blog do escritor yuri vieira e convidados...

Categoria: Cotidiano Page 50 of 58

Bate-bola

clovis.jpgEu estava revendo a foto da entrada anterior e, graças às burcas, me lembrei do Clóvis ou, como as crianças costumavam chamar, dos Bate-bolas. Eram uns palhaços sinistros, com máscaras indefinidas ou de caveiras, que, durante o carnaval, saíam pelos subúrbios do Rio de Janeiro a assustar as crianças. Sempre passávamos as férias de final de ano e os feriados curtos na casa dos meus avós paternos, em Guadalupe, bairro onde, segundo dizem, morou o Caetano Veloso logo que chegou ao Rio. Guadalupe ainda era um bairro tranqüilo, pacato, sem a bagunça e a violência atuais. Brincávamos sempre na rua, exceto quando passavam os bate-bolas. Morríamos de medo. Eles andavam com bolas de couro presas em cordas, e as atiravam contra os portões das casas, apitando horrivelmente por baixo das máscaras. Corríamos gargalhando de pavor. Ouvi dizer que, hoje em dia, não apenas as crianças temem esses caras. Agora, muitos ladrões se fantasiam de Clóvis no Carnaval. O medo, que antes era apenas uma ilusão infantil, tornou-se mais uma triste realidade.

P.S.: É claro que, segundo acabo de descobrir, já havia uma comunidade no Orkut sobre esses monstrengos…

Tio quase zen

Se meu tio Paulo não fosse um cara tão esquentado quanto eu, seria um grande mestre zen. Acho que você conhece a anedota dos monges e do gato, não é? Monges de dois mosteiros diferentes discutiam sobre a posse de um gato. Uns diziam que o gato era deles porque havia nascido em seu mosteiro, os outros diziam que não, que o gato era deles porque eram eles que o alimentavam. Nisto, vinha passando um mestre zen muito respeitado por todos. Pegaram-no para juíz e lhe explicaram a situação. Ele, ao terminar de ouvir as partes, deu um salto no ar, desembainhou a espada e cortou o gato em dois. “Pronto”, disse, “cada grupo fica com sua parte…” A conclusão de praxe no zen-budismo é aquela lenga-lenga estilo Matrix: este mundo é uma ilusão e não vale a pena apegar-se aos fenômenos, etc. e tal. Bom, agora meu tio. Minha vó Maria – a mesma do Cu do Capeta – certa vez passou toda uma semana pedindo ao meu tio que colocasse um novo cabo numa panela de que ela muito gostava. “Mas, mãe, essa panela tá muito velha, tem mais de vinte anos, tá toda amassada, sem cabo… Deixa que eu compro outra.” E ela: “Não, essa panela é tão boazinha, arruma ela.” Meu tio comprou uma panela nova e ela continuou insistindo que ele consertasse a antiga. “Tá bom, mãe, vou arrumar essa bosta”, disse, irritado. E, então, pegou uma espingarda calibre 22, automática, foi ao quintal e deu uns quinze tiros na panela.

Arma por livro

Numa bienal de livros, me deparo com estranho estande onde se vê um grande recepiente cheio de armas coloridas de brinquedo. Na entrada, a placa: “Troque sua arma de brinquedo por um livro”. Penso: será que essa gente realmente acredita que a violência brota dos objetos e não do obscuro interior humano? Realmente crêem que, tirando um brinquedo de uma criança, a tornará uma pessoa melhor? Não duvidaria nada se, em troca de uma pistola vermelha, cheia de luzes brilhantes, essa gente não daria um exemplar de O Capital pra molecada… Se eu fosse criança, teria ido até lá, com meu livrinho vermelho na mão, e exigido que o trocassem por uma arma laser. Armas de espuleta, de setas, etc. sempre foram meu brinquedo favorito e isso não me tornou um monstro ou uma pessoa violenta. Pobre gente de miolo mole! São todos tão cheios de boas intenções, tão convictos de que há um complô das armas – e só delas – contra a humanidade!

Cu do capeta

Vó MariaNão sei se você conhece o Cu do Capeta. Foi minha Vó Maria quem me informou sobre sua existência. Minha avó materna é uma camponesa típica. Nasceu, cresceu, amadureceu e, hoje, envelhece numa fazenda. Tem quase noventa anos, anda escorada num cajado e diminuiu tanto que já parece um duende, um leprechaun. Em sua casa, cada vez que um objeto desaparece, é porque ele está “socado no cu do capeta”. E de nada vale lhe explicar que, segundo Stephen Hawking, não existem, como se imaginava, os tais buracos-negros absolutos. Algumas coisas podem ir até eles e voltar. “Não do cu do capeta”, diz ela.

Assaltos

Eu já fui assaltado cinco vezes ao longo da vida. Três em São Paulo – duas no mesmo dia, quando eu tinha 14 anos de idade(1985) – uma no Equador(1990) e outra em Goiânia (1988). Todas a mão armada, três com armas de fogo. A última foi em 2000, numa travessa da Av. Paulista, enquanto eu estava ligeiramente alcoolizado, dirigindo o carro de um amigo mais alcoolizado que eu. O cara meteu o revólver pela janela e eu o tratei com a maior delicadeza, como se ele estivesse me pedindo esmola. O figura ficou de cara e eu, com a vida. E com o carro. Experiência… Em Goiânia, quando eu ainda estava aprendendo a ser assaltado, o figura chegou a atirar pra cima, já que eu não queria me separar da minha envenenada Mobyllete, que, apenas na minha ilusão, estava destinada a ser trocada por minha primeira moto. Larguei-a muito a contra-gosto. No Equador, vi a morte chegar junto, pois o pivete engatilhou o revólver e o apontou na minha cara no momento em que perguntei se podia “sacar la pelícola de la” câmera. Eu havia tirado altas fotos de um cemitério de navios…
Tudo isso é para dizer que… bem, eu finalmente não possuo mais nada a ser levado, tô zerado, duro, pobre que nem um monge chinês. Mas que agora eu tô afim de treinar a minha capoeira, ah, isso eu tô…

Dúvida

Se eu disser em público, ao me referir à minha situação econômica, que “a coisa tá preta”, poderei ser processado por racismo? Mesmo não sabendo de que diabo de raça eu faço parte?

Hora do chá

E o pessoal da União do Vegetal está tendo problemas para consumir a ayahuasca nos EUA. Liberdade de religião versus Controlled Substances Act

Alto Paraíso

Um dos fatos mais interessantes a se notar na cidade de Alto Paraíso de Goiás (Chapada dos Veadeiros) é a debandada geral de místicos, hippies e afins, após tantos anos ali radicados. É curiosa a quantidade de casinhas de contos de fadas abandonadas às traças. Como o mundo teimou em não acabar na virada do século, muitos grupos, comunidades e gurus perderam sua razão de ser e simplesmente desapareceram. O que essa gente estará aprontando agora?

Casa do Sol 2

Trecho de outro email que enviei lá da Casa do Sol ao Mora Fuentes, que estava em São Paulo:

a hilda acabou de ir se deitar. hoje ela pintou as unhas de vermelho. disse q não faz isso desde q era moça. verdade? e o bruno “tolenta” [tolentino] tá sendo super procurado, mil neguinhos ligando e ele nada. o antônio diz q ele tá de retiro espiritual num canto qualquer da bahia. ah, o caco tá na cadeia. esta manhã entrou numas com o zidane e a coisa ficou feia. a hilda não agüentou e mandou o chico prendê-lo. ele tá latindo direto até agora. ele tem sorte de não estar em cela comum, mas nessa primeira, junto com a lilí, a lalá e a panda. a vida às vezes é muito dura, caco meu velho…

Pirâmide

É incrível como aumenta a quantidade de conhecidos, amigos e parentes a trabalhar para o governo. Hoje em dia, parece ser o único emprego certo, seguro, garantido. Mas é óbvio que esse fenômeno é uma pirâmide, uma ilusão. Mais cedo ou mais tarde não haverá iniciativa privada suficiente pra ser sugada através de impostos. Quando todos forem funcionários públicos, quem irá bancar essa gente?

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