Sou Geógrafo. Desta forma, evidentemente deveria ter lido Milton Santos durante a graduação. Para quem não o conhece, Milton Santos é o nome mais importante da Geografia no Brasil e um pensador respeitado nos meios acadêmicos do mundo todo. Santos foi o único não anglo-saxão a receber o Prêmio Vautrin Lud, uma espécie de Nobel da Geografia.
Confesso que, em meus anos de faculdade, não tinha muito saco para seus livros. Dada minha preferência pela mesa de sinuca do DCE às aulas de Metodologia e de Geografia Urbana, não posso opinar sobre a validade e importância da contribuição do Doutor Milton Santos à Ciência do espaço, mas creio poder afirmar que suas reflexões políticas não são lá grande coisa, sobretudo após assistir ao documentário “Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global visto do lado de cá”, dirigido por Silvio Tendler.
Silvio é comunista de carteirinha. Apesar disso, fez pelo menos um documentário muito bom, claro que sobre um tema menos político: o obrigatório “Glauber – Labirinto do Brasil”. (Aliás, dessas coisas risíveis, pois à época de sua morte Glauber apanhava tremendamente da esquerda por sua aproximação com a ditadura, coisas como “Golbery é gênio da raça”, etc. Davam-lhe pau que só. Foi o cara morrer e estavam todos lá no enterro dele, como aí estão até hoje a incensá-lo. Hipócritas).
Sobre Milton Santos, cabe contar uma hilária anedota verídica: meu pai, certa vez, compôs a banca de entrevistadores do programa Roda Viva, cujo centro era o professor Milton Santos. Findo o programa, hora de ir embora, calhou terminarem os dois, meu pai e Milton, no mesmo carro da TV Cultura, pois iam para a mesma direção.
Meu pai deu ao motorista a indicação de seu hotel e o geógrafo informou que morava em uma travessa da Rua São Gualter, nas proximidades da Praça Panamericana.
Passa o carro a referida Praça e começa a subir a São Gualter. Chegam ao final, e nada do professor indicar sua casa.
“Professor”, o motorista o chama olhando pelo retrovisor, “já chegamos ao final da São Gualter. O senhor não disse que sua casa era por aqui?”
O Dr. Santos parecia confuso olhando à volta o bairro de Pinheiros. Pediu que retornassem em direção à Praça, onde chegaram sem que o geógrafo localizasse sua rua. Pediu então, para espanto de meu pai e do motorista, que parassem, e desceu do carro. Durante alguns minutos, ficou olhando ao redor, tentando se localizar.
Meu pai por fim perguntou: “O senhor mora aqui há pouco tempo?”.
“Há 20 anos”, respondeu ele, e completou: “É que é minha mulher quem dirige”.
Finalmente, depois de alguns minutos, pareceu se encontrar e conseguiu, não sem mais algumas voltas, chegar à sua residência.
O grande teórico da ciência do espaço não sabia onde ficava sua casa… Casa de ferreiro, espeto de pau.
Feito o parêntese, o filme de Sílvio Tendler tem encontrado boa acolhida em festivais aqui e fora. Ganhou o Prêmio do Juri Popular, no Festival de Brasília. É o de se esperar, diante do pensamento anencéfalo de esquerda reinante.
Para não me alongar, cito a frase de um amigo à saída do cinema: “Entre um delírio e outro fico com ‘Estamira’“, refererindo-se ao ótimo documentário de Marcos Prado sobre a psicótica habitante do lixão de Gramacho, na Baixada Fluminense, todo construído em cima do discurso esquizofrênico da mulher. O filme de Silvio Tendler é um panfleto delirante. Não perca seu tempo. Só o Yuri aguentou até o fim a enfiada interminável de imagens de protestos na Bolívia, em Davos, em Seattle, e as inserções do finado Dr. Milton desfiando seu catecismo sobre a perversidade da globalização.
Ou há algo muito errado com a Geografia, ou o homem era esquizofrênico: brilhante pra falar do espaço, delirante pra falar de política. Que Deus o tenha.