de negócio cujo empreendimento seja esse mesmo: fazer cinema. O dinheiro não está, como querem os esquerdistas, nas mãos da “elite produtiva”. Está é nas algibeiras do Estado. Já escrevi aqui sobre o depoimento do Woody Allen: nos EUA, há gente que junta 80.000 dólares na poupança, investe tudo num longa de baixo orçamento e fatura 5 milhões nas bilheterias. É assim que deveria ser aqui. Porque é uma mentira argumentar que grandes artistas são sempre incompreendidos em seu próprio tempo. Shakespeare foi próspero, e é o maior de todos. Henry Miller, tão perseguido após seus primeiros livros, morreu numa mansão como vizinho do Ronald Reagan. Agora veja como é aqui no Brasil:
Resumindo, Pedro: se for pra pagar as contas (públicas) do filme e em seguida esperar pelo lucro, pode colocar aí uns 120 anos de espera. Porque há algo muito errado aqui. Ou esses filmes são muito ruins, ou a distribuição é péssima, ou o público é burro e preconceituoso, ou tudo ao mesmo tempo, ou sei lá eu. Porque não dá pra viver de cinema assim. Eu, que pessoalmente não irei embolsar um centavo com o projeto da Cássia, eu que fiz questão de não ter cachê e de não receber pelo roteiro que escrevi, já avisei: é minha primeira e última cartada como diretor de um filme bancado por essas leis de incentivo. Eu não acredito nesse esquema nosso não. Isso sem falar no sem número de parasitas que cercam cada um desses projetos. Agora sei de todos eles: dos captadores, dos contadores, dos vendedores de notas fiscais, dos ene intermediários de tudo, etc. e tal. Deus me livre, quero distância dessa turma. Se o curta não der em nada, vou assumir minha vida de hippie reacionário e vou, sei lá, morar em Alto Paraíso ou Pirenópolis, escrevendo meus livros.
Quanto aos escritores, ora, é a mesma história. Seria ótimo se cada escritor fosse o carro-chefe de uma pequena editora que bancasse suas extravagâncias mundo afora. É assim em outros países mais civilizados que o nosso e é exatamente o que eu queria. Ninguém fica, lá no mundo civilizado, querendo ser publicado pela super-editora Tal e Tal. Neguinho quer ser é publicado e viver disso, pouco importando quem seja o editor. Mas, aqui, novamente, ninguém consegue poupar dinheiro para investir em novos talentos. Há dez ou quinze anos atrás, eu certamente teria inveja desses caras aí. Mas hoje, depois de ter amado e de ter sido amado por mulheres gatas e inteligentes (amores expressos, lembra?), depois de buscar sentido em mil crenças e filosofias, depois de escalar até os altos cumes de vulcões, depois de baixar até as profundidades de mais de 15 cavernas labirínticas, depois de fazer o mesmo psicológica e espiritualmente, com e sem ajuda química, já sei que, tal como Fernando Pessoa fala muito bem pela escrita do Bernardo Soares, que não há nada de essencial do outro lado do mundo que já não exista aqui e agora. No lugar desses caras, eu teria pudores. Mas isso porque minha busca já terminou há muito tempo e eu encontrei o que sempre quis encontrar. Embora, por razões diversas, ainda queira viajar muito, não preciso colocar minha consciência em risco por conta disso. No mais, do fundo do meu coração, espero que, dentre esses caras, surja algum gênio literário deslumbrante para calar a boca dos invejosos e dos juízes de boteco. Espero mesmo. Neste caso, prefiro que a grana seja gasta assim que com o salário do palhaço do Lula. Mas algum desses nomes serão lembrados pela posteridade? Bem, nos falamos daqui 200 anos. Porque ao menos minha alma estará viva então. Se Deus quiser.
{}’s
yuri vieira
Ah, esqueci um detalhe: eu, que não sou bobo, depois de o meu roteiro ter sido aprovado por uma dessas leis de incentivo, incluí uma fala onde o protagonista critica o incentivo público ao cinema. Nada como ser um agente infiltrado… 🙂
daniel christino
O dinheiro é infinto, assim como também é infinita a capacidade de endividamento. Uma coisa controla a outra. Se o atual volume monetário circulando no mundo fosse realizado em papel moeada, faltaria papel (embora sobrasse moeda).
Não trabalho com leis de incentivo por pura preguiça mesmo. Já tive oportunidades, mas outras coisas mais pessoais se meteram no caminho. Embora concorde com todas as críticas feitas pelo Pedro e pelo Yuri à lei, gostaria de apontar algo que vejo como uma grande vantagem: a decisão de financiar não é do Estado, ele apenas facilita.
Sei que existem os “conselhos de cultura” (se conselho fosse bom a gente vendia) fazendo a triagem do material, mas eles tem sido mais inclusivos do que exclusivos. Agrada-me, acima de tudo, a seguinte premissa: melhor a sociedade decidir o destido do dinheiro.
Se o seu “produto cultural” for bom de acordo com os padrões de quem financia (afinal, a marca estará associada ao produto) então ótimo!! Se não for, desculpe, mas não tem dindim. Não é o ideal, mas é melhor do que propaganda oficial.
Por fim, sempre fiquei com a pulga atrás da orelha a respeitdo desse negócio de “nosso dinheiro”. Sei da importância cívica de espalhar essa idéia, mas cá entre nós: meu dinheiro eu aplico onde quero, tenho autonomia até para rasgá-lo num acesso de loucura metafísica (sai prá lá, matéria!!). O dinheiro do Estado, well!, ele geralmente aplica onde eu nem mesmo verei sua cor ou cheiro. Se eu pudesse opinar sobre como ele deveria ser gasto (coloquem lá, como sugeriu o doido do Boaventura Santos, um campo a mais na declaração do imposto de renda, onde eu possa marcar um X na área em que gostaria de ver meu dinheiro aplicado) talvez o veria como meu.
Na verdade, eu não pago imposto, eu pago tributo. O benefício que recebo em troca é um pouco de civilização (leis, polícia, etc.). Como vêem, não sou o mais liberal da tchurma aqui. Minha visão distópica da sociedade liberal aproxima-a do trânsito: cada um tem seu carro, as regras de convivência estão dadas, mas deixe cada um obedecer de acordo com sua discrição e o resultado será/é o caos. Esta talvez seja a atividade na qual a mente individual está mais livre para agir de acordo com seu arbítrio. Arre! Agora güenta a volta.
paulo paiva
Daniel, c bebeu gasolina? Primeiro, disse que a quantidade de dinheiro é infinita [se infinita fosse, não seria necessário economia! Caso prove que sim, parabéns!, vc conseguiu revolucionar a economia e merece um Nobel por isso]. Segundo, afirma que o Estado pode fazer o que bem entender com o dinheiro de impostos, pois, afinal, não é vc que manda no dinheiro diretamente [nunca vi pensamento mais egoísta vindo se sua pessoa! Ou seja, saiu do meu bolso, foda-se, pode ser usado pra entuchar o rabo dos políticos de vinho francês]. E por último acha que ser liberal é atacar a necessidade de regulamentação da vida social [Putz! É bobagem demais pra um post só].
yuri vieira
Credo, Paulo, o Daniel até entrou super na boa.
Minhas considerações são as seguintes: a emissão de dinheiro é potencialmente infinita, mas a quantidade de dinheiro em circulação não é. Simplesmente porque, como qualquer produto, imprimir dinheiro custa… dinheiro. Não é de graça. Aliás, uma definição razoavelmente boa de “juro” é que o juro é o preço do dinheiro. Quando o Estado segura muita grana em seus cofrinhos, falta oferta de dinheiro no mercado e então os juros são altos, o que nos obriga a trabalhar muito mais para conseguir aquela simples e agora valiosíssima moeda. Sim, o Estado poderia imprimir quanto dinheiro quisesse e inundar o mercado de cédulas e moedas. O problema é que a oferta de dinheiro seria muito grande e seu valor cairia: alta inflação e juros baixos. (Vide Alemanha pós-primeira guerra, em que um pão custava um saco enorme de dinheiro.) Logo, como fazer circular dinheiro que realmente tenha valor sem que aumente a inflação? Baixando impostos, pois apenas isto manterá o dinheiro junto à sociedade. A redução dos impostos daria origem a uma verdadeira “revolução enxugadoura”. Com menos verba, o Estado seria obrigado a gastar apenas com o essencial, coisa que não vem fazendo, já que ele só olha nosso dinheiro com cobiça, tencionando bancar mais corrupção e negociatas de políticos e empresários do mal. Digo “nosso dinheiro” me referindo ao dinheiro que deveria estar na minha carteira e na sua, não àquele que já foi tungado através de tributos. Porque concordo totalmente contigo, Daniel: dinheiro público não é nosso dinheiro.
Como eu dizia ao Ricardo Calaça ontem: não existe moto-perpétuo. Quando vc, por exemplo, faz girar uma roda de bicicleta sobre um cavalete, ela irá parar se vc não adicionar mais força ao impulso inicial. Essa força a mais é o lucro. Numa situação REAL (e não nessa ilusão-matrix criada pelo Estado e suas leis de incentivo), no mundo real, se um filme só dá prejuízo, então não haverá impulso adicional para outro giro, isto é, para a produção de um novo filme. Isso pode parecer falacioso enquanto só houver incentivos à cultura. (E à agricultura. E aos cortesãos petistas.) Contudo, se é possível conseguir mais um empurrãozinho-ex-machina, isto é, um empurrão totalmente alheio ao processo – no caso mais verba pública para bancar mais um filme do mesmo diretor fracassado -, a fonte desse empurrãozinho tampouco é inesgotável: é a sociedade. Quem dá incentivos à sociedade como um todo? Ninguém, apenas ela mesma com sua fé na boa vontade alheia e na sua própria força e capacidade de trabalho. Quando um membro da sociedade leva um prejuízo pessoal dessa ordem – como as citadas acima – vai passar fome, porque não terá outro empurrãozinho que não o seu próprio. E quando toma empréstimos, tem de pagá-los. E com juros, isto é, com interés. Deste modo, alguém que faz um filme (ou escreve um livro) bancado por dinheiro público, na real, não faz senão tomar dinheiro “emprestado” da sociedade e não devolvê-lo. (Afinal, como já concordamos, ah, é dinheiro público, não é de ninguém.) E não adianta dizer que devolveu na forma de arte: porque o público não quis prestigiar seu trabalho. Logo, para quem são feitos esses filmes e escritos esses livros?
Agora, o mais absurdo é que as empresas estão embarcando em navios que cruzam esse mesmo mar de lama. Principalmente empresas ligadas à área cultural. Ao invés de pedir empréstimos ou arriscar seu próprio patrimônio, iniciam seus empreendimentos através das leis de incentivo. Pode parecer ótimo – ou maravilhoso, já que, caso role prejuízo, o dinheiro era “apenas” dinheiro público – mas isso apenas ajuda a enfraquecer ainda mais a sociedade diante do Estado, que se torna o papai de todos. Principalmente porque não existe pé de dinheiro: alguém suou para amealhar aquilo que tais empresas acabam desperdiçando. (Até o riquíssimo Cirque du Soleil foi bancado em parte com dinheiro público quando se apresentou aqui. Isso é… uma vergonha!!!)
Quanto a esse “orçamento participativo” – é esse o nome do bicho citado por vc, Daniel – não passa de mais uma prova de que a semeadura da desconfiança, fomentada pelo pensamento estatista, realmente vingou no Brasil. Sem confiança, não há sistema representativo. O problema é que, sem sistema representativo, não há democracia, mas apenas uma ditadura com maquiagem popularesca, tipo Hugo Chávez. A melhor forma de decidir o que fazer com o meu dinheiro é decidir livre e individualmente: mas com ele em meus bolsos, e não tungado pelo Estado. (Se está no Estado, ainda espero que o legislativo decida, já que um legislativo doente é melhor que um legislativo morto.) Ademais, tenho dois grandes amigos que já me disseram: se eu conseguisse poupar dinheiro nessa bosta de país, já teria bancado o teu filme. Meu roteiro de curta-metragem vai fazer aniversário de 4 – QUATRO – anos e só agora será rodado. Isso simplesmente porque o dinheiro não estava na sociedade (com meus amigos), mas com o Estado, ao qual a Cássia teve de recorrer.
Não sei se foi o Pedro, o Paulo ou o Ricardo, mas um deles me disse ontem: é mentira dizer que gastar dinheiro com filmes tira a saúde e a segurança de alguém, porque a grana é repartida entre as prioridades do Governo, entre os ministérios, secretarias, governos estaduais, pastas mil. Nunca afirmei isso, que um filme tira grana da saúde ou da segurança. O que eu digo é: o Estado tira a grana da sociedade e não dá nada que presta de volta. Por isso não deveríamos confiar tanta grana a ele. O Boris Casoy, antes de ser obrigado pelo Gushiken e pelo José Dirceu a se retirar, já falou: “Fome Zero? Basta cortar os impostos dos alimentos e os pobres conseguirão comprá-los”. É fato.
Enfim, a analogia que o Daniel faz da “sociedade liberal” com o trânsito tem tudo a ver com os últimos artigos do Olavo de Carvalho – que tiveram início com o “Por que não sou liberal“. Neles, ele demonstra como o pensamento liberal (livre-mercado), sem o lastro dos princípios conservadores (liberdade individual, Estado de direito, tradição judáico-cristã), só vai dar em merda mesmo. Esse trânsito do Daniel, cheio de niilistas, egoístas e idiotas (do grego, idiótes), só pode redundar em caos mesmo. Apenas motoristas filhos-de-Deus poderiam se comportar. E filhos de Deus não nominalmente, mas de fato, porque Jesus já disse: quem não ama a seu irmão mente ao dizer que ama a Deus. E quem ama a seu irmão, não vai sacaneá-lo no trânsito. E nem com aviões contra edifícios. E nem com o vazamento sem fim de dinheiro suado alheio gasto em filmes que desagradam.
{}’s
daniel christino
Bebi sim, Paulo, e agora vou mijar gasolina na fogueira.
O Yuri deu uma definição razoável de juros; eu vou dar outra: juros são o mecanismo de reprodução do dinheiro. Quer ver como posso fazer mais dinheiro do dinheiro que tenho sem nem mesmo produzir alguma coisa? Compra e venda de dólares. Eu compro hoje, vendo amanhã e zás, meu dinheiro duplica. Pego metade, invisto na bolsa e, no médio prazo, ele engorda até 36% (dependendo do tipo de investimento). Pego a outra metade, compro mais dólares a espero. O dólar tem uma variação e eu vendo, ganho mais uma bolada. E isso sem nem mesmo mexer com os mecanismos ditos produtores da riqueza (a atividade econômica primária e secundária: agricultura, indústria e comércio). Isso porque a noção de valor não é material e não depende da atividade econômica real senão apenas em seu início. Valor é uma percepção, mais ou menos informada. Um boato pode me fazer ganhar mais dinheiro do que mil cabeças de boi no pasto. Dinheiro, hoje, são bites e bytes. Neste sentido, e apenas neste, ele é infinito. Em seu todo. Não o meu ou o seu dinheiro, mas essa tradução material do valor. Eu e você temos dinheiro na exata proporção da nossa capacidade de endividamento. Mas quanto dinheiro você acha que circula no mundo? Gira e gira em números de contas bancárias sem nunca virar, efetivamente, papel-moeda, ou seja, sem nunca realizar-se numa economia qualquer? Como dizia o Kenneth Arrow “think out of the box”.
Quanto ao que disse o Yuri. Regulação pela religião, Yuri, é auto-regulação. O problema do trânsito (li um negócio interessante no Gustibus, mas faz algum tempo e não consegui achar) põe o dedo na ferida: o Estado tenta regular o máximo possível – carteira de motorista, multa, semáforos, fotossensores, SMT, educação para o trânsito, etc. -, mas não consegue impedir os indivíduos de serem estúpidos consigo próprios e com terceiros. O Paulo não entendeu, mas o tipo de regulação feito no trânsito é um dos mais invasivos realizados pelo Estado, um dos mais antiliberais que há. Imagine: você não pode andar pela rua sem um documento emitido pelo Estado senão te tomam o carro e ainda te aplicam uma multa. Há fotossensores espiando e registrando tudo o que você faz com seu carro em determinadas vias. Agora, câmeras de monitoramento de tráfego estão sendo espalhadas pela cidade. Isso é controle total. E porque nós não falamos nada, nem hasteamos bandeira contra isso? Porque somos tão liberais contra o imposto e tão estatizantes em relação ao trânsito? Eu digo: nós não acreditamos para valer no indivíduo. Nem um pouco. Ele é uma utopia liberal, realizável apenas no horizonte distante de um tempo infinito. Quanto aos filhos de Deus, bem, depois de 2.000 anos a coisa já deveria ter funcionado. Por enquanto serviu apenas para financiar a existência de algumas instituições muito pouco piedosas, e um punhado de iluminados hermenêutas autorizados da palavra. Será que a coisa sai do lugar nos próximos 2.000 anos? Duvido.
paulo paiva
Daniel, dinheiro não precisa virar papel moeda pra ser “real”. Se fizermos um negócio entre nós, é só transferir bytes da minha conta pra sua. Não preciso levar uma maleta de dinheiro. O Bill Gates não tem 100 bilhões de dólares em papel. Mas ele TEM 100 bilhões de dólares (ou mais, sei lá) registrado nos bancos. Esse dinheiro “virtual” é “real” pois referencia e mobiliza toda a economia (por exemplo, o dinheiro do Bill Gates, se estiver num banco, está emprestado a outros clientes, sejam eles estatais ou privados. É assim que funciona um banco. Ele faz o dinheiro se “realizar”, se movimentar. Sua idéia de mercado financeiro é do tempo que se guardava dinheiro no colchão!). Toda vez que um grupo pensa que o dinheiro é infinito, a bolsa, ou o mercado, quebram (vide NASDAQ e bolha imobiliária no Japão e EUA). No final das contas o dinheiro tem referência na percepção das pessoas, como vc bem disse, e essa percepção, ou expectativa, cedo ou tarde se ajusta à realidade, esteja ela em que nível for de valorização.
Quanto à questão do trânsito sua idéia se baseia, sou forçado a conjecturar, numa visão idílica de que um dia TODOS serão seres evoluídos intelectualmente e moralmente e prescindiriam, portanto, de controle. Pois bem, amigo, isso nunca vai acontecer. Pode ter certeza. Eu agarantio. Em sendo assim, visando punir, sim, PUNIR (palavra feia, não?) os aproximadamente 10% que sempre tentarão burlar a lei (segundo meus cálculos aproximados e considerando ainda um avanço moral em relação à situação atual) é necessária a tal regulamentação draconiana e invasiva. Para o bem da integridade física de todos, inclusive os 10% danadinhos. E olha que eu recebi 3 multas de radar nos últimos 2 anos (mierda!). O “fazer cumprir” da lei pode até ser em outro formato, que não o estatal, seguindo a linha do David Friedman, que propôs uma sociedade em que o sistema judiciário seria delegado a empresas (muito interessante, mas talvez revolucionário demais pro nosso tempo ou talvez uma loucura pura e simples, ainda não me decidi).
A regulamentação e as penalidades não são incompatíveis com a liberdade. São as regulamentações e penalidades do trânsito que me dão a liberdade de ir com meu carro onde eu quiser, com uma segurança razoável. Tão razoável que não fico preocupado quando atravesso um sinal verde, pois é quase certo que não haverá outro motorista atravessando no sinal vermelho, decidindo por conta própria sobre o risco de desobedecê-lo! E só para concluir: eu preferiria que não existissem sensores e câmaras e houvessem mais guardas de trânsito bem treinados e honestos. Percebeu a qualificação que dei aos guardas? 😉
daniel christino
Tá certo, Paulo. Mas porque eu iria fazer negócio com você se meu dinheiro, por conta própria, sem me engajar numa relação de troca qualquer, gera mais dinheiro ainda deixado sozinho? O que me move para além das necessidades, digamos, Maslowianas, é o desejo de consumo. O resto é acumulação. Bill Gates tem seus zilhões, mas estes zilhões garantem a ele, pelo menos, mais outros zilhões em crédito e estes, se bem investidos, mais outros zilhões. Isto sem falar na marca (a marca Coca-Cola vale mais do que todo o patrimônio “real” da Coca). Na verdade, o que é real nesta história toda? Isto daria uma boa tese em ontologia da economia (existe isso???).
daniel christino
Por fim, além então da saúde, da regulamentação financeira, das agências reguladoras, do Congresso Nacional, do Judiciário, da Segurança, somamos também às tarefas do Estado a elaboração, fiscalização e gestão do tráfego. Humm… o Estado mínimo dos liberais só faz aumentar…
paulo paiva
Daniel, repetindo: dinheiro não se reproduz sozinho, não é uma bactéria ou algo assim! Seu dinheiro no banco não está “parado” e se reproduzindo em uma estufa. Ele é emprestado à alguém para uso e esse alguém PAGA por este dinheiro (os chamados juros), numa relação de compra e venda como outra qualquer (carros ou pães, etc.). O problema é que o grande tomador de empréstimos é o governo, que, com sua fome e fama de mau pagador, tem que pagar juros altos para (i) captar a imensa quantidade de recursos de que precisa para pagar funcionários, obras e até mesmo outros juros (competindo com empreendedores privados) e (ii) para valer o risco de sua inadimplência. Sendo assim, é melhor vc deixar o dinheiro emprestado ao governo do que embarcar num empreendimento privado, pois empreendimentos privados são mais arriscados e é por isso que o desenvolvimento de nossa economia vai caminhando a passos largos para a irrelevância mundial. Pouquíssimos tem tutano pra enfrentar essa concorrência com o governo. Só os grandes. É por isso que há aquela briga toda no Copom, de empresários querendo reduzir os juros. Juros altos matam a economia aos pouquinhos e levam pobreza à população.
Quanto ao seu comentário sobre o “estado mínimo dos liberais”, não tenho a menor idéia de onde vc quer chegar. Na verdade tive, mas achei melhor não considerar, devido ao fato deste absurdo já ter sido abordado no meu último comentário a este post.
E Yuri, só um reparo: o valor da impressão do dinheiro têm um peso tão pequeno no seu valor, nesse mundo de “dinheiro virtual”, que esse aspecto não é relevante.