Finalmente assisti à Paixão, mas, sinceramente, fiquei decepcionado. Certos detalhes importantes estragaram o todo da obra. E o que tenho a dizer – se é que direi – não tem nada a ver com essa conversa boba de anti-semitismo, de sadismo do diretor, da suposta homossexulidade do diabo, ou coisas do gênero. E olha que fiquei satisfeito e comovido com a representação de Jesus enquanto Deus e homem. Talvez minha crítica não seja senão a de um roteirista a outro. Coisa de chato. Ou seria de urantiano?
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Já disse aqui uma vez e repito: Mano Brown, cuidado, de coração, não vá se meter com política. Para este país se reerguer, precisa ser puxado de cima, não pela política, que é do mundo, que é daqui de baixo, mas pelo espírito, que é do Alto. É preciso guardar-se contra a lábia açucarada dos políticos, tenham eles saído do povo ou de uma elite qualquer. No final das contas, não sabem o que fazem. Quando dizem que querem reformar a sociedade, na verdade, “apenas” almejam reformar o homem, e não libertá-lo. O homem já está pronto e a prisão está dentro de cada um, não no mundo. Você tem voz, Mano Brown, e muita gente costuma ouvi-lo, portanto, cuidado, não se deixe usar.
Eu sou do Jardim Prudência, de uma travessa da Avenida Cupecê, e aí cresci, na Zona Sul paulistana. Senti por muitos anos o cheiro da represa Billings e da Guarapiranga nos dias de muito calor. Talvez tenhamos disputado a mesma corrida de carrinho de rolimã, não sou um alienígena. Eu conheço essa região e sei das tentações. Inclusive a da política. Em 98, levei o carro de um amigo a uma oficina do Campo Limpo para trocar a bomba d’água. Ao lado, havia um terreno baldio cercado por muros e, sobre o muro da frente, alguns garotos, rindo e jogando pedras lá para dentro. Eu conversava com o mecânico, surpreso por ele ter a mesma opinião que eu: a revista Planeta não é mais aquela… (Ele tinha uma coleção de Planetas igual à do meu pai, desde os anos 70!) E então chegou um mano, o mesmo que acabara de conversar com os garotos, fazendo-os descer do muro. Perguntei o porquê de toda a euforia. “Você não sabe?”, me disse, “venha dar uma olhada”. De um buraco no muro, vi: um cara, em decúbito dorsal, a garganta e os pulsos cortados, o peito estourado. Puts!, soltei, o que foi que rolou? E o mano: “Dívida de tráfico, véio, não pagou, dançou”. E a polícia?, perguntei. “Ah, daqui a pouco eles tão aí, pra recolher o presunto…”
Claro, tudo isso deixa a gente revoltado, querendo mudanças já. E a gente pensa na política, em alguém consertando (e concertando) as coisas de cima para baixo. Pensa que, se os tentáculos do Estado nos abraçassem e protegessem, ficaríamos melhor. Mas não se engane: quanto maior for o Estado, mais longe estaremos do seu líder, seja ele benévolo ou não. E nenhum líder jamais poderá “derramar seu espírito sobre toda a carne” dos seus subalternos, jamais poderá saber tudo o que pensam e fazem no dia a dia, jamais poderá influenciá-los beneficamente de dentro para fora, não importando quantos espiões, informantes, corregedores e investigadores tenha, não importando qual ideologia defenda. Logo, quem controlará o poder dos pequenos ditadores periféricos? Afinal, não são eles a manifestação do próprio Estado, os efeitos das causas elaboradas no alto escalão? Quem com eles pode? Só Deus poderia, se assim eles quisessem, se assim O aceitassem. Mas estamos cansados de saber que o poder corrompe e que o que tem de ser, será. Nenhum Estado jamais reformará a sociedade, jamais salvará o homem do que quer que seja. Nem mesmo um Estado teocrático, desses que se utiliza da Palavra para justificar suas injustiças e arbitrariedades. A questão é dificílima, não é qualquer molusco político que a resolverá. Dificílima porque não depende de um projeto coletivo, mas da vontade de cada indivíduo.
Enfim, para o país, para o mundo se reerguer, só é necessária uma coisa: confiança. E confiança só existe entre irmãos. Outro dia escrevi a um amigo agnóstico: confiamos um no outro porque vivemos juntos experiências que aproximaram nossos corações. Beleza. Mas como iremos confiar em quem vive do outro lado do Atlântico? Não basta uma ideologia humanista, muita gente já morreu por não se encaixar neste ou naquele conceito de humano. Aliás, não basta qualquer ideologia, afinal nada matou mais no século XX do que as ideologias. Tampouco basta uma religião, muita gente já cometeu atrocidades em virtude da oposição a suas crenças. Para que alcancemos essa fraternidade, e consequente confiança mútua, necessitamos da experiência íntima de termos um Pai espiritual, um Pai de todos. E só. É o único jeito. Uma vez disse ao Ricardo Cruz, editor da Revista da MTV: “Quinho, quero entrevistar o Mano Brown”. E ele: “Pô, velho, vai ser difícil, a gente já tentou pra caramba, o cara não confia na MTV”. E eu: “Mas eu quero conversar sobre Deus, religião, moral, sobre essas coisas.” “Se você conseguir, beleza, mas não boto muita fé não…” Por que isso, Mano Brown? Porque você não conhece quem é aquele que irá entrevistá-lo, não sabe se é seu mano. Vivemos em mais uma época do filho contra pai e pai contra filho. É um época ótima para os políticos: se aproveitam da desconfiança geral no próximo para vender suas receitas de prosperidade. Receitas que dizem basicamente o seguinte: vamos politizar todas as relações humanas. Daí o crescimento do Estado e de seus mecanismos de vigilância para além do necessário. E tal expansão — devido a uma desconfiança básica no próximo — depende diretamente disto: do secularismo, da ausência de uma instância sagrada. Se um líder de governo for um cego espiritual, estamos perdidos. Se for um cego guiando outros cegos, meu Deus, será o fim.
Por isso é que lhe digo, Mano Brown, cuidado com os políticos, não importa quem sejam. Fica com Deus e vigie. A César o que é de César.
Depois daquela mulher nos EUA, agora foi a vez de um pastor mineiro partir desta pra melhor enquanto assistia ao filme do Mel Gibson (A Paixão). Isso é que uma obra capaz de provocar verdadeiro pathos. Ainda não a assisti, mas talvez seja bom já deixar o testamento pronto…
Oportuno memorial, escrito por Deonísio da Silva, a respeito da querHilda amiga.
Um texto da Marisa Moura sobre o agente literário, essa entidade mais rara no Brasil que político honesto. Aliás, tanto escritor ruim, feito na medida pra ser best seller – eu, por exemplo – e ninguém pra empresariar. É o fim da picada mesmo. 🙂
E por falar no J. Toledo, verei se em breve coloco no site da Hilda o depoimento que ele escreveu a respeito dela para o Blocos on line. Aliás, a Ana Peluso, que parece ser do mesmo planeta que eu, também fez sua homenagem.
Já que comentei sobre dois excelentes artistas plásticos que conheci recentemente (Luiz Costa e Siron Franco), decidi pagar um mico e mostrar umas das telas que pintei em Brasília (1996), enquanto cursava artes-plásticas na UnB. Eu a chamo de “Borboleta-Cacatua-Elefante”. :)) Caso vc preste um pouquinho de atenção, entenderá por quê. Ah, não adianta ninguém querer comprá-la, pois pertence à minha irmã, que é arquiteta, e que atualmente a usa para “decorar” sua sala de estar.

[Ouvindo: Flamenco Sketches – Miles Davis]
No começo deste ano, tive ótimas conversas com dois artistas plásticos de alto poder de cor: Luiz Costa e Siron Franco. Para quem não os conhece, vale ao menos uma visita a seus respectivos sites. (Agora vou ter de ir de qualquer jeito à casa do J. Toledo, perto de Campinas-SP. Conversamos há anos por telefone e email e até hoje não tomamos aquele uísque…)
Enquanto o filme não chega por aqui, o negócio é entrar na maratona de preparação: reler ao menos São Mateus e o correspondente capítulo do Livro de Urântia. Claro, e torcer pra que a burrice não vença e impeça a veiculação do filme no país. Aliás, um dos textos mais claros que li a respeito dessa, sejamos sinceros, polêmica pueril é este aqui.

Amigos, obrigado pelas palavras de carinho e conforto. Logo mais postarei meu próprio depoimento sobre essa figura maravilhosa que é – sei que ainda é – Hilda Hilst.
Quanto a você, Hildeta, saiba que apesar de todas as nossas conversas sobre morte, imortalidade da alma, Deus, transcomunicação instrumental, projeção astral, religiões, santidade, ovnis, cosmologias mil, enfim, sobre “aquelas coisas”, não pude deixar de chorar sua morte. O engraçado é que choro, imagino, mais por mim do que por você. Porque sei que você ficará muito bem, voltará a ter, como você desejava, suas formas jovens, voltará a ser na aparência a mulher linda que sempre foi interiormente. E eu ficarei aqui ainda um bom tempo, suponho. Nesse mundo louco. E você curtindo a liberdade do espírito. Fico até com ciúmes, imaginando que irá correndo atrás do seu pai, do Richard Francis Burton, do James Joyce, do Kafka, do Vinícius de Moraes, do Yogananda e de outros caras “deslumbrantes”. Espero que você possa se comunicar, conforme combinamos. Uma visita – vestida de vermelho, lembra? – um email, tanto faz. Não se esqueça de nós, do Dante Casarini, da Iara, do Zé Luis Mora Fuentes, da Olga, do Almeida Prado, do Toledo, do Vivo, do Araripe, da Inês Parada, do Gutenberg, do Jurandi, da Lygia Fagundes, da Shirley e de tantos outros seus amigos que merecem mais lembrança do que este que agora lhe escreve, apesar da minha sensação de ter entrado pra “família” no dia que me repetiu uma frase que, tenho certeza, já havia sido dita para alguns deles: “Yuri, obrigado por ser adepto da minha loucura”. Eu amo você, querida. Espero um dia me tornar um escritor digno da sua admiração. (Meu Deus, isto será dificílimo! Você é exigente demais. Tanta gente consagrada que você não curtia.) Em todo caso, já vou dizendo o que nunca senti ter moral para lhe dizer, mas que agora, sendo você uma recém nascida do espírito, irá entender: obrigado, Hildeta, por ter sido adepta da minha loucura. Se eu não a tivesse conhecido, se eu não tivesse descoberto que é possível ser um bom escritor em meio a todas “aquelas coisas”, e outras mais, eu teria ido parar num sanatório há algum tempo. Você me provou, nesses seis anos de amizade e dois de convivência diária, que é possível defrontar a loucura deste planeta sem perder a fé no Pai e na Arte. Aliás, obrigado também pelo chapéu de bobo, pela casa (do sol), pela comida e pela alma lavada. Nunca vou lhe esquecer. Fica com Deus.
Besos y besos y besos
Yuri
PS1.: Não sei se você percebeu, mas ontem eu e alguns amigos esvaziamos algumas garrafas de vinho – no apê do Pedro Novaes – em sua homenagem. A de vinho do Porto era da marca “Porto Seguro”. Pra lhe dar sorte.
PS2.: O Toledo já me havia escrito de madrugada avisando do seu passamento. Mas só fui me inteirar do ocorrido quando o Rodrigo Fiume, do Estadão, me telefonou. Eu estava justamente gravando um CD do Miles Davis pra você. Summertime é a primeira música. Vou mantê-lo para me lembrar que você partiu num verão.
PS3.: E veja se vai mudando de opinião com relação a que “gostar de mulher por cima é coisa de viado”. Poxa, tá querendo refutar todo o Kama Sutra, é? Diz isso pro Burton aí em cima pra você ver se ele não lhe dá uns tapas… 🙂
