Vi uma frase da Clarice Lispector aqui no blog, na seção Bem Dito, que me lembrou de uma cena inusitada que presenciei há muitos, muitos anos: “Estou com tanta saudade de Deus.”

Estudei boa parte da minha infância no Sacré-Coeur de Marie, um colégio dirigido por freiras na Rua Toneleros, em Copacabana. As freiras eram bem rígidas, acho que até demais. Não tenho lá boas recordações delas. Lembro-me de broncas, caras enfezadas, alguns puxões pelo braço — eu sei, eu não era bem um santinho.

A cena aconteceu justamente com uma dessas freiras. Por respeito, vou emitir seu nome, mesmo ela não estando mais entre nós. Podemos chamá-la de Maria.

Irmã Maria era uma das mais rígidas freiras do colégio. Era carrancuda mesmo. Só me lembro dela distribuindo broncas por todos os lados. E nunca, nunca, nunca mesmo, eu a vi sorrir. Acontece que irmã Maria já estava bem, bem velhinha. E começou a ficar gagá. Já não lembrava das coisas, dos nomes das pessoas, etc. Às vezes, nós a víamos pelos corredores andando sozinha, como que perdida — na verdade, acho que ela realmente estava.

Esses, digamos, passeios tornaram-se freqüentes. E, em muitos deles, ela estava choramingando — no sentido de “chorar baixinho, sem lágrimas”. Era superestranho. Acho que ela escapava de seus aposentos, sem que as freiras que cuidavam dela percebessem, e ia caminhando e choramingando pelos corredores.

Certa vez, uma aluna, já uma pré-adolescente pelo que me lembro, foi até ela e perguntou por que ela chorava.

“Saudades de Deus”, respondeu. Essa tornou-se sua resposta padrão. “Saudades de Deus”, repetia sempre.

Não quero parecer maldoso, mas sempre achei que aquela freira estava bem longe de Deus mesmo.